25 de fevereiro de 2015

NA VAIDADE TUDO É VAIDADE

O assunto que trago para a nossa reflexão, tem tudo a ver com a realidade em que estamos vivendo neste momento conturbado que atravessa a nossa sociedade. A atual ânsia de visibilidade das pessoas, de ver e ser visto, tanto no mundo real como no mundo virtual, faz com que elas se anulem na sua essência. Seria uma questão de vaidade? Caso seja, será que a vaidade mudou de status? Antes condenada hoje se tornou um valor? Foram os meios eletrônicos que fizeram essa ânsia de visibilidade ou eles são apenas consequência? O que aconteceu com a vaidade humana, aumentou ou diminuiu? 

Acontece que a questão da vaidade é um assunto pouco discutido no nosso meio filosófico. Este tema é levantado desde os primeiros filósofos. Por volta dos séculos IV e III antes de Cristo, nós temos uma reflexão filosófica que se alonga até o século XIX. Depois disso esse assunto foi renegado ao terceiro e até ao ultimo plano na filosofia. A filosofia recente discute muito pouco a vaidade, mal se vê. De modo geral as ciências humanas não discute sobre a vaidade. A “vangloria” que seria a gloria justa e verdadeira do que nós efetivamente somos. Mas, não é desta gloria que vamos falar aqui e sim da “gloria vã”, que é a gloria de quem imagina ser muito mais do que realmente é. É por esse viés que quero conduzir a nossa reflexão.

Há um ponto comum nestes dois mil anos de reflexão sobre a vaidade. Primeiro ela é falsa e segundo ela induz as pessoas ao erro. Segundo o filósofo e educador Renato Janine Ribeiro (1949), cita uma música americana dos anos setenta: “you’re so vain”, que diz: “você é tão vaidoso que provavelmente pensa que esta canção é sobre você”. Que vira uma coisa totalmente contraditório. A pessoa é tão vaidosa que se identifica como a tal. A gente vê muito isso, nos meios de comunicação e nas redes sociais. Como argumenta o filósofo e escritor francês Michel de Montaigne (1533-1592): “Seja o que for, artifício ou natureza, isso que nos imprime a condição de viver da comparação com o outro, faz-nos muito mais mal que bem. Privamo-nos daquilo que nos é útil para atender as aparências e a opinião dos outros. Não nos importa tanto saber o que é nosso ser em si e em efeito quanto saber o que é ele para o conhecimento publico. As próprias riqueza do espírito e a sabedoria nos parecerão infrutíferas se só forem desfrutadas por nós, se não forem produzidas para a vista e a aprovação alheia”.

Na verdade, o vaidoso é manipulável. Sobretudo, graças às redes sociais, só para citar uma dessas redes atuais, o facebook. Por exemplo: o que há de pessoas escrevendo e postando besteiras no facebook e ficam envaidecidas por isso. A gente vê diariamente o quanto existe de imbecilidade nestas postagens e o pior de tudo, elas ficam satisfeitas consigo mesmas. Como diz na Bíblia, mais precisamente no Velho Testamento no século III antes de Cristo, em Eclesiastes: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. E na psicanálise não existe a palavra vaidade. Construiu-se uma teoria psicológica desprezando e desconsiderando a vaidade e mudou o nome para narcisismo que seria um termo que subentende amor por si mesmo. Uma expressão dúbia, porque amor não é obrigatoriamente igual à vaidade. Além de que, não existe amor por si mesmo, o que existe é esse autoerotismo, esse prazer de se destacar e chamar a atenção, de atrair olhares. É próprio da natureza humana.

Entretanto, nunca teve tão exaltado esse exibicionismo, por isso que as pessoas evitam falar sobre o assunto, tudo gravita em torno disso. Um exibicionismo sem fundamento, sem o menor sentido, porque o prazer erótico de exibir e de se destacar ele, evidentemente, pode se dar de duas maneiras diferentes. No primeiro caso, o individuo buscar um destaque por um conceito legitimo cujo ele envaidece meritoriamente, pela aparência. Por exemplo: as celebridades que estão em evidência na mídia. E no segundo caso, o facebook que pode fazer e faz um pouco isso, ajudando os vaidosos a se destacar. Esse exibicionismo que se manifesta muito intensamente, principalmente na questão erótica, a partir dos anos setenta até hoje. Atualmente exibir o físico masculino e feminino ficou muito exaltado e exagerado ao mesmo tempo, chocando um pouco e impactando os olhares. Provocando tensões, ciúmes, inveja e rivalidade perante a sociedade.

Por conseguinte, o mundo não melhorou com esse exibicionismo todo, ao contrário, a qualidade das relações humanas vem se complicando cada vez mais. Certamente por conta dessa onda de liberação da sexualidade, liberou também e muito a vaidade que é um componente erótico. Que sempre foi tratado com certo pudor, agindo com repressão e comedimento sobre o componente sexual. Hoje não pensa mais, como sonhou a juventude nos anos sessenta, ter um mundo de paz, amor e harmonia entre os homens de boa vontade. Hoje vivemos um mundo de vaidade e muita rivalidade. Contudo, as pessoas exibem tanto no facebook que é uma fonte nova de geração de inveja para muitos. “Olha eu aqui, na praia tal, na ilha tal”, por acaso aquele que não está na ilha, está na rede morrendo de inveja do vaidoso. É uma espécie de revista de variedades privadas. No entando, estamos todos contaminados pela vaidade virtual. A tecnologia já tem um modelo pronto de usuário que na verdade, é um modelo imbícil que consome todos os dias e não presta a atenção o quanto são idiotas. Esta palavra que vem do grego “idiótes” ou “idhiótis”, que traduzida etimologicamente para o português quer dizer “idiota”. Ou seja, pessoa fechada em si mesma, limitada, que não participa da vida em sociedade.

Portanto, a vaidade tem tudo a ver com a necessidade de satisfação pessoal que depende da aprovação e da estrema admiração dos outros. É um sinal de que as pessoas gostam da sensação de ter alguma coisa que os outros não têm, e assim se sentindo mais poderosa. Nas redes sociais, o desejo de ser invejado tende a se manifestar com maior frequência. O próprio instagram, que já foi apontado como uma das redes que mais causa depressão entre os usuários. Cria a ilusão de que o outro tem uma vida incrível e que você precisa ter uma vida assim também. No meio jovem, tem essa tendência mais recorrente de forjar uma vida perfeita. Essa busca constante em transmitir uma imagem de perfeição em todos os momentos, pode frustrá-los, e pode realmente levar, até mesmo à depressão. As redes sociais são veículos de exposição seletivos, isto é, a pessoa escolhe deliberadamente o que postar e compartilhar, o que facilita a exposição de feitos e conquistas. Este é ápice do vaidoso que faz de tudo por um “curtir” dos outros em suas fotos e postagens. É um narcisista decadente.  

14 de fevereiro de 2015

CORPO E SEXUALIDADE

A nossa sociedade atual está criando uma nova ética do relacionamento. A cultura do corpo sarado. Afinal, o que é um corpo sarado? De repente nossa atenção é chamada por essa esfomeada corrida às academias de ginástica, de estética, de massagens, enquanto ficamos sem compreender muito bem o surto de exibicionismo do corpo nas passarelas sociais, como clubes, praias, entre outros lugares públicos. É a nova febre do corpo. Até parece que apenas de uns tempos para cá o ser humano passou a ter corpo. Realmente algo estranho ocorre, alguma coisa como se tivéssemos descoberto a outra face da lua, um lado desconhecido de nós mesmos. Esta grande atenção sobre o corpo será boa ou ruim? Ao que parece será muito boa no sentido de se recuperar o carinho por essa coisa prodigiosa que é o nosso corpo. E poderá ser muito ruim à medida que se cai nas armadilhas que a nossa sociedade do lucro vem inventando para vulgarizar a atenção sobre o corpo e com isso banaliza a sexualidade.

A filosofia atual não se dedica a discutir assuntos que parecem não ser mais seus, como a questão de se o espírito existe de modo autônomo, se ele sobrevive à morte física e de como é essa sobrevivência. Estes assuntos são postos hoje nos domínios da religião e da teologia, das metapsíquicas e das instituições místicas. O filósofo tem suas crenças, mas evita reduzir a discussão filosófica ao âmbito de sua fé. Na verdade, o foco de interesse da filosofia é o vivente, aquele ser humano que sou e os demais que estão comigo neste momento no mundo. No vivente, a reflexão filosófica não vê como distinguir o corpo do espírito. Ainda que se pense a mente como espírito, é a própria medicina que mostra cada vez mais a dificuldade de ver clara à fronteira que separa as funções mentais das funções orgânicas. O campo médico que estuda esta relação está meio atarantado: pela chamada medicina psicossomática.

Fica difícil pensar no corpo separado da alma, seria o mesmo que pensar num ciclista montando uma bicicleta. Somos ao mesmo tempo, um ciclista que é uma bicicleta. Vamos examinar algumas afirmações sobre a questão da corporeidade, para melhor compreendermos. Todavia, o corpo é nossa forma de presença no mundo. Estamos presentes quando o mundo se abre para nós e nós abrimos para o mundo; isto é: presença é algo que está ligado a relacionamento. Poder ver, ouvir, tatear, degustar e cheirar. Pode receber o mundo em nossa interioridade e, ao mesmo tempo, formando ideias e emoções em nosso intimo, comunicá-las para fora de nós. E é na medida em que somos nosso corpo é que nos situamos no mundo de forma comunicante. Portanto, não apenas temos um corpo através do qual lidamos com a vida que nos circunda e que está em nós. Corpo não é mero instrumento. Quando se crê no espírito, vai então ficando claro que, no vivente, o corpo é a outra face do espírito e vice-versa.

Segundo o filósofo e fenomenólogo francês Merleau-Ponty (1908-1961), disse: “o corpo é o berço de todas as nossas significações”. Ele quer dizer que tudo que temos em nós de emoções, de conhecimentos, todo o conteúdo do nosso mundo interior, tudo isto teve que começar no corpo. É pelo prazer e pela dor, por todas as sensações corpóreas, que a vida nos visita e tece lá dentro a nossa intimidade. Tudo, portanto começa com o corpo. Ele é o berço dos nossos conteúdos. O corpo é o nosso mais profundo mistério. Afinal, a medicina explica como o corpo funciona; mas ninguém sabe que energias o fazem funcionar por dez ou cem anos. Ninguém conhece o chamado principio vital. Que fagulha é esta que acende a vida? De que usina jorram as energias que mantém com o coração batendo? Mistério! E basta que sintamos alguma coisa muito esquisita – uma aceleração cardíaca, uma falha de batimento, uma forte tontura, etc. – que somos convocados ante o mistério do corpo. Sentimos medo, pedimos ajuda.

Entretanto, este mesmo corpo maravilhoso que nos põe medo, oferece-nos oportunidades de profundo e intenso prazer. E hoje ninguém precisa fugir dessa palavra prazer. O prazer de viver tem muitos aspectos. Todos são importantes. E é fundamental dizer-se que o prazer mais criativo se encontra em nossa sexualidade. A sexualidade (com a energia da libido) é o que movimenta as emoções, o conhecimento e até mesmo o sentido religioso. Para o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers (1883-1969), argumentava o seguinte: “a literatura mística não passa de uma torrente de erotismo”. E o pensador disse isto não porque fosse um ateu (era religioso), mas porque, sendo um psiquiatra também, sabia que o erotismo é a infinita riqueza de forma que o espírito empresta à sexualidade. Ora, falar-se de sexualidade não é necessariamente falar-se de genitalidade de relações sexuais. A sexualidade é uma imensa energia que nem mesmo conhecemos direito. Ela se parece, para o conhecimento humano, a de um iceberg, que deixa para fora da água 1/3 da sua massa, escondendo nas águas oceânicas os outros invisíveis 2/3.

Como argumenta o filósofo e educador Régis de Morais (1941), “a grande poesia não é celebração; ela é filha da sexualidade que se solta. Não se continuará vivo se não tiver um amor sexual pelo mundo”. Depois do livro bíblico do Cântico dos Cânticos ter celebrado lindamente a sexualidade e o erotismo inclusive em termos de expressão genitais. Por que havemos nós hoje de ter vergonha de coisa tão elevada e maravilhosa como a expressão de sexo entre duas pessoas que se gostam? O sexo, em si mesmo, só tem grandezas. Ele é a força mais poderosa que nos faz sentir inteiros, íntegros, no encontro excitante de amor. O que causa vergonha, o que deprime a bela verdade do sexo, é a triste malícia que muitas vezes destila o coração humano. Toda uma cultura ocidental maquinou uma trama lamentável. Fazer das expressões sexuais um ato de baixeza, só às vezes legitimado por leis encarregadas de dar o sinal verde. Então, para muitos, o corpo é transformado numa ameaça de degradação.

Portanto, o corpo não é dividido em partes mais aceitáveis e menos aceitáveis. Embora a sexualidade ultrapasse o corpo, a escolha de uma vida sexual a dois se concretiza no encontro de corpos. Se o principio de tudo for à verdade do amor, de um amor digno, o demais será a fecundidade da criação. A geração de filhos ou de carinhos e trocas de carícias são de inestimável valor humano. Contudo, os limites da sexualidade são limites do corpo. Tanto assim que a sexualidade começa em qualquer parte do corpo e não termina, vai de um lado para outro explorando sua totalidade. Faz de cada um de nós o que exatamente somos. A extensão do mundo em nosso corpo. Viver isto como via de regra, respeitando a nós mesmos e aos outros. No corpo está a plenitude da vida e na sexualidade a sua manifestação divina. 

12 de fevereiro de 2015

TER O SEXO TORNOU MAIS DIFÍCIL TER O AMOR

Na sociedade atual, com a facilidade ao acesso a comunicação através da internet e do celular, fala-se e escreve-se muito sobre sexo e quase nada sobre o amor. Talvez porque o amor, sendo um enigma, não se deixa decifrar, repelindo toda tentativa de classificação ou definição. Ao contrário, a literatura nunca deixou de falar do amor, principalmente, nas poesias, é nesse campo mítico por excelência que aparece a metáfora como possibilidade de compreender melhor o amor. Todavia, não há como negar que esse vazio conceitual se deva à dificuldade de expressar o amor no mundo contemporâneo. Tendo em vista, o desaparecimento das sociedades tradicionais, cujos costumes envolviam fortes relações entre as pessoas. Entretanto, nossas cidades com o aumento de suas populações, com seus arranha-céus, estão criando espaços para a solidão, o chamado fenômeno da “multidão solitária”. As famílias desintegrando-se e dispersando-se em busca de emprego. Por outro lado, as pessoas caminham lado a lado, mas suas relações são territoriais e não sociais. Seus contatos dificilmente se aprofundam, tornando-se mais raro os encontros verdadeiros e amizades duradouras.

O jovem de hoje tem muito mais possibilidade de contatos prazenteiros, mas totalmente descompromissados de intimidades afetivas. Com essa facilidade de ficarem com vários numa única noite, ao mesmo tempo não estabelecem relações intimas duradouras, porque suas relações são muito inconsistentes. Os ditos apaixonados se juntam e separam com a mesma facilidade. Não há amor, não há envolvimento, porque não criam vínculo. Ficam somente no campo do desejo e do epidérmico. Na verdade, isto não é namoro e sim encontro casual, puramente físico e sem compromisso. Agradável a principio, excitante, uma espécie de tiroteio cerrado de desejo, de busca de troca e carência instintiva. Mas cansativo em longo prazo porque se espera mais do que só a relação física, portanto, torna-se desapontador para ambos.  

Para a jornalista e escritora ítalo-brasileira Marina Colasanti (1937), pertencemos à geração do descartável, desinventamos o duradouro. À navalha, que durava a vida inteira, hoje preferimos o barbeador que se utiliza só por algumas vezes e se joga fora. Trocamos o bom e sóbrio tecido que usaríamos durante anos, pela alucinante cor da moda que durará apenas uma estação. Resistência e boa qualidade tornaram-se palavras sem sentido, o máximo que admitimos é absolescência planejada. Parece que o amor ficou fora de moda e o sexo tornou-se mais atraente. Esse descartismo do amor contaminou os sentimentos, sem, entretanto, mudá-los por completo.

Todavia, não é só nas relações entre duas pessoas, que os encontros afetivos estão empobrecidos. A nossa organização social de efeito capitalista tem modos de convívio social baseados na competição e rivalidade. Essa sociedade vê no amor o seu pior inimigo. Fala-se tanto em cristianismo, onde se prega o amor ao próximo. Foi à classe dominante que inventou essa história de igualdade, que espalhou esse veneno pelo mundo afora. E hoje tentam nos mostrar que o amor não é absolutamente a força maior que fomenta a humanidade. Por conseguinte, vivemos dentro de uma sociedade onde tratam as relações como superficiais e descartáveis. Estamos às vésperas do prazo de vencimento das relações afetivas. Os relacionamentos estão cada vez mais fragilizados e desumanos. A confiança no próximo está cada vez mais perto de terminar definitivamente. Os seres humanos estão sendo usados por eles mesmos.

Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925), os avanços tecnológicos influenciaram muito o ser humano em suas relações de um modo geral, que o amor líquido (que mal começa e já termina), representa justamente esta fragilidade dos laços humanos, a flexibilidade com que são substituídos. É um amor criado pela sociedade atual, a chamada modernidade líquida, para tirar-lhes a responsabilidade de relacionamentos sérios e duradouros, já que nada permanece nesta sociedade, o amor não tem mais o mesmo significado, foi alterado como algo flexível, totalmente diferente do seu verdadeiro significado de durabilidade e perenidade.

Portanto, para muitos o amor romântico está fora de moda. O amor verdadeiro em sua definição romântica foi rebaixado a diversos conjuntos de experiências vividas pelas pessoas, nas quais se referem utilizando a palavra amor. Principalmente no sexo casual, hoje praticado por uma parcela significativa, na tentativa de camuflar os impulsos instintivos e biológicos do ser humano a ser satisfeito, enganando aos seus parceiros, dizendo “vamos fazer amor”. Entre essas pessoas é muito fácil ouvir “eu te amo”, pois não existe mais a responsabilidade de estar mesmo amando. A palavra amor foi rotulada de uma forma, em que as pessoas nem sabem direito o que sentem, não conseguem definir a diferença entre amor e paixão e mesmo assim utilizam incorretamente esta palavra, que perdeu sua importância. Contudo, as pessoas preferem o encontro pela internet, no campo do virtual, porque sendo assim, quando quiserem podem apagar o que haviam escrito, ou simplesmente apagar um contato e facilmente dizer adeus. Enfim, ter o sexo tornou difícil ter o amor e com isso estamos matamos um sentimento que poderia salvar a humanidade.

3 de fevereiro de 2015

DIALOGANDO COM O AMOR

No diálogo de Platão (427-347 a.C.) “O Banquete”, os convidados discursam sobre o amor. Sócrates (469-399 a.C.) o último dos oradores do referido diálogo do amor, começa dizendo que Eros representa um anelo de qualquer coisa que não se tem e se deseja ter. Para Sócrates o amor é o desejo, em primeiro lugar, de alguma coisa; em segundo, só de coisas que estejam faltando. O amor é capaz de desabrochar e de viver, morrer e ressuscitar no mesmo dia. Come e bebe, dá e se derrama, sem nunca estar rico ou pobre. A partir desta discussão pela boca de Sócrates, Platão explica a relação entre Eros e a filosofia. Assim como os deuses não filosofam nem aprendem, por já possuírem a sabedoria, os tolos e os ignorantes não aspiram adquirir conhecimento, porque, embora nada saibam, julgam saber. Só o filósofo deseja conhecer, pois sabe que não sabe e sente necessidade de conhecer.

Dessa forma, Platão não reduz a busca apenas à procura de outra metade do nosso ser que nos completa como explica no mito da origem do amor. Pare ele, Eros é ânsia de ajudar o eu autêntico a se realizar, na medida em que a vontade humana tende para o Bem e para o Belo, quando subordina a beleza física à beleza espiritual e desliga-se da paixão por determinado indivíduo ou atividade, ocupando-se com a pura contemplação da beleza. É uma concepção que deve ser compreendida de acordo com a relação corpo e alma, segundo a qual Platão subordina Eros a Logos, ou seja, subjuga as paixões à razão. Sendo assim, tudo que está no mundo sensível diz respeito às paixões e o que está no mundo das ideias é contemplado pela razão.

Nas relações afetivas, o desejo não nos impulsiona apenas para alcançar o outro como objeto. Mais que isso, o desejo exige a relação em que se busca, sobretudo, o reconhecimento do outro. O amante não deseja se apropriar de uma coisa e sim, deseja capturar a consciência do outro. A relação amorosa se funda na reciprocidade, ou seja, desejamos o outro como ser consciente que também nos deseje. O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1881), compreende a consciência de si como desejo de reconhecimento. Isso significa que no amor, quando um corpo se estende em direção a outro corpo, exige que esse corpo, que ele deseja também se estenda; porque amar é desejar o desejo do outro. Todavia, o amor é o convite para sair de si. Se a pessoa estiver muito centrada nela mesma, não será capaz de ouvir o apelo do outro. No entanto, se uma criança procura com naturalidade quem melhor preencha suas necessidades, se esse procedimento persistir na vida adulta, torna-se impedimento para encontros verdadeiros. Esta pessoa ira viver um amor idealizado, em parte fruto do medo de lançar-se nas contradições do exercício efetivo do amor.

O temido risco de amar para muitos é a separação. Mergulhar na relação amorosa supõe a possibilidade da perda. Para o psicanalista austríaco Igor Caruso (1914-1981), a separação é a vivência da morte numa situação vital. A morte do outro em minha consciência e a vivência de minha morte na consciência do outro. Quando deixamos de amar ou não somos mais amados; ou, ainda se as circunstâncias nos obrigam à separação, mesmo assim o amor recíproco permanece. Se a perda é sentida de forma intensa, a pessoa precisará de um tempo para se reestruturar, porque, mesmo quando conseguiu manter a individualidade, o tecido do seu ser passa inevitavelmente pelo ser do outro. Há um período de luto a ser superado após a separação, quando ambos estão buscando novo equilíbrio. Uma das características mais evidente do individuo maduro é saber integrar a possibilidade da morte no cotidiano da sua vida. Porém, ao falarmos em morte, não nos referimos no sentido literal da palavra, mas, nas diversas mortes ou perdas que permeiam nossas vidas. Mesmo nas relações duradouras, as pessoas mudam, e a modificação do tipo de relação significa consequentemente a perda da forma antiga de dialogar com esse sentimento chamado amor. A moda antiga de expressar o amor também está se despedindo do nosso meio romântico. O chamado amor cortez está fora de moda.

Portanto, com o afrouxamento dos laços familiares e aqui não estamos analisando as causas e muito menos procurando uma justificativa. O chamado clássico encontro amoroso está ficando de fora, não é mais prioridade nas relações afetivas. Com o advento da comunicação, que em tese deveria melhorar as relações afetivas, lançou as pessoas em um mundo onde elas contam apenas consigo mesmas. Hoje vivemos um mundo da satisfação imediata, do prazer aqui e agora, o desejo de emoções fortes substitui os amores ternos cuja intensidade passional certamente se atenua com o tempo, pois a paixão é fugaz por natureza. Contudo, é bem verdade que se o amor se funda no compromisso e se as pessoas cada vez mais tem medo da dor, do sofrimento, do risco de perda, o que resulta são as relações superficiais, os amores breves. Relações sem diálogo, sem colorido e sem vida. Na era da comunicação e da informação rápida, existe um contingente enorme de pessoas alimentando-se do amor descartável. Um amontoado de seres robóticos. E junto as relações humanas estão indo para o abismo.      

AS COISAS SÃO OS NOMES QUE LHE DAMOS

O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofri...