31 de dezembro de 2021

A FÁBULA DA SAMAMBAIA E O BAMBU

A samambaia e o bambu é uma fábula escrita pelo filósofo e educador, nosso mestre Rubem Alves (1933-2014), que você deve ler quando passar por um momento difícil. Conta a história de um homem que passava por uma fase ruim. Ele era carpinteiro e, antes, tudo estava indo muito bem. Tudo começou a piorar quando uma grande empresa que fabricava móveis chegou à sua cidade. Tinham muito dinheiro, excelentes máquinas e muitos funcionários. Logo, tornou-se uma verdadeira sensação no lugar. A fábrica fazia os móveis em tempo recorde. Para piorar as coisas, os vendia a preços mais baixos do que o carpinteiro. As coisas começaram a piorar para ele. Em apenas alguns meses, soube que estava no caminho da falência. Como dizia o ativista norte-americano e Premio Nobel da Paz em 1964, Martin Luther King (1929-1968): “Devemos aceitar a decepção finita, mas nunca perder a esperança infinita”.

Para piorar as coisas, ele também começou a ter dificuldade com sua esposa. Ela era professora de escola infantil e seu salário não era o suficiente para sustentar os três filhos que tinham. O carpinteiro tentou encontrar um novo emprego, mas não conseguia. Sua esposa o recriminou e isso acabou afetando também as crianças, que começaram a ter problemas com suas notas nos estudos. O carpinteiro estava verdadeiramente desesperado. Tinha cada vez menos dinheiro. Também menos energia e menos otimismo. Sua mente começou a se fechar. A única coisa que lhe ocorreu um dia foi dar um passeio em floresta próxima, para tentar colocar suas ideias em ordem. Havia caminhado por meia hora pela floresta, quando conheceu um gentil ancião que o cumprimentou.

O ancião tinha uma casa humilde e, ao ver o carpinteiro, convidou-o para tomar um chá. Ele notou a preocupação em seu rosto e perguntou o que estava errado. O carpinteiro contou-lhe seus infortúnios, enquanto o ancião o ouvia atenta e calmamente. Quando terminaram de tomar o chá, o ancião convidou o carpinteiro para ir a um esplêndido terreno nos fundos da casa. Ali estavam a samambaia e o bambu, ao lado de dezenas de árvores. O ancião pediu-lhe para observar as duas plantas e disse-lhe que precisava contar uma história sobre essas duas plantas. O carpinteiro estava muito interessado no que o ancião tinha para lhe dizer. Então, disse ele: “Há oito anos peguei algumas sementes e plantei a samambaia e o bambu ao mesmo tempo. Eu queria que ambas as plantas crescessem no meu jardim, porque as duas são muito reconfortantes para mim. Coloquei todo o meu esforço para cuidar de ambas como se fosse um tesouro”.

Depois de uma pausa curta, o ancião continuou sua história: “Pouco tempo depois, percebi que a samambaia e o bambu respondiam de maneira diferente aos meus cuidados. A samambaia começou a brotar e em poucos meses tornou-se uma planta majestosa que enfeitava tudo com sua presença. O bambu, por outro lado, continuava debaixo da terra, sem mostrar sinais de vida”. Enquanto o carpinteiro o escutava com grande interesse, argumentava o ancião: “Um ano inteiro se passou e a samambaia continuou crescendo, mas o bambu não. No entanto, não desisti. Continuei cuidando com mais cuidado. Mesmo assim, mais um ano se passou e meu trabalho não dava frutos. O bambu se recusava a se manifestar”. O ancião continuou dizendo: “Também não desisti depois do segundo ano, nem do terceiro nem do quarto. Quando cinco anos se passaram, finalmente vi que um galho tímido saía da terra. Em poucos meses, cresceu sem parar e tornou-se um lindo bambu de mais de dez metros. Você sabe por que demorou tanto para sair à luz”?

O carpinteiro pensou por um momento, mas não sabia o que dizer. O ancião lhe disse: “Demorou cinco anos porque durante todo esse tempo a planta trabalhava para criar raízes. Sabia que tinha que crescer muito alto, e por isso não podia sair à luz até que tivesse uma base firme que lhe permitisse subir satisfatoriamente. Você entende”? Portanto, o carpinteiro entendeu a mensagem. Entendeu que às vezes as coisas demoram, porque estão criando raízes. Que o importante é persistir e não perder a “”. Antes de se despedir, o ancião passou uma mensagem ao carpinteiro, para que a guardasse para sempre. Dizia ele: “A felicidade o mantém doce. As tentativas o mantêm forte. As dores o mantém humano. As quedas o mantém humilde. O sucesso o mantém brilhante”. Contudo, a sabedoria está na dignidade do homem que busca através da fé a sua paz interior, para assim encontrar o seu espaço.

28 de dezembro de 2021

MAIS UM ANO QUE SE VAI E OUTRO QUE CHEGA

O tempo permanece intocável, somos nós que passamos pelo tempo, envelhecemos e morremos dentro dele. Mais um ano que se vai como uma vela que está se apagando. Mais um novo ano está surgindo como a vela que acabamos de ascender. A vela simboliza a chama da nossa esperança e realizações, para o ano que está se iniciando. Aprendi muito com esse mestre chamado tempo. Só ele nos da à experiência e sentido para a nossa existência. Porém, quem nos concede o dom da vida é nosso “Pai do Céu”. Foi assim que nasceu esse texto em forma de oração, escrito por mim.

Boa noite Pai, já está terminando mais um ano e agradeço pela vida que me confiou até hoje. Nesse momento recolho para o meu descanso merecido, e aproveitar para pensar sobre tudo o que vivi nesse ano de 2021. Após essa noite despontará a alvorada de um novo dia que iluminará os nossos caminhos em 2022. Por conseguinte, quero dar um sentido ainda maior para a minha existência nesse ano que começa.

Obrigado Pai por tudo, obrigado pela esperança que nesse ano animou os meus passos, pela alegria que senti ao lado de pessoas queridas que conheci e hoje fazem parte do meu circulo de amizade. Obrigado pela alegria que vi no rosto das crianças, apesar de toda a dor que senti e as vezes sinto, por não ter os meus filhos aqui por perto. Mesmo assim obrigado Pai, pela esperança que tenho de saber e encontrá-los bem.

Obrigado pelo exemplo que recebi dos outros, pelo que aprendi aos meus setenta anos de vida, embora tenha muito que aprender ainda, obrigado também por tudo que sofri e ainda sofro por ter compaixão pelos mais necessitados e pelas crianças e idosos. Pois, sonho com dias melhores para todos nós.

Obrigado Pai pelo dom de amar, mesmo sem ser compreendido. Obrigado pela luz, pela noite, pela brisa que sopra o meu rosto, pela comida em minha mesa, obrigado por permitir-me viver com saúde em 2021, como também pelo meu esforço e desejo de superação, pois quero ser a cada dia mais humano nesse projeto de vida que o Senhor me confiou.

Pai desculpe o meu rosto carrancudo e às vezes agressivo. Desculpe ter esquecido que não sou o filho único, mas irmão de muitos. Perdoa a minha falta de colaboração, a ausência do espírito de servir. Perdoa-me também por não ter evitado aquela lágrima, aquele desgosto que lhe dei quando ignorei aquela pessoa. Perdoa-me por ter ofendido e magoado justamente aquela mulher que me criou e me educou e na sua simplicidade me ensinou a “essência do amor”. Foi a partir dela que descobri e conheci o valor do respeito e da compaixão. Saudosa mãe; devo a senhora toda a minha gratidão.

Desculpa ter aprisionado em mim aquela mensagem de amor. Contudo, estou pedindo força, energia para os meus propósitos, no ano que está nascendo, a nossa vida continua e só a morte pode cessar. Em quanto isto, espero que neste novo ano que está surgindo, domine um novo sentimento em cada coração, desses seres que compõem a humanidade. E que a cada novo dia seja um continuo sim numa vida consciente.

Portanto, peço a Deus que me conceda “serenidade e sabedoria” para que eu possa viver na plenitude do amor, pois para quem não sabe o amor só sobrevive sustentado por esses dois grandes pilares. Serenidade para aceitar o outro com seus defeitos, medos e duvidas, procurando sempre compreendê-lo e ajudá-lo. Sabedoria para perceber essas diferenças e saber minimizar os conflitos que existe entre ambos e assim abrandar a ansiedade e viverem plenamente no amor, que é o desejo de todos eternos apaixonados. Porque tudo que vive, não vive sozinho, nem para si mesmo. Como disse Mahatma Gandhi (1869-1948), pensador indiano: “Tudo o que vive é o teu próximo”. Ao contrário do que todos dizem, o que o amor une, nem o tempo separa. Um Feliz 2022 a todos.

22 de dezembro de 2021

QUAL O VERDADEIRO SENTIDO DO NATAL?

Apesar de toda a tecnologia e o avanço científico alcançado pelo homem, dia vinte e cinco de dezembro ainda é “Natal”. O “Homem” que nasceu nesse dia a mais de dois mil anos, deve estar preocupado com o mundo em que viveu e, apesar de toda a Sua imensa sabedoria não deve estar entendendo.  Ele não deve entender, por exemplo, como é que os mesmos homens, que se cumprimentam de coração aberto, com um sorriso nos lábios agora, podem passar pelo encantamento do Natal, prontos para começar a batalha entre si novamente, completamente desprovido de generosidade, condescendência, afeto e até mesmo de bondade.

Ele o Homem que nasceu no dia vinte e cinco de dezembro do ano zero de nossa história, não pode entender porque o Natal funciona apenas como uma trégua, na imensa desigualdade social em que vivemos sem falar das discórdias familiares, a guerra que o homem trava todos os dias contra o seu semelhante e contra si mesmo. Mas Ele que viveu entre nós e é o símbolo da esperança ainda não perdeu a própria esperança. A esperança de que o homem um dia perceba que a trégua é o certo e o normal e, que a guerra é um grande equívoco.

Entretanto, a mensagem que Ele nos deixou foi a seguinte: Cumpra o projeto que Deus determinou que é de amar sempre o seu semelhante, demonstrando gestos de gentileza e respeito. Ser justo e não julgar o outro pelas suas fraquezas. Pensar muito sobre suas ações. Sentir o que realmente sente, pois você é um Ser de amor. Meditar muito sobre esse sentimento, meditar sobre suas inclinações e possibilidades de ser feliz nesse amor. Procure fazer o mais que puder para esse amor permanecer entre os seres humanos. Para então, aperfeiçoar-se nesse projeto de vida, até que possa devolver para Deus a imagem e o dom desse amor que Ele um dia estampou em nós quando aqui chegamos.

Portanto, não compreendo os mistérios da vida e nem suas razões. Só espero estar certo no que penso e sinto. Que é continuar a cultivar esse amor pelo meu próximo, que na verdade são muitos. Quero um mundo melhor para todos nós. Talvez, então nesse dia, o ser humano inverta os seus valores atuais e coloque ordem na casa. E daí possa, finalmente, todos viverem em Paz.  “Feliz Natal a todos, no verdadeiro sentido que essa palavra carrega”.

18 de dezembro de 2021

UMA VIDA DE CONHECIMENTO, POESIA E PROSA

A vida de Bertrand Russell (1872-1970), filósofo, matemático e lógico inglês, abrange um período enorme, quase um século, estendendo-se da Inglaterra Vitoriana à era Espacial. Ele era uma espécie de relíquia vitoriana. Morreu de gripe três meses antes de completar 98 anos, produzindo conhecimento. Defensor de ideais pacifistas, humanitário e da liberdade de pensamento, autor do livro: “O Casamento e a Moral”, argumentava ele que o fator primordial da moral sexual na civilização ocidental, desde os primórdios do cristianismo, consistiu na garantia da virtude feminina, indispensável à família patriarcal.

Entretanto, Bertrand Russell é considerado um pensador excepcional, particularmente pelas contribuições que deu à filosofia da matemática. Tem uma vasta obra de cerca de 40 volumes. A sua atividade como filósofo, como homem da ciência e como político fazem dele uma das figuras mais prestigiadas, admiráveis e discutidas de todos os tempos. Contudo, encerro essa reflexão com um delicioso texto de Bertrand Russell. Que é uma verdadeira obra de arte em prosa. Ofereço a todos que cultivam pelo menos uma dessas três paixões:

Três paixões, simples, mas irresistivelmente fortes, tem governado a minha vida: o desejo imenso de amar, a busca do conhecimento e uma insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade.

Essas paixões, como os fortes ventos, levaram-me de um lado para outro, em caminhos caprichosos, para além de um profundo oceano de angústias, chegando a beira do verdadeiro desespero.

Primeiro busquei o amor, porque ele traz o êxtases tão grande que sacrificaria todo o resto da minha vida em troca de umas poucas horas desse prazer. Procurei-o também, porque ele abranda a solidão, aquela terrível solidão na qual uma consciência em pedaço se paralisa nas margens do mundo, o insondável e frio abismo sem vida.

Procurei-o finalmente, porque na união do amor vislumbrei, em mistica miniatura, a suposta visão do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isso foi o que procurei e, embora pudesse parecer demasiado bom para a vida humana, foi o que finalmente encontrei.

Com a mesma intensidade busquei o conhecimento. Desejei entender o coração dos homens. Desejei saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender a força pitagórica pela qual o número se mantem acima do fluxo.

Um pouco disso, não muito, conquistei. Amor e conhecimento, até onde foram possíveis, conduziram-me aos caminhos do paraíso. Mas, a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de gritos e de dor refletiram em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desassistidos como um odioso fardo para seus filhos, e o mundo inteiro de solidão, miséria e sofrimento, transformam em arremedo o que a vida humana deveria ser.

Portanto, anseio ardentemente aliviar o mal, mas não posso, e também sofro. Esta tem sido a minha vida. Achei-a digna de ser vivida, e prazerosamente a viveria outra vez se uma nova oportunidade me fosse oferecida”.

16 de dezembro de 2021

A FRAGILIDADE DOS LAÇOS HUMANOS

O sociólogo, filósofo e autor do livro: “Amor Liquido”, Zygmunt Bauman (1925-2017) procura investigar neste livro, porque as relações humanas estão cada vez mais flexíveis, gerando níveis de insegurança que aumentam a cada dia. Os seres humanos estão dando mais importância a relacionamentos em “redes” (pela internet através de bate-papo, e-mail ou celular através de mensagens de texto e whatsapp) que podem ser desmanchados a qualquer momento e muito facilmente, sendo este contato apenas virtual, as pessoas não sabem mais como manter um relacionamento duradouro em longo prazo. E isso não ocorre apenas nas relações amorosas e vínculos familiares, mas também entre os seres humanos de uma maneira geral.

Se um estranho cumprimenta outro na rua, o outro além de não responder o cumprimento, ainda sente-se estranho, talvez ofendido ou até pensa, “que pessoa esquisita”. As pessoas não se sentem à vontade na presença de um estranho, quanto mais cumprimentando alguém que não conhecem. Outro exemplo é o fato de quase ninguém ajudar um mendigo ou um estranho na rua. As pessoas têm medo, tanto por causa da violência, talvez sofrida por eles, quanto pela repercussão dos meios de comunicação que cada vez mais “apavoram” os seus usuários com notícias que envolvem apenas as coisas ruins feitas pelos próprios seres humanos. Então, como não ter medo?

Os relacionamentos em geral, estão sendo tratados como mercadorias. Se existe algum defeito, podem ser trocadas por outras, mas não há garantia de que gostem do novo produto ou que possam receber seu dinheiro de volta. Hoje em dia os automóveis, computadores ou telefones celulares em bom estado e em bom funcionamento, são trocados como um monte de lixo no momento em que aparecem versões mais atualizadas. E assim acontece com os relacionamentos, não gostou, pode trocar, assim ninguém sofre. Também existem os relacionamentos de bolso, do tipo que pode-se usar e dispor quando for necessário e depois tornar a guardar para ser utilizado numa outra ocasião.

Portanto, a sociedade atual está criando uma nova ética do relacionamento, os relacionamentos estão cada vez mais fragilizados e desumanos. A confiança no próximo está cada vez mais próxima de terminar definitivamente. Os seres humanos estão sendo usados por eles mesmos.

14 de dezembro de 2021

O AMOR FORJA AFETO E PREVINE DO CINISMO

Descrevo aqui qual o meu conceito sobre o amor e como o vejo nas relações com as pessoas e com a natureza. No entanto, quem ama colore o vento, perfuma o sol, tempera as horas. O amor forja afeto, previne cinismo, fortalece benignidade. Amantes não se contentam com o "cogito" definindo a nossa humanidade.

Quem ama, espera e suporta a tortura das ausências. Saudade é nome para o buraco que o tempo cavou na alma e não encontrou quem o preenchesse. Amantes são ingênuos. Deixam-se enredar e mal sabem que os cordéis do amor não se esgarçam facilmente. Nos atos falhos da alegria, os afetuosos nivelam o fosso em que se meteram devido a dor do abandono. O amor não se protege e nem protege.

Quem ama obedece sem ser ordenado, cumpre sem ser requisitado, aceita sem ser forçado. Quando disputam com o objeto do seu cuidado, não se importam em chegar por último – embora sejam sempre vencedores. Eles abrem mão de prerrogativas reais que os autorizariam usar força. Amar é ceder lugar, dividir e compartilhar, lavar os pés em gesto de humildade.

Quem ama perde o medo. Os afetuosos desdenham o que ameaça seus sentimentos: tempo, abismo, acaso e a morte. Para quem ama, o ócio nunca parece pecado. Os afáveis consideram ganho, uma tarde na beira da praia para ver o pôr do sol, uma semana entre os pobres ou conversando com os dependentes químicos e as prostitutas. Joga teu preconceito no lixo antes que ele te jogue.

Quem ama transgride. Os amigos são paradoxais. Pelo objeto do amor, desdizem o que um dia afirmaram categoricamente. Rasgam a lei para evitar um apedrejamento. Quem ama perde o receio de passar por tolo. Não têm vergonha de abraçar a prostituta indigna. Quem ama sofre. Amor e paixão partilham de uma mesma raiz.

De modo que não existem amantes tranquilos. O amor abre frestas em armaduras. No verbo amar, descansa a recusa de manipular. Os amorosos sonham com retornos pródigos. Nunca traem. Riscam a infidelidade de suas lógicas. Quem se atreve a amar se expõe a rejeições.

Quem ama conversa com as estrelas. Para os que se entregam, as paredes ouvem. Só eles gostam de monologar diante de espelhos. Insistem em escrever cartas de amor ridículas – que jamais poderiam ser publicadas. Eles enxergam beleza em véus encardidos, folhas secas, águas paradas, prados amarelecidos, dias chuvosos, pardais cinzentos, grãos de mostarda.

Portanto, como diz o teólogo Ricardo Gondim (1954): “quem ama nota Deus no rosto do pobre”, vou um pouco além: “também do meu próximo, tendo em vista que tudo que vive, torna-se o meu próximo”. O amor torna qualquer ambiente agradável e prazeroso. O anjo da guarda, que rodeia os amantes, não voa e nem ostenta força. Sua missão consiste em zelar pelos corações compassivos e amorosos. O amor é dom que precisa de proteção e cuidados.

12 de dezembro de 2021

OS IMPULSOS INSTINTIVOS COMO VONTADE DE VIVER

Na medida em que o individuo vai ampliando, aprofundando e diversificando sua vida amorosa e afetiva, vai ganhando coragem para fazer mais coisas. Começa a viver com mais vontade, alegria, esperança e decisão. Começa a ter pelo que viver. Pode até começar a ficar perigoso.

O amor da mais coragem e como a doença de todos é o “medo”, o amor é o remédio. Não deve ser à toa nem por acaso que as forças repressoras de todas as épocas se voltaram tão sistemática e precisamente contra o amor e a sexualidade humana.

Para as ciências humanas, se o ser humano não for castrado na origem ele não se socializa. Os sistemas sociais, até o presente, têm sido quase sempre por demais coercitivos, restritos e estreitos nas ideias. Isto é, aquilo que cada sociedade aceita como realidade, tem muito pouco de realidade.

Porém, aquilo que toda sociedade exclui como não real, como impróprio, como perigoso, inadequado ou pecaminoso, é quase sempre muito bom para o desenvolver humano nas suas relações. Seja afetivas, amorosas ou de aptidões. Uma compreensão abrangente do mundo contemporâneo.

A sexualidade está próxima do centro da humanidade em geral e de cada homem e de cada mulher em particular. Sobretudo, próxima da coragem e da covardia civil, da decisão e do se deixar levar, do assumir a própria vida ou do vegetar anonimamente.

O costume social nos obriga aos poucos a ver os poderosos, desde o pai autoritário que são muitos, até ao Presidente da República, como pessoas mais ou menos impecáveis. A visão tradicional nos apresenta a mãe, por exemplo; como verdadeira Deusa, quando sabemos bem quão humanas e fracas são.

Por conseguinte, falo dessa conexão do mito com as pessoas, certamente bastante limitadas e cheias de defeitos. Só podem expressar com liberdade os estímulos sociais, os estímulos naturais, de impulsos instintivos de sobrevivência são reprimidos. Não podemos falar e contudo, fingimos uma felicidade que não existe. E com isso nos afundamos nas “neuroses de angustias”, por reprimir impulsos tão naturais e importantes para a nossa saúde mental, por conta dessa vigilância, chamado Superego.

11 de dezembro de 2021

VIVEMOS NUM MUNDO MARCADO PELA INTOLERÂNCIA

É do conhecimento de todos, que vivemos num mundo onde existem o bem e o mal. Para o filósofo francês, Jean Jacques Rousseau, o ser humano é bom por natureza, ele se corrompe ao viver em sociedade. Diz Rousseau: “como seria doce viver entre nós se a contenção exterior representasse sempre a imagem das disposições do coração”. Afinal, o que anda acontecendo de errado com as relações humanas, que na maioria das vezes chegam a ser desumanas?

Diariamente convivemos com pessoas, muitas delas até bem humoradas e cordiais. Mas num dado momento nos defrontamos com alguém que de repente, temos a mais profunda certeza de que precisamos inteiramente dessa pessoa, para estar sempre em nossa companhia. Sem entender muito bem as razões, como se fosse num passo de mágica, descobrimos que estamos encantados por essa pessoa. Por que essas coisas acontecem dessa forma? Subitamente temos a certeza de que nossa vida só terá sentindo vivendo esse sentimento nobre e, o mais curioso de tudo isso é, que não sabemos o porquê.

Martin Buber, filósofo judeu, preocupou-se profundamente com o tema das relações humanas e ele sugeria que os educadores ensinassem os jovens a conviver com o próximo. A base de seu pensamento é o diálogo, como única saída para convivermos bem em sociedade e, particularmente, nas relações interpessoais. Dessas que de repente nos pegam pelo coração e nos arrebatam de maneira inexplicável.

No entanto, vivemos num mundo dividido e marcado pela intolerância e pela violência. O ser humano está perdido na massa, abandonado na sua solidão e, ao mesmo tempo, tomado pela esperança. Sonhando em realizar aquilo que só ele é capaz, que é viver uma sólida relação amorosa. É o sonho de todos nós. E por que é tão difícil cultivar relações assim? Será que falta dignidade para o ser humano?

Martim Buber montou duas expressões compostas para explicar o sentido dessas relações humanas. O Eu-Isso e o Eu-Tu, tendo em vista que o Eu-Isso é para designar toda relação de uma pessoa com o seu mundo exterior, o objeto, as coisas, o descartável. E o Eu-Tu para dar nome às relações de uma pessoa com outra pessoa, isto é, com alguém que fosse realmente percebido como pessoa. Essas duas expressões compostas são muito importantes, pois é em torno delas que vamos desenvolver toda uma compreensão acerca das relações humanas, em particular, a relação amorosa que é a mais difícil de lidar.

Entretanto, a relação de cada um de nós com o mundo, na maioria das vezes, é praticamente coisificada, lidamos com os nossos semelhantes como se fossem coisas, um objeto. Numa relação Eu-Isso. É evidente que no início das relações é inevitável nos comportarmos assim. É perfeitamente compreensível que qualquer relação nova comece na base do Eu-Isso, porque o outro começa sendo para mim uma interrogação, como que uma coisa que quero conhecer, mas que ainda não conheço. Só depois de alguma aproximação, essa pessoa vai-se tornando para mim, de fato, uma pessoa.

Então, a partir de agora, será possível e necessário atingir a relação Eu-Tu, sem a qual o mundo humano não se realiza. Existem pessoas, que por uma infeliz história de vida ou por viverem num mundo brutalizado e insensível, não conseguem, nem com maior aproximação ultrapassar a relação Eu-Isso. Buber diz: “nenhum ser humano pode viver sem o Isso, mas aquele que vive só com o Isso, não pode se dizer humano”.

Portanto, é fundamental que tenhamos abertura para sentimos e acolhermos o nosso semelhante como alguém que, como nós, tem alegria e sofrimentos, direitos e deveres; alguém que mereça aquela mesma dedicação e aquele mesmo carinho que desejamos para nós. É importante lembrar que "Isso" é uma pequena palavra que podemos dizer com uma parte apenas do nosso "Ser". Mas "Tu" é uma palavra ainda menos que, no entanto, só podemos pronunciar com o nosso Ser inteiro no momento do encontro amoroso. Onde nos completamos no Eu-Tu. Nesse momento somos fortes e frágeis porque o amor vive da fragilidade, vive da ternura, da capacidade brâhmica de você sair ao encontro do outro na expectativa que ele te receba. Contudo, essa é uma experiência única. É dar um pouco da tua vida ao outro, portanto, há de se encontrar o verdadeiro resgate da dignidade humana através da relação Eu-Tu.

8 de dezembro de 2021

O MITO DO CASAMENTO PERFEITO

Vivemos falando do casamento como o maior encontro da vida, quando, na verdade, todo mundo está cansado de saber que depois de algum tempo dentro do casamento as pessoas passam a aturar um ao outro. É como se fosse uma panela de pressão pronta para explodir a qualquer momento. A nossa sociedade influencia as relações matrimoniais a ponto de torná-las, em muitos casos, insuficientes para manter uma estrutura firme e íntegra, já que infelizmente ela foi pautada na ideologia do casamento perfeito. O casamento não foi feito para a felicidade humana, mas sim para haver uma  organização social. Casa-se na ilusão do amor eterno, de amar a vida inteira a mesma pessoa. Onde existe esse casal? Se o verdadeiro amor só constrói e tem como premissa a criação de laços que poderiam ser eternos, por que a maioria dos casamentos se destrói com o tempo? A maior parte dos casamentos, depois de algum tempo, passa por um desgaste tão grande que não resiste.

Penso que não existe sentimento pior quando no casamento, depois de algum tempo, as pessoas não conseguem se livrar dele. Quando estamos na companhia de casais que se odeiam, a fisionomia deles, nesta situação, fica de uma tal feiúra moral que nos apavora. O clima entorno dos dois infelizes é literalmente irrespirável, sobretudo, por acreditarem  que ambos têm razão. Como é difícil sair para jantar com um casal neste clima, chega ser constrangedor.

O rancor matrimonial, acima de tudo, amarra a pessoa, imobiliza como se o indivíduo tivesse caído numa teia de aranha, Quanto mais você se mexe, mais se amargura e mais raiva sente. Sentimentos que faz o casal brigar e o outro chorar. Além da ansiedade que instaura, nessa mistura nasce o rancor que é o pior dos sentimentos humanos. Mesmo o ódio que produz um assassino ou o policial que lança mão da tortura, ainda assim parecem ser sentimentos mais claros do que aquele que alimenta a união dos infelizes cônjuges. A pessoa parece que quer preservar, no casamento ou em família, esses sentimentos tão velados, esse processo dura anos, porque há uma predisposição dos envolvidos. Bem examinadas as queixas e acusações de um e de outro, o mais indicado seria a separação, antes que o rancor tome conta de todos na família,  ou que um deles acabe por matar também fisicamente um ao outro. Mas não pode, o que os outros vão pensar? E os filhos, como ficariam?

Quando vamos começar a dizer a verdade sobre o casamento e a família? Dizem que a família é a “célula mater” da sociedade. Então, como explicar as razões de tanta violência em nossa sociedade? Todos nós viemos de uma família. Sabe-se que a harmonia ou o caos em família é o resultado das relações que seus membros mantêm entre si. No entanto, alguma coisa está errada com o casamento e posteriormente com essa nova família.

O bom casamento é aquele que os dois comungam dos mesmos valores, pois o casal tem muito o que fazer na rotina do seu dia a dia, aí quando os dois se encontram fica interessante o diálogo. Na verdade, os laços matrimoniais têm mais vantagens materiais do que valores amorosos. Penso que o principal fator de briga no casamento é a indiferença recíproca. Uma das coisas mais preciosas num relacionamento pessoal é a admiração que se tem pelo outro, de atitudes, de pensamentos, do jeito de ser e tratar. O outro torna-se a nossa “referência afetiva”, mantêm viva a sensualidade e a excitação. A indiferença chega a ser uma espécie de desprezo, o contrário do respeito. É olhar para o outro como se fosse um asqueroso. Como diz Caetano Veloso numa de suas canções: “De perto ninguém é normal”. Todos nós temos defeitos que só mostramos no casamento, quando passamos a viver em família. Com as pessoas de fora somos educados e gentis.

No casamento, as pessoas vivem por muito tempo juntas, dormem, levantam. Final de semana, estão juntas. Logo começam a ver coisas desagradáveis e muito ruins uma na outra. Mesmos os pequenos hábitos, de dormir sem tomar banho, os cuidados com objetos pessoais, ou querer ficar só vendo televisão aos finais de semana, etc. São essas coisas que vão irritando as pessoas. Hábitos difíceis de serem mudados, porque ambos ficam indiferentes a esses comportamentos, meio que hipnotizados.

No casamento existem muitas falhas, principalmente em se tratando de educação dos filhos. Pais que dão liberdade total ou são autoritários ao extremo. Quando a grande imagem de pai ou de marido, começa a se desmanchar, porque ele não é um bom marido ou um bom pai. E aqui vale para as esposas também. Em vez dos membros da família terem admiração pelo ser humano que é, apesar das falhas que todos temos, pois ninguém é perfeito. Não! Começa o desprezo, as piores brigas, deprimentes, humilhantes. E todos em família têm que aguentar isso. Porque afinal de contas, estão todos presos, nesse clima ruim e não podem fazer nada, nem falar mal do casamento. Se um dos cônjuges pensa em separação, uma santa alma diz: “não faça isto, se é ruim com ele, pior sem ele”. E os filhos? Não existe pior veneno para os filhos, do que esse ódio recíproco dos adultos.

Portanto, uma vida sem amor ou sem uma “referência afetiva” pelo menos, é como viver num deserto sem água para beber e sem ar puro para respirar. É como viver uma vida de obrigações. E vida de obrigações ninguém aguenta. São essas obrigações que produzem a maioria das doenças graves. O que se espera do casamento é uma coisa completamente absurda. As pessoas aguentam anos após anos essa situação insuportável, vivendo uma vida de sacrifício para não magoarem a outra. São verdadeiros camelos atravessando um deserto. Enfim, paz na terra aos homens casados cada um com a sua esposa, porém, todos cobiçando a mulher do próximo e todos se vigiando e se controlando para impedir o encontro que todos desejam.    

6 de dezembro de 2021

A BELEZA É A SOMBRA DE DEUS NO MUNDO

Ocorreu-me uma história interessante sobre três homens que olhavam para o horizonte. O sol se anuncia colorindo de abóbora e sangue umas poucas nuvens escuras. Um deles diz: “Vejo, no meio das nuvens vermelhas, uma casa. Na janela, um vulto acena para mim”. O segundo homem diz: “Vejo, no meio das nuvens vermelhas, uma casa. Mas não há nenhum vulto acenando para mim. A casa está vazia, é desabitada”. O terceiro homem diz: “Não vejo vulto, não vejo casa. Vejo as nuvens abóbora e sangue... E como são belas! Sua beleza me enche de alegria”!

Essa é uma “parábola metafísica”. O primeiro homem vê, no meio das nuvens, um vulto, quem sabe o senhor do universo. Se eu gritar, ele me ouvirá. Para isso há as orações: gritos que pronunciam o nome sagrado, à espera de uma resposta. O segundo vê a casa, mas a casa está vazia, não tem morador. É inútil gritar, porque não haverá resposta. Esse é o ateu. E como dói viver num universo que não ouve os gritos dos homens. O terceiro, que não vê nem casa e nem vulto, vê apenas a beleza. Que nome daríamos a esse terceiro homem. Penso que o nome correto seria: “Poeta”!   

A beleza é o Deus dos poetas. Quem disse isso foi a poetisa Helena Kolody: “Rezam meus olhos quando contemplo a beleza. A beleza é a sombra de Deus no mundo”. Borges relata que, segundo o panteísta irlandês Scotus Erigena, a Sagrada Escritura contém uma infinidade de sentidos. Por isso, ele a comparou à plumagem irisada de um pavão. Séculos depois, um cabalista espanhol disse que Deus fez a Escritura para cada um dos homens de Israel. Daí por que, de acordo com ele, existem tantas Bíblias quantos leitores da Bíblia. Cada leitor vê na Bíblia a imagem do seu próprio rosto.

O filósofo alemão e teólogo Ludwig Feuerbach disse a mesma coisa de forma poética: “Se as plantas tivessem olhos, gosto e capacidade de julgar, cada planta diria que a sua flor é a mais bonita”. Os deuses das flores são flores. Os deuses das lagartas são lagartas. Os deuses dos cordeiros são cordeiros. Os deuses dos lobos são lobos. Nossos deuses são nossos desejos projetados até os confins do universo. Dize-me como é o teu Deus e eu te direi quem tu és.

Mosaicos são obras de arte. São feitos com cacos. Os cacos, em si, não têm beleza alguma. Mas, se um artista os juntar segundo uma visão de beleza, eles se transformam numa obra de arte. As Escrituras Sagradas são livros cheio de cacos. Nelas se encontram poemas, histórias, mitos, pitadas de sabedoria, relatos de acontecimentos portentosos, textos eróticos, matanças, parábolas, etc. Ao ler as Escrituras, comportamo-nos como um artista que seleciona cacos para construir um mosaico. Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os cacos.

Portanto, como no caso do labirinto literário de Borges cujos cacos eram peças de um quebra-cabeça que, juntos, formavam o seu rosto, também o mosaico que formamos com os cacos dos textos Sagrados tem a forma do nosso rosto. Há tantos deuses quanto rostos há. Assim, quando alguém pronuncia o nome "Deus", há de se perguntar: "Qual"?  Enfim, hoje daria tudo que sei, pela metade do que ignoro. 

4 de dezembro de 2021

O CIÚME É UMA PAIXÃO DEMOCRÁTICA

Podemos dizer que o ciúme é uma paixão democrática, porque não isenta nenhuma classe social, faixa etária ou nível cultural. E as pessoas seguem levando seus ciúmes ao auge da loucura e aos tribunais de justiça. São milhares pelo mundo afora. Da filosofia à poesia, passando pela mitologia e através das teorias psicanalíticas, não cansamos de procurar uma resposta que explique o ciúme, que particularmente a meu ver e de muita gente boa, o ciúme é o pior sentimento humano, porque ele impede a generalização do amor.

Entretanto, o ciúme supõe algo onde não há nada para justificá-lo. Essa suposição e a forma como se da revelam o que aquela pessoa pensa sobre a outra quando ama alguém. O ciumento interpreta mal, apesar de estar em busca de compactuar com o desejo de proteger o suposto amor. Por essa atitude ele se mostra, antes de tudo, um pensador meticuloso referente às suas fantasias.

Pequenos detalhes, como um tom de voz, uma palavra fora do contexto, pensar para responder, já está armada desconfiança. Inicia-se o processo de vigilância, de busca de certificações, suspeitas. Flagrar o ato criminoso torna-se a sua maior obsessão. A confissão do suposto traidor é esperada e temida ao mesmo tempo, mas sobretudo obrigatória. Quanto mais doentio for o ciumento, maior será a sua engenhosa reflexão, com métodos rigorosos que até as roupas são vistoriadas e cheiradas pelo ciumento.

Podemos avaliar a posição daquele que é tomado pelo ciúme a partir de duas vertentes. De um lado, o que Freud chamou de “ciúme projetado”, de outro o “ciúme delirante”. No caso do ciúme projetado, o desejo de  trair é transferido para o outro. Trata-se de conter nele o que a pessoa não reconhece em si, ou que reconhece e atualiza na forma de infidelidade e culpa. O equívoco deste tipo de ciúme é a suposição de que há simetria do desejo, ou seja, correspondência amorosa. Alguns chegam mesmo a se sentirem denunciados pelo ciúme. Afinal, como posso sentir ciúmes se não preciso dele?

Deixar o outro com ciúme é uma estratégia clássica de sedução, torna inevitável a confissão amorosa, que não deixa de ser um delírio do ciumento. Nos dois casos, o ciúme entra para propor o objeto, sugerir que ali se encontrará o preenchimento da falta. A outra metade da laranja. O ajuste das necessidades subjetivas dos que nele se envolvem, é aqui que se dá a raiz do ciúme.

Todavia, isso faz o ciumento traduzir o que sente num ato amoroso. Se te vigio, se te amedronto, se te mato, na verdade, é porque te amo. Talvez não exista mal maior que esse, “sinto ciúme porque te amo”, te torturo com o meu ciúme por amor. Que estranha satisfação é essa do ciumento crônico? Esse tipo de ciúme é uma perseguição do amor verdadeiro, que poderia vir a ser um amor de grandes qualidades recíprocas. E, no entanto, a ilusão do amor verdadeiro, nesse caso é tão enganosa quanto a evidencia dos fracassos de uma relação, depois que ela se interrompe, depois de ambos entenderem que era um falso amor. 

Segundo o psicanalista Jacques Lacan, amar é dar o que não se tem. Para o ciumento, a fórmula funciona ao contrário, possuir, prender o outro, não perder de modo algum. Garantir que todo o seu desejo tenha um único endereço. Não pode haver um terceiro. Por outro lado, o próprio ciumento sabe das dificuldades para controlar o incontrolável, que é a sua insegurança.

No entanto para Platão, ao contrário do que se pode pensar, amamos não o que o outro possui, mas o que lhe falta. Amamos um vazio, que tem a estranha capacidade de se deslocar entre as pessoas, ou seja, como dizia Carlos Drummond de Andrade: “Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque o amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo”.

É uma angulação pessimista do problema, mas que não deixa de ser romântica. Quais as consequências dessa tese para o entendimento do ciúme? Diríamos que é neste vazio, causa do amor, que o ciúme fabricará imagens e fantasias. Sobretudo, porque o ciumento com seu controle, consegue afastar a quem diz amar cada vez mais.

Portanto, o ciúme é uma emoção agressiva e não amorosa. A vítima do ciumento fica permanentemente prevenida e desconfiada, isto é, significa que uma parede se estabeleceu entre ambos. Começa a se reduzir toda possibilidade de intimidade, de confiança e de entrega. Contudo, se alguém disser que seu ciúme é sinal de amor, fuja desse amor, porque ele vai te consumir.

2 de dezembro de 2021

MATAMOS O AMOR E ENALTECEMOS O ÓDIO

Há mais de dois mil anos nascia um homem, chamado Jesus de Nazaré, que iria revolucionar o mundo. Trazia ideias profundamente renovadoras para a Humanidade, que seriam discutidas até hoje com profundidades. Mas ele pouco conseguiu. A não ser aumentar ainda mais o ódio daqueles que comeram do pão e do peixe. Sua mensagem era de amor entre as pessoas e paz na terra as pessoas de boa vontade. Mas esse homem não foi feliz no seu gesto de apaixonado pelo seu semelhante.

Na letra da música “Todos Estão Surdos” de Roberto Carlos, diz o seguinte: “Tanta gente se esqueceu que a verdade não mudou. Quando a paz foi ensinada pouca gente escutou”. A letra continua dizendo: “Meu amigo volte logo, venha ensinar o meu povo, o amor é importante vem dizer tudo de novo. Que o amor só traz o bem”, não se discute, todos sabem. “Que a covardia é surda e só ouve o que convém”, nós estamos cansados de saber, como muito bem diz a letra.  Agora, voltar a ensinar tudo de novo?

Aqui já é um caso para se pensar. Se voltar, na certa vão te crucificar de novo e com requintes de crueldades. Não vão querer saber se sua filosofia fala de amor. Todos querem ser amados. Mas quem quer amar o seu próximo, que sou Eu? Se tivesse Jesus pregado o respeito entre as pessoas, talvez o efeito fosse outro. Respeitar é mais fácil que amar.

Será que um dia as pessoas vão criar juízo e parar de espalhar o ódio e a tirania em torno de um sentimento tão lindo como o estado amoroso, os raros momentos de êxtases que temos na vida. Ou esse ódio é intrínseco na raça humana. Para o historiador Leandro Karnal, nós somos cordiais, que significa dizer: que em primeiro lugar nós agimos com o coração, inclusive quando odiamos. Nosso ódio também é cordial, passional. Historicamente o nosso mundo foi e continua sendo cercado por um ódio espantoso, implacável quando se trata de perseguição contra alguém.

Nosso medo precisa ser reeducado, basta ligar a TV para certificar a violência em qualquer de suas formas, quanto mais brutal, melhor. Será a volta do Circo Romano? Pessoas assistindo, vendo leões famintos comendo gente, como modelo e ideal de lazer. E hoje não é diferente, estão aí para constatar as lutas de Vale Tudo. Depois que se aprisionaram uns aos outros, sentindo-se todos na cadeia invisível, esperando interminavelmente pela execução.

Trazendo para o nosso mundo contemporâneo, a cadeia invisível que são os preconceitos, as exigências sociais e as condições de vida intoleráveis em que vivemos. Não é só a miséria e fome, é muito pior. São as relações humanas que precisam passar por um teste deveras crítico. Se não aprendermos algo um pouco melhor, a tratar o nosso próximo com respeito e admiração e assim atenuar um pouco esse ódio, vamos nos destruir efetiva e coletivamente mais rápido do que imaginamos.

A questão crucial da nossa história é que a violência é sempre do outro. Sempre achamos que o desrespeito e a maldade vêm do outro. Todos aqueles que têm a certeza são intolerantes. Se eles estão certos sobre suas ideias, por que vão ouvir as concepções diferentes de outras pessoas? O indivíduo que tem a certeza, não é aberto a novas ideias. São pessoas que vão ficando cada vez mais fechadas dentro de si mesmas. Torna-se insuportável a convivência com esse tipo de gente.

Ora, é fácil de entender o porquê se evita de falar do ódio, o porquê as pessoas têm horror de falar das coisas mais primitivas que existem dentro de cada um, que é essa raiva que sente um do outro. Não suportamos a ideia de saber que fazemos parte de uma categoria que é capaz de matar ou destruir, seja lá como for o seu semelhante. Assim fica difícil para entender o porque esse ódio permanece. No dizer do filósofo Thomas Hobbes, vivemos em estado de guerra, a violência de todos contra todos, somos naturalmente violentos. É muito difícil amar em comum, nós tentamos e até nos esforçamos. Mas é difícil. Agora odiar em comum é a coisa mais simples, é uma delícia execrar o outro.

Nossa habilidade infeliz de nunca dizermos o que desejamos com o outro, mas de cobrar do outro o que ele deveria fazer comigo. Somos sobretudo, covardes até para sentir prazer sexual, porque o sexo é o maior dos prazeres corporais e sempre o mais proibido e perigoso. Quando os amantes se desentendem, vem logo a frase chapada: “você só queria fazer sexo comigo”. Por que, não gostou? As pessoas falam como se fazer sexo fosse um sacrifício em nome do amor. Como as pessoas sofrem por nada. Que facilidade temos para destruir algo tão rico que são as trocas prazenteiras quando estamos encantados por alguém.

Portanto, encerro essa reflexão com um provérbio chinês que retrata essa reflexão e a minha esperança num mundo melhor e mais humano: “O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva, por isso que se chama presente”.      

30 de novembro de 2021

NOS HOSPITAIS QUE A VIDA REVELA O SEU MISTÉRIO

Todas as vezes que vou a um hospital por algum problema de saúde, desconfio que a morte ronda por esses lugares. A caminho para a sala de exame, passando por corredores gelados, porém, o frio dentro de mim ainda era maior. Levamos uma eternidade até chegar a tal sala de exame. Talvez parecia demorar por conta da minha ansiedade em fazer logo a tal biópsia.

Porém, o que me ocorreu naquele momento, foi fazer um pacto com a morte: “nem eu te procuro e nem você me procura, um dia a gente se encontra, mas, que não seja aqui”. No entanto, a minha memória recorrente do passado, ao sofrer um choque anafilático, veio à tona juntamente neste momento.

Choque anafilático, para quem não sabe, é uma reação alérgica de hipersensibilidade imediata, que afeta o corpo todo, com a diminuição da pressão arterial e taquicardia em que há risco de morte. Tinha que pensar nisto agora? De modo que, só aumentou a minha ansiedade naquele corredor interminável.

Já na sala de exame para a coleta do material. Percebo uma movimentação em torno de mim. Tudo acontecendo muito rápido. Foi nesta hora que senti que não somos absolutamente nada e que a morte pode estar por perto nos observando. Pensei comigo, de que adianta tanto orgulho se precisamos desses profissionais da saúde para nos manter vivos?

Para eles sou só mais um paciente. O médico se aproximou de mim e perguntou: “tudo bem com você”? Imagina, quem fica bem nesta situação? Para piorar, vem a enfermeira pede para tirar a calça e a cueca. E oferece-me um avental aberto atras para vestir. Quase perguntei, mais a senhora vai ficar aqui junto? Pois, ela permaneceu ali auxiliando o médico. Eu deitado quase de bruços, com tudo exposto em uma situação vexatória. Quase morri de vergonha!   

Não sabia se ria ou chorava! Mas o pacto com a morte estava selado. Tinha certeza que ela não iria me incomodar, pelo menos, não naquele momento de ansiedade. Passado alguns segundos começa a viagem pelo interior do meu corpo. Entro numa dimensão de serenidade e paz. Pensava na fala do médico e ria por dentro. Como posso estar bem se algo está sendo introduzindo via reto em meu corpo?

Posso descrever esta experiência como uma viagem, que nos coloca na fronteira entre a vida e a morte. É nesta hora que o milagre torna-se eminente e a nossa certeza que Deus está no comando de tudo. De modo que, quem quiser conhecer a verdadeira sala dos milagres, faça uma visita ao centro cirúrgico ou a sala de exames. É impressionante como as pessoas chegam e sai bem. Costuma-se entender por milagre um fato maravilhoso ou extraordinário que suscita admiração. Hoje posso dizer que o milagre é o preâmbulo da nossa fé. É a assinatura de Deus.

Nos hospitais vidas são salvas a todo instante. Não perguntamos sobre os caminhos pelos quais a vida nos conduz. Nesta hora nos restam às lembranças dos encontros com o que a vida nos apresentou de poético e fugaz. Quando tudo parece desabar, cabe a nós decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar. Descobri no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir. Seja para qual for a direção, temos que escolher.

Portanto, a vida nos toma pelas mãos, nos da à possibilidade de rever os nossos conceitos, nos revela o seu mistério, nos esconde da morte e às vezes nos concede novamente aquela oportunidade de dizer a quem amamos: “preciso de você”. Às vezes sou julgado por coisas que não fiz e não sou. Gente maldosa fazendo a cabeça de gente fraca de caráter. Do gosto pela vida nasce a solidariedade e desta emana uma força muito grande, que nos arranca da acomodação e nos faz reerguer. Sou um novo homem e reconheço a minha fragilidade e impotência, diante dos percalços da vida.

29 de novembro de 2021

A VERDADE ALIVIA MAIS DO QUE MACHUCA

As relações humanas, ao contrário do que todo mundo acha, estão deveras, muito longe de ser uma relação pautada no diálogo, na compreensão e no desenvolvimento dos seres humanos. Presenciamos em todos os seguimentos sociais cada um defendendo o seu ponto de vista e não consegue ouvir e nem entender o outro. Isso acontece no Supremo Tribunal Federal, nas famílias, nos relacionamentos amorosos e até no trabalho. A maior dificuldade é quando se pretende estabelecer um diálogo e a cooperação efetiva entre as pessoas. Como dizia o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa: “existe um preconceito lógico, situado nas raízes da inteligência. Ele cria um vicio, porque não conversamos e não escutamos o outro. Não fazemos e ninguém faz quase nada do que diz. Não dizemos e ninguém diz quase nada do que faz”.

A conversa, em suma, não é nada do que está sendo falado. É preciso começar daí. Na verdade, a maior parte do tempo ela está muito próxima de ser o contrário do que está sendo dito. Tem tudo a ver com um palco onde cada um tenta, continuadamente, representar como ele gostaria de ser. Pouco ou quase nada tem a ver com o que as pessoas fazem, sentem ou acham que são. Estão completamente alienadas no seu mundo de ilusão. E não percebem o isolamento que estão criando em torno de si. Muitas vezes procuramos a felicidade, mas não acreditamos no amor.

Às vezes, nós não compreendemos por que temos certos tipos de comportamento ou atitudes. Não tentamos verificar que isso pode acontecer, porque trazemos dentro de nós conflitos que não conseguimos resolver. Esses conflitos íntimos impedem nossa maneira eficiente de agir e conhecer melhor o outro. As pessoas não percebem a atmosfera psicológica que criam em ambientes como o trabalho, no lar com a família, nas relações amorosas, etc. Elas não percebem que o seu comportamento está afrouxando os laços afetivos nas suas relações.

Entretanto, pessoas que não aceitam críticas e quando surge um conflito que demanda diálogo, prontamente ela se arma de algum tipo de defesa, para fugir às ameaças e não enfrentá-las na base de uma conversa franca e aberta, ouvindo os contras e os prós, sem acusações. Pessoas que acusa a outra é o tipo mais odioso de se relacionar. Elas se julgam certinhas. Não conversam e com isso perdem uma grande oportunidade de conhecer o outro e ter seus conflitos amenizados. Por outro lado, se a pessoa procurasse mais pensar como age e porque age e tentar descobrir maneiras para compensar tais comportamentos, isso ajudaria a agir com mais segurança e eficiência no relacionamento interpessoal e na compreensão intrapessoal.

Por conseguinte, uma pessoa que tem o triste vício de fumar, por exemplo, pode achar que todos ao seu redor deveriam fumar assim se incomodaria menos com ela. Pessoas que são agressivas acreditam que todo mundo a provoca. Elas são capazes de invadir e violar a privacidade de alguém, só para manipular informações e construir provas e com isso mostrar que estão certas. Isso é muito comum nas redes sociais. Usam de falsidades ideológicas a título de se convencer que estão falando a verdade. São pessoas completamente doentes e infelizes na sua subjetividade. Sobretudo, porque são criticas e encontram dificuldades para fundamentar suas razões, porque baseia suas vidas em meras opiniões, forjando situações para sustentar sua lógica e detonar o outro.

Todavia, é muito difícil entender alguém sem primeiro estabelecer com essa pessoa um diálogo em vez de censurá-la. Podemos conhecer melhor as pessoas, observando o seu comportamento, dando a ela a oportunidade de expor seu pensamento, sentimento e ações. O não conseguir conversar é uma pratica muito comum quando se têm um pensamento rígido, sentimentos cristalizados, que mudam e que bitola o comportamento da pessoa no entendimento com o outro. A pessoa passa a ver e a julgar o outro com base no seu estereótipo, para alguém estar certo tem que agir de acordo com ela. Esse comportamento chama-se estereótipo porque se trata de uma pessoa rígida e cristalizada nos seus princípios e atitudes diante da circunstância em que vive.

Portanto, é na comunicação com o outro que buscamos a experiência de nos sentirmos vivos, de tal forma que nossas experiências no nível puramente físico tenham ressonâncias internas no mais profundo do nosso ser e da nossa realidade. Contudo, só vamos compreender o outro e o mundo em que vivemos se agirmos com delicadeza, compaixão, dialogando e examinando os pontos de vista de cada um, procurando ouvir mais o outro. Porque quando alguma coisa dói em nós, só vamos resolver a custa de muita conversa, ou seja, falando sobre nossos medos e nossas dores, assim como ouvindo os medos e as dores do outro, sem censura. A verdade alivia mais do que machuca. E estará sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água. Enfim, quando nos desesperamos, por não ser compreendidos, lembremo-nos que em toda a história, a verdade e o amor sempre venceram. Houve tiranos e assassinos, assim como psicopatas que pareciam invencíveis. Mas, no final, essas pessoas caem. Como dizia Nelson Rodrigues, “toda pessoa tem o seu dia de Hiroshima”.          

27 de novembro de 2021

SE O AMOR EXISTE, QUANDO SURGIU?

As pesquisas têm revelado que o amor é um fenômeno biológico e não apenas uma questão cultural como afirmavam até então os cientistas. Mas, o que é o amor? Até pouco tempo, cientistas assumiram que o amor era apenas um conceito presente na cabeça dos homens da cultura ocidental. Hoje, no entanto, a ciência vem revendo a sua posição e, segundo novas descobertas, publicadas na penúltima edição da revista Time, levam a crer que o romance é um fato biológico e não apenas uma questão cultural como se dizia. Estaria certo o poeta quando disse: “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”.

Perguntas ainda se levantam. A primeira é porque, apenas agora, pesquisadores e filósofos se enveredaram por este caminho antes percorrido apenas por poetas e novelistas. São duas hipóteses: uma é a questão da Aids que está aí em nosso meio e o sexo casual agora carrega riscos mortais. A outra é o número cada vez maior de mulheres fazendo pesquisas nesta área, provavelmente elas levam o amor mais a sério. Independentemente do porque, o mais importante são as conclusões: o romance é real, está em nosso DNA. Em nossa biologia.

Para o psicólogo e pesquisador Lawrence Casler, autor do livro: “O Casamento é Necessário?”, que diz não acreditar no amor como parte da natureza humana, fica a questão; se nós podemos procriar sem necessariamente amar, porque muitas vezes o amor desabrocha no meio do caminho? Se o amor foi plantado nas cabeças por agentes como trovadores, a custa do que persiste até hoje? A esta altura todos já deveriam estar imunes.

Para desbancar a tese da herança cultural, os antropólogos William Jankowiak e Edward Fisher, publicaram um trabalho afirmando que encontraram evidências de amor romântico em 147 das 166 culturas que estudaram. O que as diferenciavam, segundo os pesquisadores, era a forma de expressar o sentimento, não necessariamente através de chocolates e flores, como se faz no mundo ocidental.

Os antropólogos que se propuseram a estudar o amor no passado, segundo os pesquisadores atuais, se enveredaram pelo lugar errado. Buscaram respostas nos rituais de casamento e cortejo. Em muitas culturas, como ficou provado, amor e casamento não anda junto. Em muitas sociedades os casamentos podem ter todo romantismo de um negócio de interesse de família ou território. Mas, mesmo nestas sociedades, onde a união é um acordo comercial, Jankowiak afirma que não se pode dizer que o amor não existe, pois ele se manifesta de forma clandestina, como um fenômeno com o qual temos que lidar.

Se o amor existe, quando surgiu? O ponto de partida do amor acredita os cientistas, foi quando deixamos de andar de quatro e passamos a usar apenas as pernas, colocando em evidência tanto nossos órgãos sexuais, como a cor dos olhos e a própria dimensão do corpo. Foi possível, então, tentar novas maneiras de fazer sexo amoroso, que possibilitaram fazer do sexo um encontro romântico. Os casais começaram a procurar posições que os deixasse face a face e a atração física passou a ter maior importância, principalmente, para despertá-lo o amor romântico. A natureza sabe como conduzir o DNA do amor.

O lado romântico das relações permitiu aos indivíduos estabelecerem relacionamentos de longa duração, fundamentais na criação dos filhos, pois em campos selvagens, tornava-se muito mais difícil zelar pela criança tendo ainda que cuidar da própria sobrevivência. Ficava mais fácil unir-se a um parceiro e, juntos, assumirem a criação dos filhos.

Esta ideia inicial levou a antropóloga e pesquisadora do comportamento humano Helen Fisher (1945), do Museu de História Natural de Nova York a tecer outras teorias, uma delas sobre a duração do amor. Enquanto a cultura ocidental prega que ele é eterno, na natureza, Fisher diz existir provas de que o amor foi feito para durar cerca de quatro anos. Ela cita a crise dos quatros anos, mostrada nas estatísticas de divórcio de pelo menos 62 das culturas que estudou. Se o casal tem outro filho três anos depois do primeiro, como geralmente ocorre, a união tende há durar quatro anos mais.

Por essa tese, o amor não é eterno. Por outra, também defendida por Fisher, o amor não é exclusivo. Segundo a autora dos livros: “Anatomia do Amor” “A História Natural da Monogamia” “Adultério e Divórcio”, menos de 5% dos mamíferos formam pares rigorosamente fiéis e, os seres humanos, desde o começo dos tempos, mantêm o padrão de monogamia com adultério clandestino. O que pode ser rotulado de sem vergonha, cafajeste. Para alguns pesquisadores, os estudos de Fisher provam serem uma maneira de se formar novas combinações de “gens” para serem passados para as gerações futuras. Além disso, os homens que buscaram novas parceiras tiveram mais filhos; enquanto as mulheres, sempre agindo por debaixo do pano, garantiam melhor a sobrevivência. Até as pré-históricas tendiam a ter relação extraconjugal.

O amor é tudo que precisamos, raramente funciona. Quem realmente quer aceitar seu parceiro pelo que ele é o tempo todo? Parece que o tempo todo não é uma expectativa muito realista. O respeito mútuo e a disposição para a mudança, negociação e acomodação até um ponto são necessários para manter um equilíbrio razoável e cultivar o romance ao longo dos anos. Talvez seja melhor encontrar alguém que vá tratar você bem o tempo todo, que seja honesto e respeitoso, de modo que o amor possa ficar cada vez mais solido. 

Portanto, penso que o amor nunca morre de morte natural. Sendo assim, ele pode morrer um dia porque nós não sabemos como renovar a sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das traições que eventualmente venha ocorrer. Morre da doença do ciúme e das feridas que ele nos causa. Morre de exaustão, da devastação que a falta de respeito provoca. Morre muitas vezes por falta de brilho. Nós não somos tomados pelo amor que não recebemos no passado, mas pelo amor que não estamos dando no presente. Contudo, o amor permeia entre o corpo e a alma, ultrapassando a dimensão biológica onde tudo começa, para o plenamente espiritual onde se conclui na sua essência cósmica. 

24 de novembro de 2021

ENVELHECER COM SABEDORIA ESTÁ NO VIVER PLENO

Vivemos uma grande transformação de costumes neste último século. A começar pela liberdade de ser e de se exprimir. Novos paradigmas estão surgindo, como a espiritualidade, o autoconhecimento, o afeto e a alegria. Somente nos últimos quarenta anos, a sexualidade deixou de ser negado, o que significa que essa temática também está ganhando terreno na maturidade.

Segundo a psicóloga e antropóloga Ana Perwin Fraiman, homens e mulheres mais velhos aprenderam muito mais sobre sexo do que sobre erotismo. A sedução fazia parte do cardápio de conquistas nos bailes da vida, no piscar de olhos, nos toques ligeiros e discretos, no tímido sorriso insinuante, no rastro de perfume deixado no ar. Muito diferente do erotismo de hoje, com a exposição explicita do corpo, usando aquele fio dental ou uma minissaia, em muitos casos, até o nu total.

Alguns homens mais velhos dizem apreciar um corpinho lindo desnudo de uma moça jovem, mas a maioria se excita muito mais com um decote insinuante ou uma nuca exposta daquela coroa enxuta para ser levemente roçada por seus lábios quentes. Há uma gama considerável de mulheres acima de cinquenta anos que não conseguem sequer imaginar tendo relações sexuais com outro homem que não os respectivos maridos, além de algumas mulheres que nunca folhearam uma revista pornográfica por questões morais ou porque sentem vergonha e não têm coragem.

Entretanto, há mulheres dessa mesma idade cujo casamento acabou e estão namorando novamente ou tendo um caso, por ser mais atrativo e menos desgastante. São mulheres decididas, buscando um novo parceiro, fazendo sexo e sentindo prazer, coisa que não sentia no casamento. Coisa do gênero, “primeiro a gente faz sexo, se der certo e a gente gostar continua, mas casar de jeito nenhum”. Curiosamente essa era uma proposta tipicamente masculina e chegava a ser ofensiva para a mulher de outra época. Hoje temos uma grande variedade de situações, até as coisas ditas sexuais estão mudando também para as mulheres maduras.

Por conseguinte, a mulher madura busca um homem gentil, protetor se solicitado, que tome iniciativas e satisfaça alguns de seus desejos. Que seja responsável, atencioso, carinhoso e aceite carícia e as saboreie. Que saiba receber e se entregar, que viva o erotismo no corpo todo, cujo encontro não seja só sexo, mas também celebração. Essa nova mulher quer um homem sensual, de prazer pleno difuso, com o qual nasce para saber aproveitar a vida de várias formas, o que só acaba com a própria morte.

Por outro lado, está o homem maduro, que busca uma mulher ativa, segura, provocante. Traduzindo melhor, uma mulher gostosa, quente, que goste de ser apreciada, que goste de fazer sexo, que goste de dar prazer, que fique excitada quando está junto do seu parceiro. Entretanto, são poucas e raras as pessoas que chegam a idade madura na plenitude sabendo se abrir para a vida, dar e receber, fazendo do sexo uma contra dança de parceiros que se encontram, se apreciam, se realizem, caso venham a se separar, sentem falta depois e até mesmo saudades.

Quando os amantes conseguirem colocar o sexo num plano maior ligado à espiritualidade, isso ajudara as pessoas a se libertarem de seus medos, culpas e vergonhas, raivas e desesperos de solidão, tudo o que traz infelicidade e impedem a nós todos de amar para valer, em qualquer idade. Se nós não curarmos primeiro todas essas feridas, não se fará a revolução sexual na maturidade. E não há como curá-las a não ser por meio da informação clara, da palavra cuidadosa, do toque amoroso. Da verdade implícita. E mais que isto, a verdade sobre sexo e alegria, beleza e liberdade em qualquer idade. Diz um provérbio oriental: “se mergulhas e não encontras pérolas no mar, não penses que elas não existem”.

Portanto, ao nascer o nosso corpo ainda não foi escrito, no dizer do filósofo inglês John Locke, a nossa mente é como uma folha de papel em branco, uma tabua rasa, que durante a nossa experiência no mundo se incumbiu de imprimir. Com o passar dos anos a nossa própria história, a cultura, os desejos e a própria vida se escreveram e inscreveram. Para Fraiman, trazemos muitas biografias de uma mesma vida. Quase tudo o que foi possível lá está firmemente registrado no corpo e na mente. De modo que tal é a arte de envelhecer, que o sexo pleno, amoroso e maduro até parece saber e dominar a própria essência do ser humano.

20 de novembro de 2021

A MILENAR ARTE DO AMOR TÂTRICO

Quando se redescobre a milenar arte do amor Tântrico, a forma apressada e neurótica do moderno relacionamento entre os amantes melhora e muito. A relação deixa de ter a característica compulsiva a qual destrói os mais belos vínculos de afeto e de ternura que possam vir a existir, comprometendo consideravelmente a harmonia e a felicidade dos enamorados. O amor Tântrico dignifica e enobrece o ser humano propiciando o seu retorno à inocência original, fazendo renascer os mais puros sentimentos de amor e  o apelo de ascensão espiritual.

Não há nada mais delicioso que a aventura do encontro de duas almas que se amam verdadeiramente. A emoção que invade o coração da pessoa que está encantada com a outra é de importância vital para a prática do relacionamento Tântrico. Aqueles que praticam sentem-se renascidos, revitalizados, repletos de energia tântrica, de entusiasmo e alegria.

Viver momentos de êxtase prolongado com descontração é viver momentos de paz nos braços da pessoa amada... ou isso tudo é considerado coisa do passado? Parece estar fora de moda ou no mínimo ocorre de maneira fugaz, sem profundidade, sem magia, sem nenhuma intimidade, excessivamente fácil. Os beijos, carinhos e carícias se banalizaram tanto que quase já não produzem assombro. Aquele tal arrepio. A mídia, de modo geral, tem contribuído muito para a robotização do amor. O mito de perfeição com relação ao homem e à mulher só tem aumentado e desvalorizado ainda mais o amor romântico.

Quantos casais se unem levados pela chama ardente do amor romântico que nasce do fundo da alma, se adoram e acreditam que nada e ninguém poderão separá-los. Quando menos esperam são traídos pelo inimigo secreto, o ego, essa legião de agregados psicológicos que destrói a beleza do amor puro e inocente.

Entretanto, a sabedoria Tântrica nos ensina que devemos nos concentrar nas afinidades que nos é peculiar e no amor que sentimos pelo outro. Procurando sempre visualizar através da imaginação criadora um quadro mental repleto de alegria, ternura, afeto no momento que suas almas e corpos se unem deliciosamente para a celebração com a divindade.

Portanto, viver o amor Tântrico é ambos estarem tranquilos e se ajudarem mutuamente. Quando a confiança estiver estabelecida, já não haverá mais regras. O amor se conduzirá por si mesmo e juntos percorrerão as mais belas e paradisíacas paisagens que ficarão marcadas para sempre na memória dos eternos apaixonados.  

15 de novembro de 2021

AMOR E DOR CAMINHAM JUNTOS

Como quer que pensamos o amor, encontramos nele a ideia da ultrapassagem de um estado natural originário, de unidade e satisfação superiores, quase divino, rompido por uma falta cometida pelo homem que o leva ao decaimento na finitude da sua condição propriamente humana (por exemplo, Adão e Eva).

Acrescente-se a isso a nostalgia de retornar àquele estado através da fusão com outro, tendo por base a relação sexual e a procriação, ou a simples “trocas dos corações”, como no amor trovadoresco.

Os mitos de Adão e Eva, os andróginos partidos ao meio de “O Banquete” de Platão, o filho expulso do ventre da mãe, onde repousava imune a todo desejo e desprazer, a proibição do incesto; mas, também as lendas de “Tristão e Isolda”, as tragédias românticas, de “Romeu e Julieta” até “Love History”.

De modo que, quase tudo da poesia lírica ocidental, não cessam de evocar, direta ou indiretamente, a ideia desse estado de fusão que faz de duas pessoas, tornar-se uma e, simultaneamente, a sua absoluta impossibilidade, porque ele implicaria o retorno a uma condição originária doravante interditada aos humanos.

Portanto, no amor a face do outro é o espelho onde compreendemos no mais alto grau possível o que significa humanidade porque amo sua vida humana, se o amor é autêntico, amo o que ele é, não o que ele tem (riqueza material ou um corpo bonito). O amor é parte de um prazer que o filósofo alemão Schopenhauer, chamava de prazer negativo. O amor funciona como um remédio para sensação desagradável de desamparo.

14 de novembro de 2021

AMAR É UMA TRAJETÓRIA DE VIDA PESSOAL

É um desafio falar sobre o amor. Afinal, o amor é falado em todo lugar, embora não saibamos bem o que é amor. Quando vemos o que a outra pessoa pensa do amor, podemos até nos sentir “atacados”, pensar: “isso não é amor”. Às vezes você já percebeu que não há amor onde o outro acredita que exista, você tem outra visão, ou nem sentiu nada disso, pensa ser uma fantasia.

Cada um tem uma noção de amar. Se alguém apenas viu pessoas reclamando sobre não serem amadas, exigindo amor para terem uma postura ética, e não o dando a ninguém, provavelmente vai se questionar onde está amor nisso. Se não viemos de lares onde havia amor, será mais difícil perceber o que é amar ou até acreditar que ele exista.

Frequentemente repetimos padrões do ambiente no qual fomos criados. Quando crianças podemos até perceber o que não é amor, mas, ao mesmo tempo, vamos assimilando a ideia de amor que vemos para sobreviver. Assim, amar é perceber que cada um está tendo uma trajetória de vida, vendo o tema amor por ângulos diferentes. 

Quem sabe, um dia, todos já vão ter passado por todas as etapas da vida, e nem vão estar olhando para o mundo de fora, mas para o mundo de dentro, buscando o “Eu” em si mesmos. Na vida desenvolvemos uma sequência de diferentes afeições. A criança tem interesse pela suas coisas, seus brinquedos, no envolvimento entre seu pensamento e o seu meio. Nisso, as primeiras trocas entre o seio materno e o bebê são, como sabemos, muito importantes.

O grau de envolvimento passa pelas necessidades de alimento e prazer. Em algum momento da infância poderá vir o pensamento de que “não é bom quebrar o brinquedo”, “não é bom morder pessoas”, desenvolvendo a consideração pelo que o outro sente, a empatia. O amor se desenvolve dessas formas, inclusive o amor “ágape”, o amor incondicional, ao desejarmos o bem do próximo, apesar das próprias frustrações.

Portanto, ter pensamento de respeito por todas as formas de vida, e que cada um atinja o seu potencial, sem expectativas, sem pedir nada em troca, nem mesmo o prazer de ver isso acontecer. E o amor provavelmente vai além, com considerações cada vez mais abrangentes sobre diversos aspectos, que o pensamento humano ainda nem conseguiu atingir.

7 de novembro de 2021

O ABRAÇO SIGNIFICA PROTEÇÃO IMUNOLÓGICA

Parece que as pessoas e os parceiros afetivos, tanto homens como mulheres, estão se esquecendo de que as relações humanas precisam ser nutridas e adubadas todos os dias para se manterem vivas, essa não parece ser uma tarefa impossível, pois há de se praticar os exercícios naturais de constantes carícias como o abraço, palavras carinhosas de incentivo e aceitação do outro.

A carícia significa toda a manifestação humana física, verbal ou gestual que transmita a outra pessoa uma sensação de bem estar, aceitação e reconhecimento. Uma manifestação que demonstre o quanto ela é importante para você. Melhor do que falar sobre carícias é recebê-las ou praticá-las.

Os estudos vêm demonstrando que a falta ou a insuficiência de carícias tem enorme influência no bem estar, até mesmo na saúde física e mental das pessoas. Fenômeno esse que começa nos primeiros anos de vida. Especialistas são unânimes em afirmar que a criança precisa tanto de estímulos físicos quanto de alimentos. Sem os toques e carícias, ela provavelmente acabará sofrendo de alguma debilidade mental e poderá até morrer por sentir-se rejeitada, caso seja privada dessas relações físicas.  

Segundo o filósofo e psiquiatra canadense Eric Berne (1910-1970), criador da “Análise Transacional”, ele acredita que exista na nossa estrutura corporal uma cadeia biológica que leva da privação emocional e sensorial a mudanças degenerativas e até a morte por causa da apatia. Neste sentido, as fomes de contato físico, de abraços e de aconchego têm a mesma relação com a sobrevivência de um organismo humano quanto à fome de alimento.

Portanto, o livro “O Tocar”, escrito pelo antropólogo e humanista inglês Ashley Mantagu (1905-1999), nos mostra o fantástico valor psicológico, salutífero, social e afetivo do contato físico. O livro fala da importância da envolvência, carinho e contato como ações que estimulam a idade vital. Contudo, o contato físico é o melhor estímulo conhecido para a defesa do sistema imunológico que são as trocas de carícias bem feitas e bem recebidas. De modo que para o pesquisador, o melhor remédio para aliviar o stress são as carícias, entre elas o abraço prolongado.

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...