31 de janeiro de 2015

O AMOR ROMÂNTICO ESTÁ SAINDO DE CENA

Para o filósofo e teólogo judeus Martin Buber (1878-1965) dividiu as relações humanas em dois tipos: O eu-você e eu-isso. O primeiro representa as relações amorosas, à troca e a reciprocidade. Enquanto no segundo é marcado por relações possessivas e manipuladoras, isto é, pessoas que se relacionam com o outro como se este fosse um objeto. Todavia, uma relação saudável precisa principalmente de interação eu-você, mas frequentemente cometemos o erro de tratar as outras pessoas como coisas, criando uma dinâmica eu-isso. Uma maneira ante social e desrespeitosa que denota poder e que certamente resultará em rivalidade. Como dizia Platão: “só te ama aquele que ama a tua alma”. Na nossa definição o amor é completamente diferente do sexo. Amor é paz e aconchego. Na verdade, amor é o sentimento que tenho pela pessoa, cuja presença provoca em mim sensações agradáveis. Não sei explicar, mas, sei sentir.  

No entanto, o nosso primeiro objeto de amor seria a mãe que provoca desde o nascimento essa sensação de paz e aconchego. Quando nos pegava no colo. Este aconchego não tem nada a ver com a estimulação erótica. Talvez por isso mesmo que Sigmund Freud (1856-1939), tenha tão insistentemente falado na ideia de sexo como impulso vital por excelência. Para o psiquiatra Flávio Gikovate (1943), o amor é um impulso que surge desde os primórdios da vida, ou seja, com o nascimento. É responsável pela paz e harmonia que a criança sentiu de alguma maneira durante o período uterino, isto é, o amor como busca de harmonia através da aproximação física e espiritual com o outro. As manifestações da sexualidade surgem pela primeira vez no fim do primeiro ano de vida, quando a criança começa a se reconhecer como entidade autônoma, como independente da mãe e começa pesquisar o próprio corpo. Com o passar dos anos, nos desligamos dela e buscamos outra pessoa para ser o nosso par na aventura romântica. Uma vez escolhido, só serve aquele parceiro. Sua substituição é possível, mas, lenta e dolorosa. 

Entretanto, o sexo é um fenômeno de desequilíbrio, ao contrário do que acontece com o amor, que é um fenômeno de equilíbrio e aconchego. O sexo é um impulso que se manifesta pela primeira vez no fim do primeiro ano de vida. É o momento em que a criança começa a perceber com mais clareza que não está grudada na sua mãe, que não é uma parte dela. Começa a perceber a sua individualidade, e passa a pesquisar-se. É o período em que a criança, ao se tocar inteira, percebe que as sensações variam conforme a parte do corpo que é tocada. Percebe bem claramente que a região correspondente aos órgãos genitais provoca uma sensação muito especial, uma inquietação agradável, à qual chamamos de excitação sexual. É muito importante perceber que as primeiras sensações de natureza sexual se dão quando a criança, sozinha está pesquisando o seu corpo. Trata-se de um fenômeno pessoal, individual e que foi denominado autoerótico por essa razão. Porém, diferentemente do amor, que sempre envolve outra pessoa, o sexo é, nas primeiras descobertas infantis, uma manifestação individual.

A diferença é que a paz derivada do amor depende sempre da existência de outra pessoa, o objeto específico do nosso sentimento; por sua vez, o sexo é um processo pessoal, autoerótico e, ao menos na infância, totalmente independente de um objeto específico. Sigmund Freud acreditava que o amor era uma manifestação sofisticada, mais intelectualizada, do impulso sexual. Ele chamava esse processo de sublimação, ou seja, a transformação de um impulso mais grosseiro em algo mais sublime, mais especial. Essa transformação é o efeito da nossa razão sobre o fenômeno mais físico, mais animal, da sexualidade. Transformamo-nos em produtos sublimados. A verdadeira história da evolução da nossa espécie e a passagem de um modo de vida primitivo, nômade, para as organizações sociais complexas em que vivemos hoje, ainda estão longe de ser conhecidas. A verdade é que foi uma história difícil, cheia de sofrimentos internos e externos. Os sofrimentos externos derivaram do fato de que a terra não era um local tão apropriado para a nossa espécie. Tivemos de aprender a nos defender dos outros animais, do frio rigoroso, da escassez de alimentos.

Se hoje temos casas confortáveis, alimentos preservados para consumo durante o inverno e condições objetivas de combate às doenças e às dores, essas são as conquistas da quais podemos nos orgulhar. O planeta está muito mais adequado às necessidades humanas do que a selva original que aqui encontramos. Para conseguirmos avançar na conquista do meio externo, tivemos de nos agrupar em núcleos sociais cada vez mais complexos e organizados. Esses grupos impuseram severas limitações à expressão da nossa natureza instintiva, ou seja, nossa natureza mais animal. Muitos dos desejos que surgiram e ainda surgem espontaneamente, graças à nossa biologia, tiveram de ser proibidos. A palavra que se usa em psicologia para isso é repressão. A repressão, quando muito forte, tira o desejo até da nossa consciência e cria assim outra parte da nossa subjetividade, que é chamada de inconsciente. Este por sua vez contém os desejos que a nossa razão consciente não aceita. E não aceita por causa da repressão, que inicialmente é externa, isto é, social e depois se transforma em interna, pessoal.

Portanto, a fantasia do amor romântico, exaustivamente declamado por trovadores e poetas, baseava-se na dependência dos amantes. Por essa razão a fantasia não consegue satisfazer os anseios daqueles que pretendem se relacionar com seus parceiros de maneira autêntica e viver de forma mais independente. A tendência hoje é o desejo de viver um amor baseado na amizade. Para isso, são necessárias novas estratégias, novas táticas por meio de experiências nunca antes tentadas. Para conhecer o outro, é preciso um encontro sem idealização, reproduzir o passado não é mais suficiente. Muitos gostariam de inventar uma nova arte de amar, e pela história fica claro que existem precedentes, portanto, é possível fazê-lo. Como diz a psiquiatra e educadora Regina Navarro Lins (1948), o amor romântico começa a sair de cena, levando com ele a idealização do par romântico, com aquela ideia de que os dois se transformem num só e, consequentemente, a ideia de exclusividade. Contudo, abre-se a possibilidade de se amar e de se relacionar sexualmente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Essa nova forma de amar, diferente da expectativa do amor romântico, de sermos a única pessoa importante para o outro, que terá como ingrediente principal o companheirismo e a solidariedade. Aquele amor que nascia de um simples olhar está com os dias contados. O amor romântico está morrendo na sua origem e deixando como seu precursor o sexo, tendo em vista, que o amor romântico é uma invenção social e cultural. 

27 de janeiro de 2015

UM CONVITE AMOROSO E SEDUTOR

Com o passar dos anos venho aprendendo cada vez mais sobre a importância do amor na vida das pessoas. Muito do que escrevi sobre essa temática resulta de minha experiência como educador, com os jovens e adolescentes. Por outro lado a minha vivência junto às pessoas de diversas atividades, em diferentes cidades, principalmente aquelas que visito para divulgar o meu livro ou dar oficina de leitura. Porém, outro tanto soma com o meu conhecimento acadêmico, mais precisamente com os filósofos e pensadores que entrei em contato através da literatura. Tratam da questão do amor com profundidade. Entre tantos cito alguns, a começar por Platão (427-347 a.C.), Arthur Schopenhauer (1788-1860), Michel Foucault (1926-1984) e o educador Leo Buscaglia (1924-1998).

Os relatos contidos nesta reflexão objetivam enfocar as situações tal qual acontece no cotidiano das pessoas. As modificações realizadas para a apresentação neste ensaio têm como função preservar a intimidade a mim confiada, dentro ou fora do campo educacional. Evidentemente, que também implica a minha experiência como homem apaixonado e que viveu um pouco desse êxtase no paraíso dos amantes. Também tive minhas experiências amorosas como muitos. Hoje posso dizer que sei um pouco do amor, esse nobre sentimento que faz bem a nós humanos, pois sem amor a vida não tem sentido, o nosso combustível para viver em paz é o amor. Porque o amor é paz e aconchego.

De modo algum esta reflexão significa sabedoria sobre o tema amor. Indica sim, empenho de compreender o amor, sentimento profundo e essencial à vida, embora parcamente estudado nas escolas e universidades, onde o educando é levado, em geral, a uma formação dessensibilizada para a afetividade. A educação praticada hoje está longe da comunicação amorosa, quer nas famílias, quer nas instituições educacionais. Em geral, o academicismo, desnudo de sentimentos mais elevados, embota a consciência integral, impedindo a manifestação do ser cósmico que transcende qualquer pensamento. O amor é um impulso de vida, portanto, incontrolável e irracional. Minha mensagem é simples: “o melhor prazer ou presente do mundo é um ser humano caloroso, vibrante, que nunca esgota”. O verdadeiro amor é um fenômeno humano.

A maioria dos centros educacionais funciona como espaço de imposição e transmissão do conhecimento, quando poderiam constituir lugar de encontro e de apropriação do saber. Nesta estrutura, cabe aos jovens apenas a assimilação de conteúdos com o mínimo de questionamento e envolvimento. Até porque o ser humano se manifesta não apenas pela racionalidade, mas também pelos sentimentos. É a integração harmonizada entre pensar e sentir que lhe garante a condição de consciência e transcendência. Os centros educacionais na sua maioria informa, mas não forma. O amor tem sido realmente ignorado pelos professores. As pesquisas nos mostram. Este assunto pouco ou quase nada se fala nos livros de psicologia, sociologia, antropologia e muito menos na filosofia.

Entretanto, esta reflexão é uma evocação do que pode haver de melhor em cada um de nós. Como diz o filósofo e educador Cesar Nunes: “somos um corpo sexualizado, é com esse corpo que nos apresentamos”. É um voto de confiança ao ser humano na sua totalidade cosmológica. É a certeza de que podemos contribuir para a estruturação de uma nova etapa da humanidade, em que o amor seja a linguagem predominante. De modo geral, somos incentivados ao cultivo do medo, do negativismo, da baixa autoestima e, sobretudo do egoísmo. Aqui desejo reforçar a ideia de que podemos transformar nossas vidas em projeto amoroso ainda que o contexto apresente dificuldades. Quero acreditar que o amor nos chega através de alguma força misteriosa da vida.

Portanto, somos capazes de alcançar estados mais elevados de consciência. Tudo depende de reconhecer o estágio em que nos encontramos e buscar, com discernimento, novos rumos existenciais. Seguir em frente, com vontade inquebrantável, cultivando expressões amorosas, permite a descoberta do amor e sempre mais amor em nossas vidas. Não é somente por meio do intelecto que evoluímos; fazemos, sobretudo pela amorosidade, processo integrativo de todas as potencialidades do ser, profundamente voltado para a sabedoria derivada da mãe natureza. Contudo, o antigo adágio grego escrito nos portais da escola socrática, “conheça-te a ti mesmo”, é a síntese de toda a busca de pacificação íntima, sem a qual ninguém pode amar de modo incondicional ou encontrar o amor em estado de mais pureza. Se o seu caminho é o amor, o fim não tem importância, o processo terá coração. 

17 de janeiro de 2015

AS FACES DO AMOR

O amor é um sentimento de inclinação e de atração ligando os humanos uns aos outros. É uma tendência da sensibilidade suscetível a transportar-nos para um ser ou um objeto reconhecido ou sentido como algo bom.  Em outras palavras, é a inclinação para uma pessoa, sob todas as suas formas e em todos os graus, desde o amor desejo (inclinação sexual) até o amor paixão e o amor sentimento. Todavia, o amor é uma emoção da alma causada pelo movimento do espírito, levando-a a unir-se voluntariamente a pessoa que lhe parece conveniente. No entanto, o amor é essa afeição que nos faz encontrar prazer na perfeição daquele que amamos. O amor é um sentimento que torna o homem bom.

O amor é fundamental para o homem e para a sociedade. Sem amor, o homem torna-se árido, incapaz de encantar-se com a vida e de envolver-se com os outros. Não se sensibiliza com o abandono dos velhos, a morte das crianças, a miséria do povo, poluição e a destruição do planeta, o roubo da cidadania, a morte dos ideais. Sem amor não há encontro, não há diferença; resta a escuridão do individualismo, do ser incapaz de relação. Por conseguinte, o amor é uma vivência que se manifesta de varias maneiras: amor materno, amor paterno, amor pela pátria, amor a si mesmo, amor erótico, amor a Deus, amor fraterno, amor pela natureza. Aqui nos limitaremos a tratar do amor erótico e do amor fraterno.

Todavia, quando se fala em amor, pensa-se logo no amor erótico, na relação homem-mulher, porque essa forma de amor envolve desejo, a busca de fusão e desenvolvimento a dois. O amor erótico pode ser compreendido nos planos biológico, psicológico e filosófico. Biologicamente, consiste na relação sexual e na procriação. Essa energia biológica manifesta-se, psicologicamente, em erotismo. Filosoficamente, exprime-se como busca de unidade, totalidade e comunicação.

O que é erotismo? É a transformação da energia sexual, biológica, em energia psíquica, ampliando consideravelmente a sexualidade. O homem é ao mesmo tempo corpo e psiquismo. As solicitações do corpo expressam-se também de maneira psíquica, produzindo um progressivo desdobramento da sexualidade, que passa a manifestar-se em vivência que aparentemente nada têm a ver com ela, como por exemplo: na arte, na ciência, no trabalho, na política e no envolvimento prazeroso com as pessoas e com o mundo. O amor erótico é muito forte, porque pressupõe o retorno do sentimento vivido: é um dar e receber que se manifesta no prazer da convivência com o outro sexo tanto no plano físico quanto no psicológico. O amor erótico quer exclusividade, porque os amantes pretendem serem únicos um para o outro, com reciprocidade, pois ambos buscam alimentar o amor que sentem.

O amor fraterno é o amor entre irmãos. O envolvimento fraterno estende-se à humanidade como um todo. Como em qualquer outra forma de amor, a base do amor fraterno é o amor a si mesmo. A frase bíblica: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, e a frase socrática: “Conhece-te a ti mesmo” atestam secularmente esse fundamento. Por conhecer como um ser dotado de valor e dignidade é que o homem pode perceber no semelhante característica similar que o leva a admirá-lo e a amá-lo como igual. Neste tipo de amor fraterno é que possibilita a solidariedade e a compaixão, buscando o desenvolvimento integral do homem, sua libertação, sua autonomia. É próprio desse amor não haver dominador nem dominado. Sua principal característica é o compromisso com o outro. E, por solidarizar-se com o outro, vendo nele um irmão, essa forma de amor possui uma conotação política: não permite a segregação e a discriminação por raça, cor, sexo, credo, nacionalidade. É movida pelo desejo justiça, igualdade de oportunidades e efetivação da dignidade humana: “ama a todos sem exclusividade”.

Entretanto, se quiser viver é amar o amor, ou não amar nada. Isto implica em amar o amor ou morrer sem amar. É por isso que o amor e não o suicídio é o único problema filosoficamente sério. Para o escritor, dramaturgo e filósofo francês, Albert Camus (1913-1960), só existe um problema filosófico verdadeiramente sério que é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. Nesta linha de raciocínio a pergunta é a seguinte: “A vida vale a pena ser vivida?” O suicídio suprime o problema muito mais do que o resolve; somente o amor, que não o suprime resolve-o mais ou menos, enquanto estamos vivos, e nos mantém em vida. Se a vida vale ou não a pena ser vivida, se vale ou não vale, melhor dizendo, o prazer de ser vivida, depende primeiro da quantidade de amor de que somos capazes. Penso que Camus se equivocou ao afirmar que é o suicídio que necessita de uma reflexão filosófica. Pois o amor é o combustível da vida. Este sim precisa ser pensado e repensado. Ora, a felicidade é um amor feliz, ou vários; a infelicidade, um amor infeliz ou nenhum amor. Muitas doenças de fundo emocional caracterizam-se primeiro pela “perda da capacidade de amar”. Inclusive de amar a si mesmo. Não é de espantar se ela costuma ser suicida. O amor é que faz viver, já que é ele que torna a vida amável. É o amor que salva; é ele, portanto que se trata de salvar.

Portanto, ao nascermos aprendemos a dar, pelo menos um pouco, pelo menos às vezes, o que é a única maneira de ser fiel até o fim ao amor recebido, ao amor humano, nunca humano demais, ao amor tão fraco, tão inquieto, tão limitado, e que é, no entanto como que uma imagem do infinito, ao amor de que fomos objeto e que nos fez sujeitos, ao amor imerecido que nos procede, como uma graça, que nos gerou, e não criou, ao amor que nos ninou, levou, alimentou, protegeu, consolou, ao amor que nos acompanha, definitivamente, e que nos falta, e que nos regozija, e que nos perturba, e que nos ilumina. Se não fossem nossos pais, o que saberíamos do amor? Se não houvesse amor o que saberíamos da vida? Negar os pais é ao mesmo tempo negar e suicidar o amor. Só encontro a felicidade quando reconhecer a existência a partir dos meus pais. Ao negar os nossos pais estamos negando a nossa existência. Concluo com as seguintes declarações de amor. Há o amor segundo Platão (427-347 a.C.): “Eu te amo, tu me fazes falta, eu te quero”. Há o amor segundo Aristóteles (384-322 a.C.) ou Spinoza (1632-1677): “Eu te amo; és a causa da minha alegria, e isso me regozija”. Há o amor segundo o que penso ser: “Eu te amo como a mim mesmo, que não sou nada, ou quase nada, eu te amo como Deus nos ama, se é que ele existe, eu te amo como qualquer um; ponho minha força a serviço da tua fraqueza, minha pouca força a serviço da tua imensa fraqueza”. Contudo, negar o amor é negar a vida.

6 de janeiro de 2015

ENVELHECER CRESCENDO

O que significa envelhecer? É comum ouvir em rodas de amigos, que uma pessoa quanto mais ela vive, mais velha ela fica. Isto não é verdade. Para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria que ter nascido pronto e ir se gastando. Isto não acontece com gente. Acontece com carro, fogão, sapato, roupa, que nasce pronto e vai se gastando. Gente nasce não pronta e vai se fazendo, aprendendo e crescendo. A cada sete anos, renovamos totalmente a nossa energia corporal. A mesma pessoa com corpo e energia diferente. Eu Eduardo Morais, hoje em 2015 sou a minha mais nova edição. No entanto, vou renovando-me a cada novo dia, mas, não sou inédito. Para ser inédito teria que ser como nunca fui, mas o modo como sou hoje certamente, nunca fui antes.

No entanto, ninguém toma banho no mesmo rio duas vezes, pois quando isso acontece, já não é mais o mesmo rio, no momento seguinte a água já é outra. Foi o filósofo grego pré-socrático, Heráclito de Êfeso (535-475 a.C.), que fez essa formulação que até hoje nos fascina. O fluxo eterno das coisas que é a própria essência do mundo apontou Heráclito e se ainda hoje ficamos espantados com isso, é porque nos apegamos teimosamente ao que já passou, esperando na verdade, que tudo permaneça igual. Então é necessário um filósofo da antiguidade ou um especialista contemporâneo, para nos fazer entender que nada é permanente a não ser a mudança.

Mudanças essas que ao longo dos anos vividos vamos sentindo uma degeneração física que percebemos de muitas maneiras. Coisa que fazíamos quando jovens e muitas dessas atividades físicas estão fora de cogitação hoje. Esta lenta degeneração, acompanhada de distúrbios menores como da visão, os batimentos cardíacos e coisa do gênero. Somos informados que a parte física do nosso "corpo" não vai durar para sempre. Estamos programados geneticamente para morrer. Mesmo assim praticamos exercício físico, gostamos de namorar, apreciamos um bom prato, assim como também gostamos de viajar e apreciar o contato com a natureza. Temos consciência de que estamos envelhecendo. Mas, internamente nos sentimos ainda, sob muitos aspectos, do mesmo jeito a mesma pessoa, nem velho e nem jovem.

Para ilustrar e fundamentar o que estou dizendo, em 2013 embarquei numa aventura literária que não imaginava que seria para aquele momento. Talvez passasse pela minha cabeça que um dia ainda escreveria um livro. Mas, o tempo não existe, o que existe é o momento presente. Porém, por alguma razão ou quem sabe algum propósito, surgiu na minha vida uma pessoa que iria modificar os rumos da minha história, assim como o futuro que eu viria a seguir, fazendo-me a seguinte pergunta: “Por que não existe um livro sobre suas reflexões?” “Por que não fazer um livro com essas crônicas filosóficas?” Foi a partir dessas indagações, que acendeu a chama de um projeto literário. Isto me conduziu a uma linha de pensamento para a qual provavelmente já estava preparado, porque há trechos nesse livro que se escreveram praticamente sozinhos. Havia uma potencia a ser transformada em ato.

Entretanto, na ocasião o que me convenceu a publicar esse livro, foram os esforços de organização, a visão e a capacidade de persuasão desta minha musa inspiradora. Algumas pessoas supunham que essa viagem literária não iria decolar por se tratar de um homem da minha idade, sem recursos financeiro e já velho demais para viajar na divulgação do livro, pois é necessário esse contato escritor e leitor, caso contrário estará fadado ao fracasso. Eu mesmo receava dar um salto, pois era um risco muito alto. Outros acreditavam que era muito arrogante da minha parte, supor que esse livro venderia bem. Não posso negar que nesta nova atividade não houve elemento de risco e ainda não está totalmente descartado.

Cresci e aprendi com uma senhorinha de 106 anos de idade que um dia me fez a seguinte pergunta: “O que é viver?” Hoje compreendo o significado dessa pergunta: Viver é o espírito estar satisfeito consigo mesmo. Isto é viver. O espírito é a nossa fala. Nossa fala deve estar verbalizando e se expondo publicamente, mas não confusa e sim convicta, conforme os valores que reconhecemos como corretos, justos e prazerosos. Muitas vezes pensamos que o mundo não nos trata do modo como merecemos e culpamos a sociedade, o governo, os amigos, os familiares, pelas nossas falhas e desilusões. No entanto, a verdade é que o modo pelo qual o mundo nos trata é um reflexo de como nós estamos nos tratamos. No momento em que passarmos a gostar mais de nós, o universo reagirá e nos recompensará pela nossa existência. Dizia essa senhora de 106 anos, que por coincidência era minha mãe: “A vida meu filho, tem que ser vivida em função de alguma coisa, não contra alguma coisa. Agora que isto me aconteceu, o que vou fazer? Isto é viver”.

Portanto, com o passar dos anos a nossa própria história, a cultura, os desejos e a própria vida se escreveram e inscreveram. Trazemos muitas biografias de uma mesma vida. Quase tudo o que foi possível viver está firmemente registrado no corpo e na mente. De modo que tal é a arte de envelhecer, que o sexo pleno, amoroso e maduro até parece saber e dominar a própria essência do ser humano. Contudo, digo o que penso, com "esperança". Penso no que faço com "fé". Faço o que devo fazer, com "amor". Esforço-me para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. A vida é muito curta para se ter inimigos. Agradeço sempre pelo dom da vida e de poder amar mesmo sem ser compreendido. Sou feliz por estar aqui e deixar essa mensagem de "amor" e "fé", neste inicio de ano. Porém, somente com a experiência dos anos, com a maturidade, que passamos do processo jovem, criativo e produtivo, para o processo maduro de introspecção e sabedoria existencial, isto é, "envelhecer crescendo". 

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...