25 de agosto de 2019

AUTO-ACEITAÇÃO NÃO É SIMPLES CUMPLICIDADE

O individuo acomodar-se ás suas fraquezas e vícios de personalidade sem qualquer discussão, isto não é o que filosoficamente chamamos de aceitação de si mesmo. Auto-aceitação não é simples cumplicidade. Por outro lado, também a atitude narcisista de alguém se enche de vaidade, em razão de algumas qualidades que não ignora ter, está um pouco distante da meditada aceitação de si. Narciso, conta à mitologia, viu sua beleza espelhada na superfície de um lago; foi então, tomado de tal paixão por seu próprio rosto que mergulhou na água em busca de tanta formosura e morreu afogado. Aceitação consciente de si mesmo não é uma autocomplacência, que desculpa todos os nossos próprios defeitos, nem a vaidade capazes de esterilizar uma vida. 

Já foi citado por muitos pensadores que “a primeira de todas as sabedorias é conhecermos os nossos limites”. Aquele que adquire noção das próprias limitações encontra o caminho do equilíbrio. Descobre como foi indispensável à meditação feita em busca de uma mais clara consciência de si e do mundo, com a ajuda sempre indispensável dos outros que com eles convivem no cotidiano.

A aceitação de si mesmo terá, entre outras, os seguintes componentes: a) Que a pessoa se assuma como ser de extremos, diríamos mesmo como ser de contradições. Afinal, já dizia o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), que no ser humano há um gigante chamado vontade, que carrega em seu ombro um anãozinho chamado razão. O anão vive dizendo coisas ao ouvido do gigante, sendo que entre eles há muitos desencontros e também muitos encontros. Por isto às vezes é bem difícil agir como pensamos ou, como se costuma dizer, difícil ser coerentes.

Somos como somos. É nossa tarefa melhorarmos, mas não além dos nossos limites. b) Do ponto de vista natural, cada um aceite sua condição de ser entre os seres, sua situação de ser um dado da natureza entre milhões de outros. De modo que, em seguida se conscientize do fato de sendo homem, estar na posição de um ser que pensa os demais, escapando a um nivelamento com toda a natureza, é a faculdade humana de transcendência. c) Ainda há componente de abrirmos nossa sensibilidade aos encantos que existem em nossa condição, há um tempo frágil e atuante. Aos encantos que há em não sermos divindades, mas só seres humanos gozando a humilde graça de viver nossa natureza. 

Portanto, aquele que consegue trazer essa consciência para o dia a dia, levando a vida naturalmente e descomplicadamente, aberto à compreensão do seu semelhante, este se aceitou. Ele guarda consigo a certeza de que, como ser falível, a qualquer momento pode errar (isto será um direito seu), como também tem claro para si que pode procurar corrigir os seus equívocos (e isto será seu dever). É por este modo completamente humano de se situar na vida, que dizemos: este aceitou a si mesmo. Todavia, nossa identidade é facilitada pelos outros, mas a aceitação de nós mesmos é o resultado de um trabalho paciente, através do qual nós mesmos devemos perceber-nos e nos dar uma espécie de autorização para viver. A consciência de si recria, para cada um nós, esse belo espetáculo que é a “vida”.

18 de agosto de 2019

O QUE PENSA A FILOSOFIA SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS

A religião sempre desempenhou o papel fundamental na história do homem. Vamos desmistificar um pouco certas crenças em torno da filosofia. De modo que, a filosofia não tem a função de negar ou ridicularizar esse grande fato humano que é a religião. Mas, na filosofia tem uma coisa que a religião não tem que é a necessidade de certo “ateísmo metodológico”. O que isto quer dizer? Que o filósofo tem que ser alguém que não pode ter crenças dentro da pesquisa filosófica. Ainda que se tratasse de Deus, porque para a filosofia Deus não é “impossível” ele é “improvável”.

Isto significa que a filosofia não nega e nem afirma a existência de Deus. Porque Deus não é impossível para o filósofo afirmar a sua não existência. Para isto, o filósofo teria que provar que Deus não existe. Isto não é possível. Então, como negar o que não posso provar? Na verdade o homem põe as suas qualidades, as suas aspirações e os seus desejos fora de si, afasta-se, aliena-se e constrói a sua divindade. Portanto, a religião está no relacionar-se do homem com sua própria essência. Ela é a projeção da essência do homem. Mas, por que o homem constrói a divindade sem se reconhecer nela?

O filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804-1872) responde: “porque o homem encontra uma natureza insensível aos seus sofrimentos, porque tem segredos que o sufocam; e na religião, alivia o seu próprio coração oprimido”. Por isso o homem foge da natureza das coisas visíveis, refugiando-se no seu próprio intimo, para encontrar quem escute o seu próprio sofrimento. É aqui que ele expressa os segredos que o sufocam, é aqui que ele alivia o seu próprio coração oprimido. Isto é Deus. Em outras palavras, Deus é uma lágrima de amor derramada no mais profundo segredo sobre a miséria humana.

De modo que buscamos a experiência de nos sentirmos vivos, de tal forma que nossa experiência no nível puramente físico, tenha ressonâncias internas nos mais profundo do nosso ser e da nossa realidade. Sendo assim, chegamos a sentir realmente o êxtase de estarmos vivos. Contudo, os mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana. Se quisermos pensar em Deus podemos extrair da religião ou recorrer aos mitos. Porque Deus é na verdade um pensamento, um nome, uma ideia abstrata ou conceito, que se refere a algo que transcende qualquer pensamento.

Portanto, mistério supremo do ser está além de toda categoria de pensamento. Como argumenta o historiador da arte indiana Heinrich Zimmer (1890-1943): “As melhores coisas não podem ser ditas por que elas transcendem o pensamento. A segunda melhor coisa é mal compreendida, pois são pensamentos que se referem ao que não pode ser pensado. E ficamos presos com os pensamentos. A terceira melhor coisa é as que nós falamos”. 

13 de agosto de 2019

PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS INATAS

Segundo o filósofo grego Platão (427-347 a.C.), acreditava que o mundo que conhecemos não é o verdadeiro. Para ele a realidade não está no que podemos ver, tocar, ouvir e perceber. A verdade para Platão, é o que não se modifica nunca, o que é permanente, eterno, sempre será, por estar numa dimensão espiritual onde só a razão pode tocar. Contudo, podemos afirmar que o amor é dos deuses. Quando se ama é na essência que o amor se faz encarnado. Para o filósofo pré-socrático Parmênides (530-460 a.C.), desde o nascimento até a morte somos únicos na essência. Mas como encontrar essa verdade? Na filosofia de Platão existem dois mundos: o primeiro é aquele que podemos perceber ao nosso redor, com os cinco sentidos, é o mundo das aparências. O outro é o mundo das idéias, onde tudo é perfeito e imutável. Não podemos tocá-lo, ele não é concreto. Só o pensamento pode atingir essas ideias. Para entender melhor, a gente precisa conhecer a história que Platão criou: “O Mito da Caverna”.

Para Platão a maior parte da humanidade se encontra prisioneira da caverna. Isto foi dito a mais de 23 séculos. Imagine um grupo de prisioneiros que nasceu no interior de uma caverna escura. Eles estão acorrentados de costas para a entrada da caverna e só podem olhar para a parede do fundo. A luz que entra na caverna projeta nessa parede as sombras e nada mais. Os prisioneiros acham que elas são a realidade. Nunca viram a luz. A vida das pessoas para Platão, é como a dos prisioneiros do mito, acorrentados no fundo da caverna. Vemos as coisas que conhecemos como se fossem reais, mas não passam de sombras, pura ilusão. Vemos, mais não enxergamos, muito comum no nosso dia a dia. Como disse Platão, a verdade está fora da caverna, no mundo das ideias, onde há luz. Ou seja, é preciso desconfiar do que os nossos olhos e ouvidos dizem. Devemos nos guiar pelo pensamento e pela razão. Foi em torno dessa ideia que nasceu a filosofia (século V a.C.).

O filósofo grego foi ainda mais longe. Platão afirmava que o corpo é o cárceres da alma, um obstáculo ao pensamento. Certa vez um aluno me falou sobre a alma: “professor; não posso te falar o que é alma, porque nunca vi uma alma para dizer o que é”. Achei que era brincadeira. Mais não era, ele realmente falava sério, parecia não acreditar que um corpo pode ser informado por uma alma ou um espírito racional. Platão acredita que para atingir a verdade e o bem, precisamos nos libertar da sedução dos sentidos. O prazer de olhar e desejar, o prazer de comprar. Por exemplo, ao entrarmos num Shopping Center, podemos ficar hipnotizado pelas vitrines, pelas pessoas bonitas que tem poder e status, ou por aquele doce gostoso que tanto apreciamos. O pior é que, noventa e nove por cento do que existe la não precisamos. Mas mesmo assim compramos, porque o consumo virou um suporte do exercício de poder. Se compro é porque posso, estou afirmando o meu poder.

São os apelos do corpo que nos levam as paixões descontroladas e nos afastam da verdade. Platão dizia que estas paixões deve ser submetida às avaliações do pensamento. Mas afinal, qual a relação entre o mundo dos sentidos com o mundo das ideias? Tudo o que a gente ve e percebe ao redor são cópias mal feitas do mundo das aparências, sendo que a perfeição só existe no mundo das ideias. É como se a natureza e as pessoas fossem uma cópia de modelos que só existem no mundo das ideias. O que Platão quer com isso é distinguir o verdadeiro do falso, o semelhante do diferente, a essência da aparência. Tendo em vista, que Platão também desconfiava da arte e dos poetas.

Entretanto, o motivo dessa desconfiança é que eles seduzem os nossos sentidos e nos desviam da busca pela verdade. Tanto o artista como o poeta se inspiram em coisas que existem no mundo das aparências, isto é, cópias, como por exemplo, uma mulher bonita ou uma paisagem viva da natureza. Para um artista plastico, uma mulher é a cópia de um modelo perfeito, que só existe no mundo das ideias. A arte, portanto, seria cópia da cópia, duplamente enganadora. Se a arte é a cópia da cópia, imagina o que seria uma banda cover? As ilusões da arte atrapalham, enquanto a filosofia só ajuda, por nos fazer pensar. Porque só ela pode conduzir o homem ao bem e a verdade.

Portanto, o que a herança platônica nos deixou foi uma forma de avaliar o mundo, que opõe o bem e o mal a partir de modelos fixos, de ideias. Vivemos guiados por ideais, como o ideal do corpo bonito, de filhos perfeitos, de marido ou esposa exemplar. Mas, será que é possível atingi-los? Será que viver nas sombras é pior do que viver na luz como Platão imaginou? Será que a cópia é pior do que o original? Existe mesmo um original? Neste mundo de mudanças, o que existe são diferenças. E em nossas diferenças, somos todos originais. Cada um é sua cópia e sua essência. Nosso corpo envelhece com o passar dos anos, mas, para a essência o tempo não existe. Contudo, vivemos uma cultura da aparência. Hoje um contrato de casamento vale mais do que o amor. Um funeral vale mais do que o morto. As roupas de grife vale mais do que o nosso corpo. E a missa ou o culto, passou a valer mais do que Deus. 

4 de agosto de 2019

AMOR AO DESTINO É DIZER SIM À VIDA

As implicações do “eterno retorno” levarão inevitavelmente a outro conceito muito importante que o filósofo e poeta alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), chamou de amor-fati, isto é, amor ao destino. Para ele a formula da grandeza do homem está no amor ao destino. Não querer nada de outro modo, nem para adiante e nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo, mas amá-lo. Se tudo retorna eternamente, e exatamente como é agora, então é imprescindível ao homem seu destino. Se não existe nada além desta existência, há de se concluir que apenas ela merece nosso amor.

A grande lição de Nietzsche já no fim de sua produção intelectual, era a gente aprender a amar nosso destino, encontrar beleza no necessário, encaixar o nosso desejo no desejo do tempo. Talvez seu último grande ensinamento. Dizer sim à vida, porque só ela que existe e somente ela traz valor em si mesma. Esta lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” da um sentido próprio ao que aconteceu na sua trajetória existencial.

O controle do passado implica aceitar o que lhe foi dado e tirado. Todos os acontecimentos se inserem numa ordem causal da natureza, assim como cada um de nós, portanto, nada poderia ter acontecido de outra forma, nada poderia ter sido diferente, não adianta lamentar-se. É preciso afirmar até mesmo o erro, afinal de contas, nosso passado não é um erro, não somos um erro! É absolutamente necessário nesse momento e só pode ser interpretado como um erro se tomarmos formas superiores para nos guiar, até porque, Nietzsche usava da metáfora; "Deus está morto", para quem buscava fora o que estava dentro.

A exortação de apropriar-se do que nos aconteceu torna capaz de seguir adiante. O bom e o ruim, a dor e o prazer, são inerentes à vida, amar o que lhe acontece e acontecerá é o primeiro passo para tornar-se quem é você. Nietzsche argumenta: “Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tem de dar sentido à própria vida; em vez de aguardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é”.

O homem é algo que deve ser superado” (Nietzsche em Zaratustra, prólogo). A forma homem é velha e caduca, ela vai errar sempre porque ainda está presa em ídolos metafísicos, presa à forma. É preciso deixar a forma-homem para trás para afirmar aquilo que passou e mais, amar aquilo que passou, porque assim deveria ser por toda a eternidade. Redimir o passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência. Sendo assim, para que mais serviria o amor ao destino?

Devemos afirmar a vida, negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser feita contra ela. Mas este ensinamento foi muito mal compreendido. O amor ao destino não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito menos acovardar-se. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar, muito menos virar a outra face (Mt 5,39). O amor ao destino diz para o indivíduo amar a vida, porque só ela existe e fora dela não há mais nada. Significa afirmar o que tinha que ser sem deixar de afirmar a vontade de potência, em si e no mundo.

E negar os negadores é uma forma de afirmar! Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los. Devemos amar a luta, a revolta, a insubmissão. E que dizer “não” seja apenas um passo para se disser “sim” cada vez mais alto! Porque temos cada vez mais vontade de dizer sim! Vontade de estar no mundo. Vontade de amar. Amor ao destino. Isto é, amor à vida.

Portanto, a partir da minha leitura sobre Nietzsche, quero cada vez mais aprender a ver como belo, aquilo que é necessário nas coisas. Amor ao destino: seja este, doravante, o meu amor. Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores, que minha única negação seja desviar o olhar. E, tudo somado e em suma: "quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim à Vida"!  

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...