31 de dezembro de 2015

COM OTIMISMO E ALMA RENOVADA PARA 2016

Quando abrirmos o livro do novo ano, suas páginas estarão em branco. Nós vamos escrever nele os nossos desejos mais específicos. Um ano cheio de amor e dos melhores sentimentos que existem. Quero que o amor e paz nos coloquem sempre no caminho da positividade, onde não existe espaço para a tristeza, apenas para a nossa felicidade. Este livro chama-se oportunidade e seu primeiro capítulo começará no primeiro dia de 2016. Que as realizações alcançadas em 2015, sejam apenas sementes plantadas que serão colhidas com maior sucesso no ano vindouro.

A vida é bela e mesmo com os contratempos sempre será, porque o simples fato de estarmos vivos nos dá oportunidade de mudarmos tudo àquilo que não gostamos, de poder transformar a nossa realidade e tornar o nosso mundo um lugar mais agradável e gostoso de viver. Vale lembrar que o objetivo do ano novo não se resume na passagem de um ano para outro. É mais do que isso. É uma oportunidade que nos é dada para começarmos o ano com otimismo e a alma renovada. Chegou o momento de abrir o nosso coração e renovar nossas energias para receber 2016. Dizendo todos numa só voz:

“Boa noite Pai já está terminando o ano de 2015 e agradeço pela vida que me confiou. Neste momento recolho-me para o meu descanso merecido. Obrigado Pai por tudo, obrigado pela esperança que nesse ano animou os meus passos, pela alegria que senti juntamente com as pessoas que de alguma maneira caminharam ao meu lado nesse ano. Obrigado pela alegria que vi no rosto dos meus filhos e dos demais jovens, das crianças e dos idosos, que comigo conviveram ao longo desses anos. Obrigado pelo exemplo que recebi dos outros, pelo que aprendi ao longo desses anos. Obrigado também por tudo que sofri e ainda sofro por ver crianças e idosos sendo maltratados. Obrigado Pai pelo dom de amar, mesmo sem ser compreendido. Obrigado pela luz, pela noite, pela brisa que sopra o meu rosto, pela comida em minha mesa, obrigado por permitir-me viver, pelo meu esforço e desejo de superação. Pai desculpe o meu rosto carrancudo. Desculpe ter esquecido que não sou o filho único, mas irmão de muitos. Perdoa a minha falta de colaboração, a ausência do espírito de servir. Perdoa-me também por não ter evitado aquela lágrima, aquele desgosto que lhe dei. Desculpa ter aprisionado em mim aquela lagrima por não expressar o meu amor naquele momento. Contudo, estou pedindo força, energia para os meus propósitos, no ano que está nascendo, a vida não para nunca, só a morte pode nos cessar. Enquanto isso, espero que neste novo ano que está começando, domine um novo sentimento em cada coração. E que a cada novo dia seja um continuo sim, numa vida consciente. Porque tudo que vive, não vive sozinho e nem para si mesmo.”

Como disse sabiamente o líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948): “Tudo o que vive é o teu próximo”. Se uníssemos pelo amor compartilhado, talvez tivéssemos muito mais em comum e, força suficiente para cultivar valores que nossa essência carrega. Não se pode viver nesse mundo sem ter fé em Deus e sem relacionar com o universo em harmonia. A alma precisa de silêncio e prece, pois, no silêncio e na prece, nada tememos. A cada ano que passa, aprendemos que o tempo nos converte mais que a razão. Contudo, a cada dia de nossa vida, aprendemos com nossos erros ou nossas vitórias, o importante é saber que todos os dias vivemos algo novo. Que o novo ano que se inicia, possamos viver intensamente cada momento com muito amor e esperança, pois a vida é uma dádiva e cada instante é uma benção de Deus. 

29 de dezembro de 2015

OS MISERÁVEIS - VICTOR HUGO

O livro: “Os Miseráveis” de Victor Hugo (1802-1885), foi escrito em 1862 é uma narração de caráter social em que o misticismo, a fantasia e a denúncia das injustiças formam uma trama complexa, onde descreve vividamente, ao tempo de condenação, a injustiça social da França do século XIX. O livro conta a história de um criminoso que sai da prisão cheio de raiva. O romance é muito comovente e emocionante. Pois narra a triste história de Jean Valjean, um homem muito pobre que para salvar a família da fome é forçado a roubar um simples pão. Desde então é condenado e preso pela polícia.

Porém, quando está terminando de cumprir a pena ele foge e acaba sendo condenado novamente. Fez isso algumas vezes e infelizmente passou 19 anos preso por ter roubado apenas um pão. Ao ganhar a liberdade ele sai na cidade à procura de um lugar para dormir e se alimentar. Entretanto, é expulso de todas as hospedarias, pois os donos o consideravam como um dos piores bandidos já existentes. Para o autor, o mundo é o terreno onde se defrontam os mitos: “o bem e o mal, a bondade e a crueldade”.

Entretanto, após cumprir 19 anos de prisão com trabalhos forçados, Jean Valjean, com frio e fome ele bate à porta da casa de um Bispo é acolhido com dedicação, por mais que o Bispo soubesse de quem se tratava, mesmo assim, lhe dá comida e abrigo. No entanto, esse Bispo só tem uma riqueza na vida que são seus dois “castiçais de prata”. Mas havia tanto rancor na sua alma que no meio da noite ele rouba um dos castiçais e agride o seu benfeitor. Ele sai sem que o Bispo o perceba. Quando ele está saindo da cidade a policia o aborda e começa a revistar sua bolsa e encontra o castiçal e pergunta: onde ele arranjou aquele castiçal. Prontamente ele diz: foi o Bispo que me deu. A policia desconfia e o leva até a casa do Bispo, para confirmar essa história.

Chegando lá para a surpresa de todos inclusive do criminoso, o Bispo confirma que realmente deu o castiçal. O Bispo salva-o alegando que o castiçal de prata foi um presente e nessa altura dá-lhe o outro castiçal, repreendendo-o por ter saído com tanta pressa que se esqueceu de levar essas peças mais valiosas. Após esta demonstração de bondade, o Bispo o “lembra-se da promessa (que Valjean não tem nenhuma lembrança de ter feito), de usar a prata para tornar-se um homem honesto”.

Portanto, vale lembrar que a maioria dos seres humanos não é como esse Bispo. Mas, o Jean Valjean, quando ficou sozinho analisou esse gesto de generosidade do Bispo. De repente como um milagre, ele é tocado por aquelas palavras do Bispo e a partir daí ele se torna uma pessoa bem melhor. Tornou-se um empresário bem sucedido, dono de uma fábrica e um homem respeitado pela sua bondade, caridade e generosidade. Contudo, este gesto extremamente nobre do religioso, devolve a fé que aquele homem amargurado tinha perdido. 

24 de dezembro de 2015

JESUS: O FILÓSOFO DO AMOR

Apesar de todo avanço científico e tecnológico alcançado no mundo contemporâneo, hoje assistimos a mecanização do homem e a espiritualização das máquinas. Estamos perdendo o verdadeiro sentido da vida, esquecemos-nos do verdadeiro significado do Natal. Este homem chamado Jesus que nasceu a mais de dois mil anos, deve estar preocupado com o mundo em que viveu. Apesar da sua imensa sabedoria, não deve estar entendendo o que está acontecendo conosco. Ele não está entendo, por exemplo: como é que as pessoas se cumprimentam de coração aberto e com um sorriso nos lábios e que passado pelo encantamento do Natal, estão prontos para começar a guerra novamente, contra tudo e contra todos. Vivemos num mundo completamente desprovido de generosidade, condescendência, afeto e compaixão pelo nosso semelhante.

Jesus que nasceu no ano zero da nossa história, não pode entender porque o Natal funciona apenas como uma trégua, onde as pessoas trocam presentes sem nenhum significado espiritual, apenas para nutrir o ego um do outro e aquecer o capitalismo. Muito comum nesta época do ano às mesas fartas, sobrando comida, quando na verdade, um terço da população no mundo morre de fome. Vivemos uma imensa desigualdade social, sem falar das discórdias familiares e sociais. Esquecemos que o destino une e separa pessoas que amamos, mas mesmo ele sendo tão cruel, é incapaz de fazer com que nos esquecemos de pessoas que por algum momento nos fizeram felizes. A guerra que travamos todos os dias contra o nosso semelhante não tem o menor sentido. Desqualificamos o lado divino do ser humano ensinado por Jesus. Ele que viveu entre nós e é o símbolo da nossa esperança, ainda não perdeu a própria esperança nos seus filhos. A esperança de que um dia o ser humano perceba que a trégua é o certo e o normal e que a guerra é um grande equívoco.

Por conseguinte, Jesus nos ensinou a amar o próximo como um roteiro de vida feliz e fraterna. Cada pessoa é a linguagem de Deus. Aprendi que o amor é aquele companheiro que gosta de conversar. Ame sempre o seu semelhante. Demonstre gestos de respeito e gentileza. Seja justo e não julgue o outro pelas suas fraquezas ou porque ele é diferente. Pense muito sobre suas ações. Procure sentir o que realmente sente pela vida. Não se deixe perturbar pelo amor que sente por alguém, pois somos um ser de amor. Meditar muito sobre esse sentimento, meditar sobre suas inclinações e possibilidades de ser feliz no amor. Procure fazer o mais que puder por esse amor. Contudo, aperfeiçoar-se neste projeto de vida, para quando fechar o ciclo aqui na terra possa devolver a Deus, esse dom de amar que um dia Ele estampou em nós quando aqui chegamos. Só espero estar certo no que penso e sinto. Quero um mundo melhor e mais humano para todos nós.

Portanto, o que vale pena é não ser inimigo de ninguém. Se alguém não gosta de você o problema é dele. Mas quando você não gosta de alguém o problema é seu. Faça o que quiser, vai se arrepender de qualquer maneira. Quero citar o educador negro Burger Ferrater Washington que diz: “não permitirei que ninguém me degrade a ponto de me obrigar a odiá-lo”. Seja qual for à circunstância o amor é o sublime elixir da plenitude. Como disse Jesus: “amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. O importante é amar, não importa se não é amado. Quando se vive na plenitude do amor a gente se cuida e se prepara para uma vida feliz. Somente quando se ama é capaz de perdoar, porque percebemos as dificuldades que existe para abandonar nossas imperfeições. Enfim, tornar-se a tolerância, a compreensão e a fraternidade o referencial do amor. Para o filósofo o amor é a alma da vida, o oxigênio que nos mantém vivo. 

21 de dezembro de 2015

LINGUAGEM E PODER

As pessoas se fazem conhecer, fisicamente, pelo corpo. Mas a mente, os sentimentos, os pensamentos, as manifestações do gostar ou não gostar de algo ou de alguém, são expressas através da linguagem. Embora o corpo mostre muito do que sentimos pela fisionomia e gestos involuntários. Então eu mostro para o mundo, desnudo-me enquanto ser, através da linguagem. Sendo a linguagem muito importante para nós humanos, como um instrumento de interação. Posso fazer com que ela transmita coisas muito positivas ou muito negativas. Com a linguagem posso levantar a moral das pessoas, trocar informações, crescer e construir juntos; ou também posso acabar com uma pessoa, principalmente se detenho o conhecimento.

Os professores, principalmente das classes populares, têm um compromisso muito grande de conseguir fazer com que aconteça esse ritual de passagem da vertente popular para vertente padrão. Porque o aluno só vai atingir a cidadania se ele tiver o domínio da linguagem. Ele vai pensar mais complexamente, tendo em vista que essa é uma maneira de ascender na vida social e no trabalho. É importante que o aluno passe por esse ritual, sem medo da linguagem, mas com a consciência da necessidade de adquirir a linguagem mais próxima do padrão formal e assim considerando que a linguagem é poder. Lembrando-se da importância de trabalhar a linguagem nas classes populares como forma de inclusão e dando a essas pessoas o direito a voz.

Não existe linguagem neutra. Toda linguagem tem o objetivo de convencer alguém de alguma coisa, até mesmo à linguagem amorosa. Quando é dito algo para alguém a linguagem tem uma intencionalidade. Por isso mesmo que ela adquire um peso. Quando desprezo a linguagem de uma pessoa, estou desprezando esta pessoa. Levando em conta a concepção de que não existe o certo e o errado, em termos de linguagem. Mas existe o expressar diferente. Por exemplo, a criança da periferia tem muito mais dificuldades com isso na escola e não é porque ela seja menos inteligente. A dificuldade existe porque ela, além de se alfabetizar, tem que aprender outra língua, diferente do que estava habituada.

Quero puxar aqui outro lado da questão, discutido num ensaio que estou escrevendo para educação, que é o drama da palavra. A relação entre a lógica da palavra e a inteligência. As pessoas vivem eternamente discutindo as relações sociais e afetivas, no pressuposto de que é com palavras que a gente se entende. E assim vão se desentendendo cada vez mais. Não existe nada linear. Quando se fala: pensamento linear está falando de causa e efeito, ou seja, uma causa produzindo um efeito em uma só linha de influência. Essa verdade linear é para muitos retardatários, a essência da ciência e da lógica. Tendo em vista, que a culpa desse atraso é da linguagem, sendo esta essencialmente linear. Forma-se nas pessoas a noção de que as coisas e os fatos também se sucedem linearmente. Uma coisa depois da outra, uma palavra depois da outra e em ordem rigorosa, ou a frase não terá sentido. Daí o vício universal, quem é o culpado ou quem devia? As duas maldições da humanidade. Esclarecendo com uma pergunta deveras inteligente: quantos são os culpados pela existência de um culpado? Quantos estão envolvidos no dever tido como de um só? Como argumentava o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900): "não existem fatos, apenas interpretações". 

Concluo com uma afirmativa do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), nada é linear, nem a natureza, nem a visão científica, muito menos as relações amorosas. Que vive entre altos e baixos. A realidade é complexa, organizada em rede, tudo influindo sobre tudo e tudo sendo influído por tudo. Nove vezes em dez, para nove de cada dez pessoa, pensar e até entender ou compreender é falar, seja consigo mesmo, seja com alguém ou escrevendo em linha. Coincidência infeliz porque as palavras não são as coisas, nem são os fatos, nem a sucessão das palavras tem que ver com a sucessão dos fatos. Nem a sequência das palavras na frase segue a ordem do acontecido. Pois as palavras vêm sempre depois dos fatos. Contudo, só as palavras repetem e os fatos jamais. Enfim, por trás das palavras está à coisa, o pano de fundo, o significado do significante. Nesta teia da vida, tudo que vai acaba voltando. A lei do eterno retorno. 

16 de dezembro de 2015

ÉTICA PARA UMA EDUCAÇÃO ECOLÓGICA

Estamos conscientes que a nossa “aldeia global” é uma soma espantosa de injustiças, opressões, explorações, violência e ameaças monstruosas de destruição do planeta. No entanto, as enchentes e tempestades ratificam a vergonha e o horror em que vive a humanidade. Nesta reflexão temos como foco a análise temporal do desenvolvimento da sociedade ocidental, lembrando que essa atual crise ambiental é produto histórico de um modelo de desenvolvimento econômico, social e cultural. Esta crise veio sendo apoiada e constituída por valores e paradigmas que a transformaram no que ela é hoje. Assim a realidade atual foi reciprocamente construída e reforçada por valores relativistas. No entanto, essa crise ambiental não é simples de ser analisada, ela é complexa e afeta nossa saúde, nosso modo de vida, nossas relações sociais, a economia, tecnologia e política, daí a necessidade de ser analisada por diferentes e outros seguimentos da sociedade, ou seja, de uma maneira interdisciplinar, onde cada um faça a sua parte.

O autor do livro: “Ética e Educação Ambiental”, o filósofo e educador Mauro Grün, analisa e reconstrói esse processo histórico e identifica alguns valores e paradigmas em que se apoiou a construção da atual sociedade e ainda continua a apoiando. O autor identifica que a ética antropocêntrica surgida a partir do renascimento, como sendo uma das principais causas da degradação ambiental, esta ética centrada no ser humano, está diretamente associada ao paradigma mecanicista, o qual inaugura a visão de que a natureza é uma máquina.

Esta mudança de modelo para uma visão que deixa de lado Deus como centro de tudo e coloca neste papel o ser humano e transforma o orgânico e natural em algo mecânico. O ser humano desde então se coloca em posição central no universo e a natureza de maneira secundária. Neste momento é que ocorre cisão entre natureza e cultura, uma separação que levaria o futuro da humanidade a um antropocentrismo radical e apoiado fortemente pela razão. O livro retrata a profunda dor de um ser humano que é perder a coisa mais importante para vida de um filósofo, que é a razão.

A ciência moderna teve também um papel fundamental na difusão da lógica mecanicista da natureza, através do próprio método científico utilizado nas pesquisas, onde a natureza passa a ser não mais que, um objeto passivo de estudo dos cientistas. Percebemos que o ser humano se retira da natureza para que possa estudá-la cientificamente. Ao se retirar o ser humano se põe num lugar de descobridor e dominador da natureza. Ele não convive mais com a natureza, somente a explora. Vivemos uma ruptura de valores. A ciência e sua metodologia objetificante, os valores individualistas; pragmáticos e racionais; a cisão cartesiana entre ser humano e natureza constitui uma barreira invisível para o entendimento da crise ambiental complexa e multifacetada e também para o desenvolvimento de uma educação ambiental realmente efetiva, nas palavras do filósofo Mauro Grün que argumenta: “uma impossibilidade radical de uma educação ambiental no cartesianismo”.

Portanto, uma das possíveis saídas para que seja realizada uma educação consistente, é que haja a superação da dicotomia ser humano verso natureza. É necessário que seja superada a visão da natureza como sendo uma fotografia de uma paisagem natural na parede onde nós, não nos reconhecemos e nem nos vemos. Por uma visão de natureza, em pleno desenvolvimento e movimento, cheio de cores, sons, perspectivas, problemas, onde não somos atores em condições de atuar num cenário não menos importante, e ao mesmo tempo em que atuamos, podemos assim mudar o desenrolar da história a qualquer momento. É isso que a natureza espera de nós. “Que tenhamos plena consciência dos seus efeitos.”

13 de dezembro de 2015

VIVER É DAR SENTIDO E VALORIZAR A VIDA

Biologicamente compreendemos a vida em nascer e morrer. Mas se quiser mudar o pensamento para uma visão mais filosófica, nós aparecemos e desaparecemos e não sabemos muito bem como, por mais que estude do ponto de vista mecanicista cartesiano. O fato é que uma hora vamos desaparecer e não sabemos quando e nem para onde iremos. Sabemos que vamos morrer. No entanto, morremos sem saber. Tudo que se fala em torno da morte é pura especulação, crença e fé. Existir é tarefa, consciência, responsabilidade, liberdade e, por isso, também é festa e alegria. No entanto, existir é coexistir, isto é, estar no mundo com os outros. Sobretudo, por responder ao apelo a vida, ao desejo da perfeição, de harmonia e de felicidade.

Mas existir é também crescer, amadurecer e isso produz sofrimento, inquietação, angústia. E tais coisas são normais, fazem parte da vida e o importante é a sua superação. Daí a importância dos valores. Nós usamos a palavra valor para muitas coisas, como dinheiro, vestuário, a vida moral, a religião, etc. É comum dizer que viver vale a pena, que há comportamentos, atitudes e ideais valiosos. No entanto, valor é uma qualidade de certos comportamentos ou ideais que uma pessoa tem. Valor é o bem, o belo, aquilo que está nas coisas que apreciamos e gostamos. E viver é dar sentido e valorizar as coisas que buscamos pela vida afora. É certo que a existência tem sentido. Nós é que devemos procurá-la e vivê-la. Só assim a vida vale a pena enquanto a vivemos.

Quando nos desgostamos diante de atos, atitudes, ideais, nós criticamos tudo e a todos. Todos têm uma escala de valores, isto é, uma hierarquia, onde há os valores mais dignos, os médios e os menores. Como é que a gente vai ser feliz se coloca como valor mais alto algo que não satisfaz? Algumas pessoas colocam coisas materiais como a única medida da felicidade. Mas onde fica a amizade e o companheirismo? Se a gente perguntasse a um jovem hoje o que ele prefere: ser um santo ou um super herói? É provável que ele respondesse seco: um super herói. Se num questionário fizesse a seguinte pergunta: você quer ser rico, não importa como, ou ser honesto? A resposta provável seria ser rico. Outro dia ouvi de uma jovem o seguinte comentário: “faço somente o que quero e quando quero”, tendo em vista que essa jovem não estuda e nem trabalha. Ela mal deslumbra que a vida social é uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados. Isto significa a não valorização da própria existência.

Vivemos um mundo que não há mais certeza. Venho de uma geração onde tudo era sólido, a começar pelas relações afetivas. Uma das características da modernidade líquida é que o aqui e agora não junta mais corpo e alma, nós não temos mais consciência e presença física neste momento. Temos um mundo intermediado pela tecnologia, um mundo que cada vez mais depende dessa tecnologia e essa liquidez atinge naturalmente os valores. É melhor educar os filhos com grande clareza de princípios ou educá-los numa escola construtivista e mais livre? São duvidas que nós temos e que os nossos pais e avós não tiveram. Como educador para acalmá-los digo: tanto faz não da certo de qualquer jeito. Para os jovens nós erramos sempre. Ou seja, temos um mundo diluído pelos valores como: amor, respeito, amizade e autoridade. Fui aluno numa época quando o professor tinha toda a razão, hoje sou professor onde o aluno é que tem razão.

Digam a alguém que está cansado, prontamente ouvirá, eu também. Muito comum nas relações afetivas dizer um ao outro, estou triste com você, o outro, eu também. Sinto que você não me ama mais, eu também sinto. É uma concorrência permanente. Ninguém ouve ninguém, somos totalmente individualistas. Além de não escutar o outro, não conversamos, falamos o tempo todo como papagaio. Qualquer dado que der sobre educar minha filha que tem dezoito anos, o outro vai dizer e daí, a minha tem onze anos. Ou seja, ninguém quer saber de ouvir. Somos obrigados a ser felizes e não ter problemas. A sociedade como um todo, quer dinheiro, status, poder, usufruto de todos os bens, sem olhar para os valores humanos, porque é mais lucrativo levar vantagens, do que ser um bom caráter.

Portanto, a nossa sociedade parece um grande shopping de vendas de valores materiais, de violências mostradas pela mídia em geral, de individualismo e relativismo de valores. O que interessa é o poder e os lucros em grande escala, sem se importar com os valores éticos e morais. Mas, o ser humano está feliz? Ora, a felicidade só acontece quando o ser humano pode viver as várias dimensões ou faces de sua existência, como a material (comer bem) a afetiva (viver o amor tântrico) e o espiritual (estar em sintonia com a divindade). E isso requer a vivência da diversidade de valores que corresponde às várias necessidades do ser humano. Fui educado para um mundo que hoje não existe mais. Mesmo assim procuro dar sentido a tudo que faço na vida e valorizo o tempo que ainda me resta para viver. O mundo não acabou só trocamos de mundo. São as novidades que estão acabando.

27 de novembro de 2015

O QUE É O AMOR?

Um dos mais belos textos da literatura mundial é: “O Banquete”. Platão expôs aquilo que seria a sua doutrina sobre o amor. A narrativa que relata uma festa realizada na casa de um famoso poeta Agatão, que vai desencadear uma série de elogios aos deuses que, se acreditava, não havia ainda recebido os louvores dos homens. Assim, o deus foi tido por diversos caracteres, desde o deus mais antigo e por isso bom educador, passando por uma força cósmica universal geradora dos seres, até por uma dupla característica, sendo uma vulgar e outra ascética, bem como o deus mais jovem, mais belo e por isso irresponsável e criador de confusão.

Chegada à vez de Sócrates falar, surge o problema: Sócrates não sabia falar bem, não tinha o dom da eloquência. Ele não sabia elogiar, mas gostaria na forma de diálogo, falar de deus. E sua primeira questão foi: “o que é o amor?” Ou seja, antes de falar se ele é bom ou mau, belo ou feio, se ajuda ou se atrapalha na educação, deveríamos saber o que ele é. Para desconcerto geral, Sócrates definia o amor como sendo a busca da beleza e do bem. E sendo assim, o amor não pode ser nem belo e nem bom. Quem ama, deseja algo que não tem. Quando se tem, não se deseja mais. Só desejamos o melhor, ninguém escolhe o mal voluntariamente. Logo, o amor é o desejo do belo e do bom. Essa definição permite uma compreensão universal do objeto (o amor). Mas não devemos também acreditar que por não ser bom, o amor é mau. Não é uma conclusão necessária. Para isso, Sócrates vai contar o que Diotima contou-lhe sobre o amor.

Para combater o mito que acabara de escutar da boca de um comediógrafo (Aristófanes – mito da alma gêmea). Sócrates mostra o que aprendeu com aquela que o iniciou nos mistérios do amor. Diotima disse ao nosso filósofo que durante uma festa, todos os deuses foram convidados, menos a deusa Penúria. Faminta e isolada, ela procurou alimento nos restos da festa. Porém, ao ver o deus Astuto, deus engenhoso, cheio de recursos e que estava embriagado, deitado num jardim, a deusa resolveu ter um filho com ele. Nasce daí o deus Eros (ou amor), que assume as características de seu pai. Como sua mãe, ele é pobre, carente, faminto e desejante. Mas como seu pai, ele é nobre, cheio de recursos para alcançar o que lhe aprouver, sempre saciando suas necessidades.

Em um nível cósmico, a função do deus é ligar os homens a Zeus, sendo um intermediário entre eles. Aos deuses, o amor leva as súplicas dos homens, seus anseios, suas dúvidas e necessidades através das preces e orações. Aos homens, o deus do amor traz as recomendações aos sacrifícios e honra aos deuses. Por isso, não sendo nem bom e nem mau, mortal e também imortal, o amor é o que nos leva a escolher sempre o melhor, a fazer o bem. Ele morre, como um desejo que se acaba, mas logo nos inflama novamente, renascendo na alma dos homens. Afinal, o que é o belo e o bem que o amor busca?

Para Platão, no nível mais imediato, o amor refere-se à nossa sensibilidade e apetites, principalmente o sexual. Vemos, a partir de um corpo, a beleza e o desejo de procriar nele. Isso significa, inconscientemente, que o desejo por um corpo belo é a tentativa da matéria de se eternizar. Os filhos são uma forma dos pais serem eternos. No entanto, o belo não é somente o corpo, tanto que logo que esse desejo se esvai, percebemos que outros corpos também nos atraem. Assim, passamos do singular (indivíduo) para o universal (todos os indivíduos). Mas ainda nisso não consiste a beleza, apenas participa da ideia. Para Platão, subimos degraus na compreensão da beleza, dos corpos até as ações na ciência, na arte e na política, que expandem a ideia de beleza. Mas ela mesma é uma ideia, norteadora das ações humanas, que dirige as almas para o bem absoluto que não pode simplesmente ser conquistado pelo homem encarnado.

Portanto, o homem na sua dualidade corpo e alma, jamais conhecerá a verdade de modo absoluto. Isso cabe somente aos deuses. Mas nem por isso deve deixar de se desenvolver. É moral dever agir procurando o melhor sempre. Ao homem ser desejante intermediário entre os deuses e os outros seres não consciente, cabe buscar o conhecimento que o aproxime dos deuses, não se deixando fascinar pelo sensível, mas buscando compreender o inteligível, o reino das ideias, o que propriamente é o saber. Assim, naturalmente, o homem é filósofo (ou deveria ser) buscando a sabedoria, entendendo por isso a melhor forma de usar a parte que lhe é principal – a alma – para agir, ser dono dos desejos, compreendendo a função de cada um e não se tornar escravos desses.

24 de novembro de 2015

VONTADE NÃO É DESEJO

Desejo é diferente de vontade. Desejo é coisa da alma e do corpo. Vontade é coisa do raciocínio e do ego. Para melhor compreende essa dualidade, vamos imaginar dirigindo num transito e de repente o guarda quer nos multar por excesso de velocidade, mesmo sabendo que estamos no limite permitido, o nosso desejo é de enfiar a mão na cara do guarda. Nosso desejo é provar que estamos com a razão. Mas, sabemos que isso de nada adiantará, pois o poder está com ele. Ora, sabendo que o poder está com ele, então, contemos o nosso desejo e usamos a nossa vontade para argumentar.

Na relação afetiva acontece a mesma coisa. Ao conhecer uma pessoa que nos atrai e provoque o nosso desejo de ter alguma intimidade com ela. Se negarmos que estamos a desejando, vamos reprimir e por via disso, vamos enfraquecer a nossa individualidade. Podemos não ter nenhuma intimidade com essa pessoa em respeito a nossa outra cara metade. Assim como não gostaríamos que fizessem conosco, não faríamos com quem amamos. Porém, a nossa vontade prevaleceu e não cedemos aos nossos desejos.

Isto implica que sem reflexão, agimos por impulso e não percebemos que este impulso – desejante ou reativo – é resultante do que sentimos; se não refletimos o que sentimos, certamente agimos de maneira equivocada pela perturbação emocional. A diferença entre o desejo e a vontade se encontra numa relação muito estreita, embora distinta. Para melhor compreender vamos recorrer ao poema de Adélia Prado que diz: “Eu não quero a faca e o queijo, eu quero a fome”. Além do princípio pedagógico fantástico que carrega a frase, ela põe em relevo a vontade e o desejo. Algo que nos inquieta. Isto é, a fome é o desejo, o instinto, comemos quando estamos com fome para satisfazer nosso organismo. O querer a fome é querer comer, com apetite para a satisfação do desejo.

Entretanto, a vontade está explícita nessa frase. A vontade é o querer com apetite. Porém, essa vontade se expressa fora do âmbito do desejo, que é impulsivo, enquanto que a vontade é um querer racional com finalidade de resolver o problema da fome. A vontade é potência, estímulo, cultivo. O ato é manifestação da realização do desejo. Se desejo é porque ainda não tenho. Só desejamos aquilo que não temos. O homem deseja a mulher e vice e versa, por carência e a ausência que reclama a sua outra metade. Quando ambos se encontram e se completam, sai de cena o desejo para dar lugar à excitação.

A paixão, pensada e vivenciada pela nossa juventude é desejo, falta, dor e ausência. Amor é essa vontade espontânea de amar, dar-se, cuidar e atender. Cada um com seu pensamento e sua vida, cada qual se avalia e diz se realmente ama o outro ou fica com ele por medo, carência, utilitarismo ou qualquer outro tipo de pretexto. Volto a citar Adélia Prado: “não quero a carne, não quero o gozo, quero é o tesão. Que seja pela vida, pela amada, pela fotografia, pelo cinema, pelos esportes ou seja lá que causa for”. Viver é pensar e pensar é viver, no nível mais profundo dessa vontade, que tanto falta em nós. Porém, tão comum e abundante é o desejo em nossa sociedade. Sendo assim, para que pensar? Logo digo: para saber-me mais perto da vontade de viver que do desejo de vida. Tendo em vista que a vida já temos, precisamos colocar nela a vontade de viver.

Portanto, desejo é tudo o que emerge do pensamento à ação sem que se possa controlar; é o impulso instintivo, é a avidez pelo prazer das sensações. Vontade é a ação regida pela razão, independentemente da corrente dos desejos, ou seja, é o uso da razão para deliberar escolhas. Muito diferente de desejo, vontade é o saber materializado em conduta; é tudo o que o pensamento produz para se sobrepor aos instintos, a fim de viver melhor. A fronteira entre a vida boa e a vida ruim está no descolamento entre a racionalidade e o impulso desejante, ou seja, entre a vontade e o desejo. A vontade percebe que, apesar do desejo, é possível viver na contramão dos instintos. Contudo, a isso chamamos liberdade, que é a soberania da competência deliberativa sobre as próprias inclinações. Sou livre quando, ao flagrar meus desejos, consigo agir racionalmente, contrariando o que sugerem meus impulsos. 

18 de novembro de 2015

O AMOR SE ALIMENTA DA CONFIANÇA

Não acredito que possa haver alguém que tenha experimentado o amor mesmo que desprovido de intenções sexuais e não tenha conhecido o ciúme. Até porque os dois geralmente andam juntos. Há pessoas que acham que o ciúme é o tempero do amor. Com certeza estão equivocados. O ciúme impede a generalização do amor. Uma pitadinha de ciúme às vezes pode valorizar a pessoa amada. Costumo comparar o ciúme com a pimenta. Quando demais, acaba estragando o prato predileto. Uma pitadinha é ótimo; demais, leva o amor a se transformar em sofrimento. Parece que as pessoas andam se tornando mais possessivas, mais controladoras e, por isso, mais sofredoras e mais causadoras de sofrimentos.

Vou pontuar essa reflexão numa pesquisa do meu colega psicólogo e educador Ênio Brito Pinto, autor do livro: “Orientação Sexual na Escola – A importância da psicopedagogia nessa nova realidade”. Segundo o Ênio Brito, o que é terrível no ciúme é o sofrimento que ele causa tanto na pessoa ciumenta, como na pessoa vítima dos ciúmes. Vou um pouco além, quem sente ciúme está sempre alerta, sempre estressado, sempre atento além da conta para a possibilidade de uma traição. O corpo fica rígido, a respiração curta, o sistema nervoso simpático mais atuante do que o parassimpático. Vou explicar melhor para entendermos o ciúme.

Nós temos em nosso corpo o que é chamado de Sistema Nervoso Autônomo. Ele tem esse nome porque é mesmo autônomo, ou seja, não depende de nossa vontade. Vamos dizer que ele é composto por dois pilares: “o sistema nervoso simpático e parassimpático”. O parassimpático é o responsável pelas nossas sensações de calma e de tranquilidade. O simpático, ao contrário do que o nome sugere, é o responsável pelo estado de alerta, pela atenção, pela descarga de adrenalina no corpo. Se estivermos passeando calmamente, felizes da vida, uma conversa agradável ou ao lado da amada curtindo uma fantasia interessante, prevalece o parassimpático. Mas, se de repente a pessoa é tomada subitamente por um susto, passa predominar o sistema nervoso simpático.

Ora, o que acontece é que a pessoa ciumenta fica muito no simpático. Tudo a assusta, tudo é motivo para achar que o outro a está traindo ou poderá trair. Será que amar é estar alerta, como se a pessoa só pudesse olhar para os riscos do amor? Acontece que o amor é um risco. Não existe amor sem risco, porque nenhum amor nos de certeza. Amar é uma aposta razoável. Temos que acreditar que o outro nos respeitará, sempre nos valorizando por compartilhar do mesmo amor que junto sentimos. Amor é fogo e certeza é vácuo. Quando acaba a incerteza, o amor também se acaba, já que nada é mais destruidor de amor do que a certeza. O amor se alimenta da confiança. Ela é o nutriente do amor, é oxigênio para a lareira amorosa. Não há nada que nutra melhor o amor do que a confiança de que o outro nos ama e valoriza este amor. Este é o limite da relação amorosa, pois está alicerçada na confiança.

Entretanto, de qualquer forma, mesmo com essa confiança básica, amar é conviver com algum grau de insegurança. Finalizo essa reflexão citando um grande poeta português Luís Vaz de Camões (1524-1580), que expressava em seus poemas um amor idealizado que não chegava às vias de fato, colocava-se sempre no plano da abstração. Falava do amor preso ao dualismo, do amor que por um lado ilumina a mente, gera a poesia e enobrece o espírito, que aproxima do divino, do belo, do eterno, do puro e do maravilhoso. Dizia também do amor que tortura e escraviza pela impossibilidade de ignorar o desejo de posse da amada e as urgências da carne. Camões queixou-se inúmeras vezes, amargamente, da tirania desses amores impossíveis, chorou as distâncias, as despedidas, a saudade, a falta de reciprocidade e a impalpabilidade dos nobres frutos que esse amor produz.

Concluo então, com um soneto de Camões muito conhecido: “Amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente. É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer. É solitário andar por entre a gente. É nunca contentar-se de contente. É cuidar que se ganha em se perder. É querer estar preso por vontade. É servir a quem vence o vencedor. É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor. Nos corações humanos amizade. Se tão contrário a si é o mesmo amor?” 

15 de novembro de 2015

ENSAIO ACERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO

Nos escritos “Ensaio Sobre o Entendimento Humano” do filósofo inglês John Locke (1632-1704), ele faz uma crítica à doutrina do racionalismo cartesiano, principalmente à teoria das ideias inatas, ao defender que todas as ideias têm origem na experiência sensível. Sua reflexão tem por objetivo saber qual é a essência, qual a origem e o alcance do conhecimento humano. Ao investigar a origem das ideias, ao contrário de Descartes que privilegiava as verdades obtidas pela razão, típica da lógica e da matemática. Locke preferiu o caminho do mundo sensível, ou seja, que todas as ideias derivam da sensação ou reflexão.

Locke parte do seguinte argumento; suponhamos que a mente seja como uma folha de papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem qualquer impressão. Como será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque de informações, que ativa e que o ilimitado universo de fantasia humano, imprimiu com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A tudo isso responde Locke, numa só palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está fundado na mente, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. Empregada tanto nos objetivos sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes, que são por nós percebidos e refletidos, nossa observação supre nossos entendimentos com todos os materiais do pensamento. Segundo Locke, são dessas duas fontes de conhecimento que brotam todas as nossas ideias que possivelmente teremos.

Para Locke, os nossos sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam para a mente várias e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram. Por exemplo: temos a ideia do azul, branco, quente, frio, amargo, doce, dia, noite e todas as ideias que denominamos de qualidades sensíveis. Quando Locke diz que os sentidos levam para a mente, entendemos com isso, que os sentidos retiram dos objetos externos para a mente o que lhes produziu esta percepção. É como receber um bombardeio. A esta grande fonte da maioria de nossas ideias, bastante dependente de nossos sentidos, dos quais se encaminham para o entendimento. Locke denominava de sensação.

Outro argumento forte de Locke é das operações de nossas mentes. A outra fonte pela qual a experiência supre o entendimento com ideias é a percepção das operações de nossa própria mente que se ocupa das ideias que já lhe pertencem. Essas operações, quando a alma começa a refletir e a considerar, suprem o entendimento com outra série de ideias que não poderia ser obtida das coisas externas, tais como a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, o conhecer, o querer e todos os diferentes atos de nossas próprias mentes.

Observando esses atos em nós mesmos, nós os incorporamos em nossos entendimentos como ideias distintas, do mesmo modo que fazemos com os objetos que impressionam nossos sentidos. Todas as pessoas têm esta fonte de ideias completamente em si mesmo. Embora não a tenha sentido como relacionada com os objetos externos, provavelmente, ela está e deve propriamente ser chamada de sentido interno. Mas como Locke denominou a outra de sensação, esta ele denominou de reflexão. Portanto são ideias que a mente reflete acerca de suas próprias operações, como elas se formam e como elas se tornam as ideias dessas operações no entendimento. Que para Locke são os únicos dados originais dos quais as ideias derivam.

Portanto, toda e qualquer prova ou demonstração analítica, indutiva, intelectual, supõem um fundamento anterior e independente. Como a janela aberta é a condição necessária para que a luz do sol ilumine a sala, mas a causa dessa iluminação é o foco solar. Da mesma forma, não podem os pais ser considerados como verdadeira causa do filho, senão apenas a condição necessária para a formação do mesmo. Não são eles os autores e criadores da prole, senão somente formadores e modeladores da mesma. Contudo, para o filósofo e empirista escocês da Renascença Davi Hume (1711-1776), onde não há verdadeira causa ali não pode haver certeza, senão apenas probabilidade. O que se pode provar é apenas provável. Para haver certeza, é necessário recorrer a algo que não possa ser provado e nem necessite de provas. Quem nada supõe nada pode provar.

8 de novembro de 2015

MEDITAÇÕES METAFÍSICAS DE RENÉ DESCASTES

O filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650), considerado o pai da filosofia moderna, foi o principal representante do racionalismo no século XVII. Por conseguinte, tem como ponto de partida a busca de uma verdade que não possa ser posta em dúvida. Descontente com os erros e ilusões dos sentidos, procura o fundamento do verdadeiro conhecimento. Tendo em vista a dúvida como um método do pensamento rigoroso.

Todavia, ele começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade do seu próprio corpo. Só é interrompida essa cadeia de dúvida diante do seu próprio ser que duvida. Se eu duvido, eu penso; se penso, logo existo.

As meditações metafísicas de Descartes têm como objetivo comprovar a objetividade do conhecimento científico. Partindo dessa intuição primeira e incontestável, ele distinguiu os diversos tipos de ideias, percebendo que algumas são duvidosas e confusas e outras são claras e distintas. Dado a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas opiniões e ideias alheias, sem se preocupar em verificar se são ou não verdadeiras. São essas opiniões que emitimos, tão forte e poderosa que ofusca o nosso intelecto.

Para Descartes, o erro situa-se no conhecimento sensível, de maneira que o conhecimento verdadeiro é puramente intelectual, isto é, fundado apenas nas operações do intelecto ou entendimento e tem como ponto de partida as ideias inatas ou observações que foram inteiramente controladas pelo pensamento. São as ideias inatas, verdadeiras, não sujeitas a erro, pois vêm da razão, independentes das ideias que vêm de fora, formadas pela ação dos sentidos.

Segundo Descartes, o pensamento sobre Deus é a ideia de um ser perfeito; se um ser é perfeito, deve ter a perfeição da existência, senão lhe faltaria algo para ser perfeito. Portanto, ele existe. Se Deus existe e é infinitamente perfeito, não posso me enganar. Argumenta Descartes que a existência de Deus é garantia de que os objetos pensados por ideias claras e distintas são reais. Descartes concluiu que o mundo é uma realidade. E, dentre as coisas do mundo, o meu próprio corpo existe.

Descartes argumentava também de certa preguiça que o arrastava diante desse desígnio árduo e trabalhoso, como um escravo que gozava de uma liberdade imaginária e logo suspeitava que essa liberdade era apenas um sonho e temia ser despertado, pois, preferia essa ilusão agradável para ser mais longamente enganado. Em vez de propiciar a clareza do conhecimento e da verdade.

Ora, considerando que todos os pensamentos que temos quando em vigília, nos podem também ocorrer quando dormimos. Sendo assim Descartes julgou que a verdade: eu penso, logo existo era tão certa que todas as demais suposições não seriam capaz de abalá-la, e que podia aceitá-la como o primeiro princípio da Filosofia que procurava.

Portanto, partindo dessa premissa conclui-se que a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é mais fácil de conhecer do que o corpo, e, ainda que este nada fosse à alma, não deixaria de ser tudo o que é. Lembrando que Descartes não era cético; não recomendava a dúvida por causa da dúvida, mas sim, como meio preliminar para investigar a verdade. Ele recomendava a seus discípulos que sejam cem por cento não dogmáticos, não aceitando nada simplesmente porque fulano ou sicrano o disse, ou por ser de tradição e rotina geral. Contudo, só pode conhecer algo quem se põe como que em campo raso, sem nenhuma construção alheia à sua mente. 

31 de outubro de 2015

DIZER SIM A VIDA POR AMOR AO DESTINO

As implicações do “eterno retorno” levarão inevitavelmente a outro conceito muito importante que Friedrich Nietzsche (1844-1900) chamou de amor-fati, isto é, amor ao destino. Para ele a formula da grandeza do homem está no amor ao destino. Não querer nada de outro modo, nem para adiante e nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo, mas amá-lo. Se tudo retorna eternamente, e exatamente como é agora, então é imprescindível ao homem seu destino. Se não existe nada além desta existência, há de se concluir que apenas ela merece nosso amor.

A grande lição de Nietzsche já no fim de sua produção intelectual, era a gente aprender a amar nosso destino, encontrar beleza no necessário, encaixar o nosso desejo no desejo do tempo. Talvez seu último grande ensinamento. Dizer sim à vida, porque só ela que existe e somente ela traz valor em si mesma. Esta lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” da um sentido próprio ao que aconteceu na sua trajetória existencial.

O controle do passado implica aceitar o que lhe foi dado e tirado. Todos os acontecimentos se inserem numa ordem causal da natureza, assim como cada um de nós, portanto, nada poderia ter acontecido de outra forma, nada poderia ter sido diferente, não adianta lamentar-se. É preciso afirma até mesmo o erro, afinal de contas, nosso passado não é um erro, não somos um erro! Era absolutamente necessário naquele momento e só pode ser interpretado como um erro se tomarmos formas superiores para nos guiar (mas Deus está morto).

A exortação de apropriar-se do que nos aconteceu torna capaz de seguir adiante. O bom e o ruim, a dor e o prazer, são inerentes à vida, amar o que lhe acontece e acontecerá é o primeiro passo para tornar-se quem é você. Nietzsche argumenta: “Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tem de dar sentido à própria vida; em vez de aguardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é”.

O homem é algo que deve ser superado” (Nietzsche em Zaratustra, prólogo). A forma homem é velha e caduca, ela vai errar sempre porque ainda está presa em ídolos metafísicos, presa à forma. É preciso deixar a forma-homem para trás para afirmar aquilo que passou e mais, amar aquilo que passou, porque assim deveria ser por toda a eternidade. Redimir o passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência. Sendo assim, para que mais serviria o amor ao destino?

Devemos afirmar a vida, negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser feita contra ela. Mas este ensinamento foi muito mal compreendido. O amor ao destino não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito menos acovardar-se. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar, muito menos virar a outra face (Mt 5,39). O amor ao destino diz para o indivíduo amar a vida, porque só ela existe e fora dela não há mais nada. Significa afirmar o que tinha que ser sem deixar de afirmar a vontade de potência, em si e no mundo.

E negar os negadores é uma forma de afirmar! Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los. Devemos amar a luta, a revolta, a insubmissão. E que dizer “não” seja apenas um passo para se disser “sim” cada vez mais alto! Porque temos cada vez mais vontade de dizer sim! Vontade de estar no mundo. Vontade de amar. Amor ao destino. Isto é, amor à vida.

Portanto, a partir da minha leitura em Nietzsche, quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor ao destino: seja este, doravante, o meu amor. Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores, que minha única negação seja desviar o olhar. E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim à Vida!  

25 de outubro de 2015

DESAFIOS LÍQUIDOS E MODERNOS PARA A EDUCAÇÃO

A educação deve ser pensada durante a vida inteira, diz Zygmunt Bauman (1925). De acordo com o sociólogo a educação reproduz privilégios em vez de aperfeiçoar a sociedade. O atual sistema universitário só aprofunda as desigualdades sociais. A educação de hoje é vitima da modernidade líquida. Existe uma grave crise de atenção da qual os jovens não conseguem se concentrar. Empurrando o tempo numa mesma questão, tudo é rápido e superficial. Por outro lado, a internet dificulta a lida diária com realidade. Na opinião de Bauman a internet trouxe benefícios e um grande desafio. Como compreender todas as informações que conseguimos acessar de forma instantânea em sites de pesquisa?

A cultura é um campo de batalha e um parque de diversões ao mesmo tempo. A era digital produziu um novo ser humano. Praticamente todas as invenções apenas satisfizeram um desejo humano que já preexistia. Por exemplo, para andar mais depressa, inventaram o carro, voar o avião. As redes sociais e os desdobramentos mais recentes da internet mudam o foco, porque aí passa a ter invenções que precede o desejo das pessoas. Não havia um desejo de algo que viesse chamar “Facebook”. Este algo chamado Facebook surge, e ele próprio vai modulando comportamentos humanos diferentes, que a gente tenta depois entender quais são. De modo, que são uma novidade muito grande as redes sociais.

Neste sentido a rede social modula não só as mensagens, como também as próprias relações das pessoas. Com o advento do Facebook, tudo isso que Bauman fala da fragilidade do lado social, realmente escorre pelo ralo. Nas redes sociais é muito mais fácil estabelecer um contato e desfazê-lo no dia seguinte. O compromisso praticamente é neutro, some. Há um traço no Facebook, que não existe Lei e nem fronteiras para se postar alguma coisa. As pessoas leem algo e digita rapidamente, manda em tempo real, porém, quem ler e curtir essa postagem vai ter uma reação de fígado. Que às vezes é muito agressiva e pode ter efeitos complicados na vida de muitos.

Bauman faz uma descrição do mundo atual baseada na ideia de liquidez. Tudo que é sólido se desmancha porque nada persiste. Sobretudo, os laços afetivos e sociais que estão cada vez mais tênues e ele nos da como grande exemplo disso, o que acontece nas redes sociais. Há uma disponibilidade sem procedente na história de opções amorosas, de consumo e de programas de viagens, que faz com que nós estejamos o tempo todo seduzidos. E o pior, relações sem compromisso, sem construir vínculos. Vivemos a metáfora da liquidez. Parece que o mundo está se desfazendo ao nosso redor.

Bauman no seu livro: “Amor líquido” analisa as relações nos tempos modernos. Na avaliação do polonês, elas se tornaram mais flexíveis, o que faz com que as pessoas não saibam mais como manter laços de longa duração, e muitas vezes acabam se relacionando apenas em ambiente virtual o que acaba aumentando a solidão. Esse comportamento é definido por Bauman como modernidade líquida, onde nada é feito para durar. Os relacionamentos escorrem por entre os dedos feito água. Vivemos o fim do futuro.

Essa ideia de que o mundo está se desfazendo, que perdeu suas interações, sua estrutura e sua organicidade. Está abrindo espaço para um mundo muito mais aleatório, onde o sentido da vida desaparece. Como a modernidade deu passagem a formas sociais dissipadas? Enquanto que a crença que a gente tinha da sociedade civilizada até um século atrás, era da sociedade integrada.

Efetivamente, está muito fácil desfazer uma relação amorosa ou um casamento. Não é nada fácil começar um relacionamento, mas desfazê-lo é simples. Antigamente o casamento era indissolúvel, muito difícil de desfazer. Hoje desritualizamos a separação e criamos espaço para encontros casuais. Banalizamos a dissolução dos laços afetivos. Cria-se um laço afetivo, fortalece esse laço e de um momento para outro a pessoa acaba com ele. Essa é uma experiência muito dolorosa para nós humanos.

Por conseguinte, nas relações sólidas, segundo os princípios budistas, há uma elevação da espiritualidade, ao contrário das relações líquidas que há uma predisposição muito mais propensa em destruir do que construir o outro. Trilhar por esse caminho da existência é fazer o melhor que puder para viver de acordo com nossa dignidade. Saber que podemos fracassar, pois somos humanos, não somos o máximo e muito menos os donos da verdade. Esta práxis vale para a educação, assim como para as relações afetivas.

Portanto, a maioria das pessoas que estão utilizando internet, tenta criar para si o que Bauman chamou de zona de conforto. É o único espaço onde posso coloco minhas fantasias e ser o que quiser. Esta zona de conforto não se pode criar no offline, somente online. Por ser muito simples. É só parar de ler e responder mensagens grosseiras. Deixar de visitar sites ofensivos. O mesmo não pode fazer quando encontramos alguém que não gostamos. Às vezes precisamos conviver com a pessoa. Por isso penso no Facebook como um tranquilizante que cria espaço para a solidão, além de disseminar informações pejorativas e muitas vezes distorcidas da realidade, que só contribui para mecanização das relações humanas. Enfim, a boa relação é quando alguém aceita o seu passado, apoia o seu presente e motiva o seu futuro. Contudo, vamos construir pontes que liga ao amor sólido ao invés de muros que nos separam.

20 de outubro de 2015

A CARA DO MUNDO É FEITA DE MUITAS CARAS

Quem melhor representa a cara do mundo são as crianças. Porque nelas encontramos a alegria de viver. A esperança é renovada a cada momento como uma linda flor que acabou de desabrochar. Nelas não existem maldades, só vontade de brincar. A maldade está no coração insano dos adultos que se esqueceu do que é ser criança. O rosto do mundo interroga o meu ser. Como diz o filósofo e educador Régis de Morais, em seu poema: “Todas as divindades das águas, das florestas, das montanhas, estremecem-me a vida, seja no erotismo dos bailados do alvorecer ou nas cores das preces do acaso”.

O espetáculo de maravilhas que penetra a alma de uma criança tem a musicalidade do silêncio das coisas espirituais. Minha alma é como de uma criança, que abriga a sensualidade das coisas, filtrando os sonhos que desenham nas paredes alvas do mundo. Imagine se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo, tentam ensinar para as crianças? Desespera-me não poder mostrar os brilhos e cores da emoção de uma criança quando a gente conta uma historinha a ela. Essa experiência eu vivi.

Através da fantasia e do olhar que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo. Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente. Sem a educação da sensibilidade, todas as habilidades são tolas e sem sentido. Os conhecimentos nos dão meios para ler e interpretar o mundo. A sabedoria nos da razão para viver dignamente. Para compreender as varias faces do mundo, precisamos aprender com as crianças, elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal.

Entretanto, para as crianças tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o voo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, um peixinho pulando no rio, uma casa de João de barro. Coisas que os eruditos não veem. Nunca vi um professor chamar a atenção da criança para observar a beleza das árvores e dos pássaros voando. A palavra “encanto” está no olhar da criança. Como diz o Evangelho (Lucas 6: 45): “Vossa boca fala do que está cheio o vosso coração”. Pois ao aplicarmos esta sabedoria para avaliar o mundo, deparamo-nos com problemas e dilemas nada fáceis.

A vida é uma jornada através de vales e montanhas. Não seria nenhum exagero, afirmar que a vida é uma intensa luta contra o sofrimento. Então, o que da ao ser humano a verdadeira magnitude e dignidade? Não é a fama, nem poder e muito menos fortuna. Acredito que o valor de uma pessoa é determinado pelo fato dela viver ou não em completa satisfação como ser humano. Isto representa uma mudança completa na concepção convencional de nascimento, envelhecimento, doença e morte. Espero que cada um de nós, que persistimos corajosamente na fé pela vida inteira, possa continuar a viver sem nenhum arrependimento.

Portanto, o mundo é feito de muitas caras e a vida põe delicadezas e elegâncias nesta cara, põe suspiros de felicidade no rosto da criança. As flores são suaves pensamentos da divindade, que seguem pintando nos campos o passeio do espírito que ilumina e sopra onde quer. Põem na manhã o perfume e a beleza que antes dormiram no ventre da terra. Todas essas almas coloridas do campo, nenhum rei atinge sua emocionada elegância. Elegância do nada, como as miudezas que envolvem o mundo. Todos os dias o mundo recomeça do nada. Eternizar esse nada é tudo que nos resta.

17 de outubro de 2015

LER NAS FOTOGRAFIAS O QUE DIZ A ALMA

Nasci num lugarejo onde o tempo passa devagar. O passado não quer partir, teima em querer ficar. Faz exatamente quatro anos e meio que nasceu esse espaço de leitura, para dialogar com pessoas que amo e as respeito. Diante da circunstância dos fatos, não poderia deixar de registrar esse momento histórico. Ao longo desses quatro anos e meio, postei aqui trezentos textos e tenho um acervo fotográfico com mais de novecentas fotos e trinta horas de vídeos gravados ao lado de pessoas queridas e especiais. São registros que contam a história desse homem que tem um caso de amor com a vida, que teve o privilégio de conviver com pessoas que marcaram profundamente a minha história. Algumas ainda continuam ao meu lado, outras já partiram para sempre. Fotografamos esse passado que hoje não quer partir. É comum dizer, vamos tirar uma foto! Mas, está errado. O olhar do fotografo não tira nada, ele põe. Descansando os meus olhos pelas fotos das inúmeras viagens que fiz, lembrei-me de um verso que a Cecília Meireles escreveu para seu avô, encantada: “Tudo em ti era uma ausência que se demorava. Uma despedida pronta a cumprir-se”.

Foi o que eu disse baixinho para as fotografias em quanto olhava: “tudo em ti é ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se”. Talvez quem fotografa não saiba, pensa estar fotografando uma árvore, um rio ou uma paisagem qualquer, pode estar fotografando um casal apaixonado ou uma igrejinha no alto do morro. Não sabe que está fotografando a sua própria alma. Não fotografamos o que vemos, mas, o que somos. Toda fotografia é autorretrato, pedaço do corpo do fotógrafo: “é assim que eu sou”, a foto está dizendo. Ver fotografias é antropofagia, é eucaristia, é escutar o que diz a alma. Os olhos fotografam o tempo que não quer partir, esses olhos que sofrem a despedida. Olhos sobre os quais falou o poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926): “Quem assim nos fascinou para que tivéssemos um olhar de despedida em tudo o que fazemos?” Fotografias de um mundo que se despede. Fotografias para quem sabe adiar a partida. Fotografias são como feitiçaria, usamos para enganar o tempo, para imobilizar o tempo, para impedir que ele passe, para que o momento se torne eternidade.

Entretanto, é impossível não fazer pose sabendo-se objeto de uma câmara fotográfica. Sorri inocentemente. Pensa que está sendo fotografado. Não sabe que ele é apenas um foco em torno do qual gira o mundo invisível, um universo que se despede. O fotógrafo fotografa a despedida. Em cada foto vejo a despedida. Há aqueles que veem o casal sorrindo e feliz, assim como também vê o mundo invisível que gira em torno deles. Olho e sei, porque já vi, quem sabe entende. Mas aqueles que nunca viram, vê sem entender. Para ver o invisível é preciso ser poeta. Mas nem todos o são. Poetas são fotógrafos do invisível. Fotografam o tempo que passa, para que não passe. Poemas são encantações para agarrar o eterno que mora no tempo que passa.

Na fotografia o que se vê não se pode comparar aquilo que não se vê. O poeta invoca fantasmas. Esse espaço de leitura está cheio de fantasmas, existe até um guardador de rebanhos. O cheiro do mato, o barulho do vento soprando a mata, o cantar de um galo no quintal, a musicalidade do canto dos passarinhos entre as árvores. O poeta fala no silêncio do visível. Põe palavras nos seus interstícios. Faz o silêncio cantar: para salvar do silêncio aqueles que nunca haviam visto, e para criar comunhão entre aqueles que viram. As palavras do poeta fazem os que viram e os que não viram cantar juntos, porque toda poesia produz música. O poeta disse: “As flores são sonhos do chão”. Quem diria que na terra infértil vivem pétalas coloridas? Tanto Botucatu como em Marília, o chão sonha. Como diz a música “O Sol” (banda Jota Quest): “E se quiser saber pra onde eu vou. Pra onde tenha sol. É pra lá que eu vou”.

Portanto, poeta é aquela pessoa que ouve o que as coisas dizem. Sua fala é a voz das coisas. E as coisas se transformam em poesia. Entram em mim, fazem amor comigo, entram em minha carne, e um novo evangelho se anuncia: e a fotografia se faz carne. Agora elas não mais estão coladas às paginas do acervo. Estão vivas, moram dentro de mim. E a prova de que se fizeram carne é que sinto saudade. Ah! Como eu gostaria de voltar pra lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz, antigas e ao mesmo tempo acabada de nascer. Sinto que sou de lá. Estou encantado. Adivinho que sou de um outro mundo. E a vida anterior que retoma. O homem que sorri como tudo, vai passar. O sorriso na foto não é mais real. Verdadeiros só as árvores de ipês que continuam florescendo. Contudo, só ficaram as fotografias como lembranças de um passado que não passou. Ler nas fotografias o que diz a alma é escutar o coração e ficar feliz por estar lá. Gente nasceu para brilhar. A luz vem de fora, mais o brilho vem de dentro.      

15 de outubro de 2015

LER É O MELHOR EXERCÍCIO

Defendo a tese de que a ausência de cultura básica afasta o aluno da leitura e sem esta, as crianças e jovens serão incapazes de escrever até a sua própria história. É com preocupação que venho percebendo o distanciamento dos alunos diante desse universo estimulante que é a leitura. Quero acreditar na conciliação dos dois. O encontro entre o aluno e a leitura deve ser promovido pelas mãos precisa e eficaz do professor que tem o papel fundamental nessa aproximação. Nesse desafio, o professor conta com uma segura parceria entre leitura e a escrita, estabelecendo um vínculo capaz de desatar o nó que impede a aprendizagem da língua.

Há uma procura dos estudantes pelos cursos de redação, talvez pelo peso que a redação demanda nos concurso e nas provas dos vestibulares. Fica claro que essa parceria leitura e escrita não está sendo explorada no sistema tradicional de ensino da língua nas nossas escolas, daí a corrida em busca do tempo perdido. Como diz a educadora e escritora Iara Vieira: “roteiro nenhum de redação será eficaz se não tiver respeito pelo livro, se não se cultivar a intimidade com a leitura”. Afinal, ler e escrever são gestos que se completam, permitindo uma articulação crítica com o mundo.

Mas ler exatamente o que? De preferência livros que façam crescer, que ampliem a visão de mundo, que façam pensar ou até divertir. Muitas vezes o estudante não sabe o que fazer com um romance ou com um poema que acabou de ler. Fica esmiuçando quem é quem e deixa passar o essencial: o aproveitamento do tema. Lembro-me de um livro lido na minha juventude que praticamente transformou minha vida: “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévsky (1821-1881). Um pedaço da minha inocência foi embora em contato com o mundo sombrio que o escritor descrevia. O que antes me parecia uma perda, era na verdade uma revelação das sombras do mundo que iria encontrar lá fora.   

Além de preparar para a vida, os temas podem ser aproveitados nas redações escolares ou nas dissertações para mestrados. Como escrever um texto sobre a miséria, por exemplo, sem dialogar com “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, ou sem conhecer “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto? O aluno, no entanto, tem dificuldade de fazer a conexão. Criou-se no ambiente escolar uma divisão perniciosa que só faz prejudicar o ensino: a redação fica aqui, a gramática ali e a literatura acolá. O resultado, todos sabemos: textos mal costurados, sem nenhum sentido.

Por outro lado, a leitura não deve se restringir a livros. Jornais e revistas estão aí a serem vasculhados. O estudante não ficar impassível diante do seu conteúdo, tem que se posicionar. Pode ser que a versão de um fato não seja convincente. É nessa hora que ele se pronunciará, contestando a notícia. Tudo se lê: filmes, quadros, charges. Amplio aqui o conceito de leitura, percorrendo outros sítios, longe ou perto da linguagem verbal. Diante de um tema como a guerra, por exemplo, o aluno poderá extrair de “Guernica”, que é um painel pintado por Pablo Picasso em 1937 por ocasião da exposição internacional de Paris, é uma boa argumentação para sua escrita. O mesmo acontece com outras artes. Agindo assim, ele terá mais segurança na hora de escrever.

Portanto, ampliando o repertório, o estudante terá capacidade de interferir na realidade e exercer plenamente a crítica, cuja ausência nos faz tanto mal. De modo que, reconciliados com a leitura, os nossos alunos terão acesso aos instrumentos necessários para o resgate crítico da sua história.  

6 de outubro de 2015

COMO RECUPERAR-SE DO FRACASSO?

O fracasso é sempre uma experiência dramática porque mexe com a nossa vaidade e também com a autoestima. A vaidade porque é comum o fracasso entre as pessoas e sempre vai ter alguém por perto observando, o que é pior, assistindo e às vezes por inveja torcendo contra. Por outro lado, a autoestima da qual todos nós fazemos um julgamento de nós mesmos, onde esperávamos um resultado positivo e muitas vezes isso não acontece. Por exemplo, é comum assistir na mídia o fracasso de alguns clubes de futebol, nos campeonatos nacionais. Tanto nos clubes grandes como nos pequenos é inevitável o fracasso. O atleta que foi ídolo no seu clube e continua jogando, porém, agora não apresenta mais o mesmo futebol arte, por conta do desgaste físico e emocional. Perante a opinião pública ele é considerado um fracasso para o seu time.

Entretanto, no caso dos clubes, é comum culpar o técnico pelo fracasso dos seus jogadores. Ninguém pode jogar bem todos os dias, ser campeão sempre. Os clubes têm os seus percalços, assim como todos nós os temos. A questão maior é a vaidade de cada um exposta ao público. A situação fica ainda mais dramática para o clube, aos olhos da sua torcida que não vão aos estádios. E o mais grave, que tem como regra esmagar o fracassado, agredindo seus atletas. Assim também acontece com a política, quando um governo fracassa, neste caso é a população que sofre as consequências. Em cada seguimento social o fracasso mexe com a autoestima das pessoas. São experiências muito difíceis de recuperar, por conta das críticas que o fracassado recebe. De modo que não é nada fácil resolver esse tipo de problema. Na vida profissional de cada um o dilema é ainda pior, sobretudo, por comprometer a relação afetiva do casal e dos demais familiares. Falo com conhecimento de causa.  

Por outro lado, se pensarmos na questão da educação é complicado e igualmente dramático como no caso da família. Uma política educacional mal planejada pode trazer grandes consequências para os jovens no futuro e traduzir o esforço do professor num fracasso absoluto. Simplesmente porque o governo não assume os seus erros na práxis educacional. A nossa cultura não é necessariamente um saber fazer, mas, um saber transitar por esses conhecimentos. Para que cada pessoa possa lidar melhor com o seu fracasso, quando ele bater a sua porta. Lembrando-se que quando falamos do conhecimento, estamos falando de um saber compreender para melhor fazer. No caso da cultura ela é incorporada nesses saberes, isto não quer dizer total ausência de fracasso, mas, caminhar com prudência.

O educador mesmo usando da firmeza, da ousadia e a necessária coragem de interferir, ele sabe que tem a chance de fracassar, que essa possibilidade existe. Quando se fala do bom professor não é porque ele é melhor que o outro, mas, porque erra menos. Outro exemplo para ilustrar: aquela pessoa que monta a cavalo e nunca caiu. Principalmente, quando usa de arrogância e garbo, achando que é muito competente e boa em montaria. Quando ela cai pela primeira vez do cavalo, toma um susto terrível e isto mexe dramaticamente com a sua autoestima, além de mexer também com o orgulho e a sua vaidade. Ao montar novamente, não pode mais achar que nunca vai cair do cavalo. Agora ela monta ciente que pode cair. Aprendeu a lição.

Portanto, talvez esse seja o momento, comparado com a nossa vida, deixar o egoísmo de lado, para tornar-se um adulto mais consciente da realidade. Ou seja, caminhar pela vida, fazer o que é preciso, viver de acordo com nossa dignidade, sabendo que podemos fracassar a qualquer momento, que não somos o máximo. Temos que aprender a superar o fracasso. De modo que algumas pessoas ainda não aprenderam atualizar a sua vida, presas ao passado vivem com sentimento de culpa e a dor do fracasso. Enfim, acreditar faz a gente inventar um mundo novo. Ser feliz é viver de acordo com sua natureza. Deixa o rio andar e siga o seu curso natural. Qual o pano de fundo da vida, senão vivê-la?    

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...