31 de março de 2020

HÁ UMA CEGUEIRA COLETIVA QUE A CIÊNCIA NÃO DETECTA

O que quer dizer cegueira da humanidade? Na verdade, as pessoas não enxergam porque vivem falando. Muitos acham que falando estão dizendo tudo. No entanto, examine um pouco as palavras, como elas foram feitas e para que finalidade a usamos. A palavra falada é muito mais do que ela expressa, ou seja, a linguagem decompõe o mundo em pedacinhos, sendo que cada pedacinho é uma palavra. O olhar é muito mais abrangente porque num instante você vê o mundo. Por exemplo, a primeira cidade que se tem notícia foi Jericó, a mais antiga existente com mais de dez mil anos. Para proteger a cidade naquele tempo, usava uma grande muralha. Para esse povo que habitava Jerico, o mundo ficou ainda menor. Sendo assim, aos poucos a palavra começa a substituir a visão escondida por trás daquelas muralhas. Utilizavam da palavra para descrever o mundo que não viam.

Lendo o livro: “O Ensaio Sobre a Cegueira” de José Saramago (1922-2010), o autor pega uma premissa fantástica e absurda ao mesmo tempo. De repente todas as pessoas num determinado momento num lugar começam a ficar cegas. De modo que não é uma cegueira comum, que a ciência não consegue diagnosticar e muito menos encontrar uma cura. É uma cegueira coletiva. A partir desta premissa tão estranha e insólita, o livro vai descrevendo de maneira super realista o que acontece com a humanidade depois que as pessoas começam a ficar cegas, ou seja, no que se transforma o mundo por conta dessa cegueira. Por outro lado, a ciência que nasceu para compreender a alma humana, ela não consegue ver o ser humano como corpo-alma e sim como um problema. A psicologia é totalmente cega, a pessoa num processo psicoterapêutico vira um simples relatório que o psicólogo anota. Será que o ser humano é só um relatório?

Nenhum texto reproduz o tom de voz e o gesto facial, portanto, ele é cego e limitado. Cada um interpreta como quiser. Agora se eu estiver olhando para a pessoa e prestando atenção nos gestos e tom de voz, não tem como interpretar o que quiser. De modo que fico muito mais preso ao que ele está dizendo. O que Saramago quer mostrar é a cegueira de todos, inclusive da psicologia que nasceu para enxergar o homem e não o faz.  Perante esta eminente cegueira desaparece o ser humano. Estamos todos presos as palavras e não prestamos atenção no outro. Todo mundo falando como papagaio e dispensa o essencial. As pessoas vivem falando sem saber muito bem o que e não tem nenhuma noção da cegueira que é de todos nós. Vivemos de palavras bonitas e não pensamos no principal. Enxergar o outro como ele é. O ser humano é de um egoísmo espantoso, cada um defendendo o seu.

Entretanto, no rastro deste livro, aparentemente exótico ele nada tem de ficção científica. Tanto o livro como o filme mostra um terrível retrato da humanidade. Existem montanhas de livros falando sobre a individualidade humana, e ainda tem pessoas que se espanta com esse mistério de cada um. Basta colocar três ou mais pessoas juntas e olhar para elas, são completamente diferentes. Onde está o mistério? Está na cegueira de quem olha e não vê ou daquele que fica achando que são iguais. Contudo, as pessoas não têm a mínima atenção consigo mesma, vão soltando, destrambelhando palavras sem saber o que estão falando. Ninguém se recolhe um pouco para perceber o que está acontecendo ao seu redor. Como argumenta o filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005): “através da palavra torna-se presente o que está ausente”. Só ouvimos a palavra e não prestamos atenção no conteúdo que ela traz. Somos todos cegos, até para as coisas do nosso coração. Vivemos culpando as pessoas ou a família, pela vida errada que estamos vivendo. As pessoas vivem pensando no pior, na desgraça, que tudo vai mal e ficamos julgando os outros. Não é assim que vai melhorar! Ninguém é culpado pelo mal que estou vivendo. Pare de culpar o passado e comece a reconstruir a sua vida daqui para frente.

Portanto, não experimentamos milagre fora se não gestarmos o milagre dentro de nós. Esta cegueira já tomou conta das famílias que vivem fechadas dentro de uma gaiola. Ter um apartamento enorme ou morar numa mansão só aumenta a sua angústia. Hoje vivemos a síndrome da casa vazia. Não vale a pena esse êxodo social, não compensa o fracasso de uma família. Quantas pessoas moram em mansões, no luxo e não tem com quem conversar. A sociedade vive na hipocrisia, as pessoas não se respeitam não se amam mais. As pessoas amam a imagem que elas fazem da gente. Elas amam a imagem que ela acha que tem de mim. Não pense que as pessoas te ama. Elas se amam em você enquanto serve ao ego delas. Até parece que precisamos de um espelho para enxergar os nossos valores. Vivemos na sociedade do espelho. Quantas famílias hoje vivem atrás desse espelho? Buscando como subterfúgio nas cirurgias plásticas, clinicas de estéticas e nunca estão satisfeitas. Olha para uma pessoa deprimida, sempre repetindo a mesma queixa. Contudo, até pode ser que aquele carro do ano lhe de status, mas não preenche o vazio do seu coração. 

28 de março de 2020

ENXERGAR COM O CORAÇÃO O AMOR QUE QUEREMOS

Sabe qual o grande problema quando não estamos nessa luta pessoal, para resolver os problemas da nossa vida intima, o mais grave de tudo, é que não resolvemos. Não resolvemos porque não explicitamos ao Criador, aquilo que verdadeiramente mais precisamos. A nossa realidade, a nossa vida em geral, seja lá o que for, ela nunca é aquilo que a gente acha ou mostra. Perdemos com facilidade a admiração pelos humanos e, contudo, o amor cai junto. Quando olhamos para o outro, sempre olhamos com os olhos que fomos treinados para ver. O segredo é treinar o coração para ver e enxergar. No livro “O Pequeno Príncipe” diz a raposa: “só se vê bem com o coração”. E sabe por quê? Porque o essencial é invisível aos olhos.

O que significa que a raposa ao dizer para o pequeno príncipe, que só se vem bem com o coração, ela estava dizendo que os olhos vêem a realidade do mundo das aparências e não dos fatos. Nunca olhamos para as pessoas, e quando olhamos, não a enxergamos e sim projetamos nela as nossas fraquezas e frustrações. E quando a vemos, projetamos as coisas negativas do nosso passado, da nossa história de vida. De modo que, a luta pessoal para resolver os problemas da vida intima, exige muita paciência, perseverança, persistência, é um cair e levantar constante, sem desistir. Só os covardes desistem, para tudo na vida, sempre tem uma saída jeitosa. Neste caso o amor é muito mais falado do que vivido e, é por isso vivemos um momento de secreta angústia.

Enquanto não enxergarmos aquilo que é de fato, somos um cego diante da vida. Um texto fora do contexto, vira pretexto. Somos treinados a olhar para as pessoas e isolamos o momento, fechamos a lente e não concentramos na visão do nosso coração. Contudo, estamos todos numa solidão e ao mesmo tempo, cercados por uma multidão. Se a pessoa não é aquilo que gostamos, então levamos essa imagem para os outros (fulano não vale nada, é um canalha mentiroso, um insensível desalmado). Se quiser enxergar uma pessoa como realmente ela é, se afaste um pouco e a visualiza de fora, procurando ver e analisar o contexto dela. Pessoas pessimistas, só deturpam a realidade dos fatos. De modo que, vivemos uma sociedade desfigurada, fragmentada com grande necessidade de “”. Só um milagre pode provocar uma grande mudança coletiva em nós humanos.

Portanto, o milagre precisa acontecer dentro do coração de cada um de nós. Só para usar uma linguagem platônica, tudo que existe de concreto na vida, começou primeiro no mundo das ideias. Porém, antes de existir na nossa cabeça, já era gestado no nosso coração. No entanto, não experimentamos milagres fora, porque não pensamos em milagres dentro, no coração. Pior, pensamos em desgraça, pensamos mal um do outro, pensamos que nada vai dar certo, que tudo vai dar errado e ficamos jogando a culpa nos outros, no governo, no mundo, etc. Ninguém é culpado pelo mal que você está vivendo. Pare de culpar pessoas, pare de culpar seu passado. Comece a pensar num milagre, mas para pensar num milagre, gesta primeiro o milagre no seu coração. O grande milagre foi quando aqui chegamos, geramos e transformamos vidas. Isto é milagre, pois aprendemos a enxergar com o coração o amor que ainda não conhecemos. Aprendi com a vida, que para amar é necessário reconhecer que temos necessidade do outro.  

24 de março de 2020

O GESTO MAIS SUBLIME É A COMPAIXÃO

Ao ler Platão (427-347 a.C.) fiquei encantado com ideia de mundo material e mundo espiritual. Pensei, como criar uma ponte entre esses dois mundos? Sinto que as relações humanas duradouras, são marcadas por essa ponte. Uma ponte que exalte nossa humanidade, que exalte nossa imperfeição, nossa solidão e acima de tudo, nossas carências afetivas e de proximidades com o outro. Há um local distante, chamado Chayah, no centro da Tailândia, perto da fronteira da Malásia. No meio de um vasto lençol de água há uma ilha e nela um mosteiro budista. Todavia, não há água potável nessa ilha e esta tem que ser levada do continente por barco e guardada numa grande cisterna.

Certa vez caminhando pela ilha, o mestre budista conta a seguinte história para seu discípulo: “Você trabalha o dia todo e volta louco de sede, querendo beber um pouco dessa água preciosa, que você sabe que não pode desperdiçar. Abre a cisterna, estende a mão com sua conchinha e vê uma formiga dentro da cisterna. “Você fica furioso!” Exclama: “Que atrevida, estar na minha cisterna, sob a minha arvore, na minha sombra, na minha ilha e com a minha águaNesse processo de fúria você esmaga a formigaÉ um indicador que você está ligado a matéria. Ao contrário, você pensa antes de esmagar a formiga e diz: “O dia está muito quente e este é o único lugar mais fresco da ilha. Temos água o suficiente que dá para todos nós e depois a formiga não está estragando a minha água”. Então, calmamente o discípulo pega a água em volta da formiga e bebe. Esse gesto mostra que o discípulo está desligado da matéria. Ele estabeleceu uma ponte com o espiritual. Que também pode ser chamado de não ligado a matéria.

Entretanto, penso que no momento em que se abre a cisterna e vê a formiga, a pessoa que estabeleceu essa ponte entre o material e o espiritual não vai pensar no bom, no mau, no certo ou no errado. Imediatamente num gesto de generosidade além da água, vai dar um torrãozinho de açúcar à formiga. O gesto mais sublime da humanidade é o amor e a compaixão. Temos que começar a reconhecer que o outro é a única pessoa que pode dar o torrãozinho de açúcar de que precisamos e que podemos fazer o mesmo pelo nosso próximo. Se não construirmos essa ponte, esse sentimento tão nobre está fadado a desaparecer mais ou menos depressa. Somos tão menos, quanto um sem o outro.

Portanto, tudo começa acontecer dentro de cada um de nós, com essa grande ponte que nos leva a todos e assim formamos uma corrente solidaria e salvamos o amor. Se eu crescer cada vez mais, poderei lhe dar mais de mim. Hoje estudo e aprendo para ensinar os meus discípulos. Procuro na sabedoria para poder encorajar a sua verdade. A cada dia torno-me mais ciente e sensível para poder melhor aceitar a sua sensibilidade e a sua ciência. Luto diariamente para compreender a minha humanidade e assim compreender o outro, quando revela que também é humano. Vivo num assombro continuado perante a vida, para permitir que o outro também exalte a sua vida. Enfim, saia do “você” e entre no “nós”. É o modo mais belo de se ver e ajudar os outros a se verem.                

22 de março de 2020

NINGUÉM PODE DIZER QUE É BEM RESOLVIDO

O ser humano está perdido na sua subjetividade e faz basicamente o que pode para sobreviver. Ninguém pode dizer que é bem resolvido, caso conheça alguém assim, mantenha distância dessa pessoa. Por exemplo, se eu tenho fé num Deus que na realidade não precisa de mim. E se alguém acha que Deus precisa de nós, então essa pessoa está com problema. Se Deus precisa de nós realmente ele não pode ser Deus, porque precisa de um mortal para não se entediar. Que Deus é esse? Por outro lado, se Deus não existe, então nós somos fruto do nada?

Por conseguinte, na realidade somos meio livres porque a rigor não temos significado nenhum. Deus não depende de nós, somos nós que dependemos dele. Nesse sentido, somos filhos do nada, fruto do acaso. Logo, tanto faz, pois, nada tem mais sentido para nós. Quando começamos a pensar assim, a olhar o mundo com essa perspectiva lógica de raciocínio, sentimos um abismo diante de nós, um vazio, isto já é a porta de entrada para a angústia.

Kierkegaard, vai dizer que existe três formas de enfrentar a angustia para ser feliz, ou seja, para sobreviver e não se entediar. A primeira é o que ele chama de “estagio estético”, seria nós acharmos que vamos escapar da angustia sendo felizes comprando coisas, viajando muito, curtindo noitadas em busca da fantasia, comendo e bebendo exageradamente, portanto, achar que é no consumismo que se realiza o estagio estético. Não funciona, chega uma hora que entramos em desespero e isso tudo não faz mais efeito e ai mergulhamos na angústia.

A segunda forma é o “estagio ético”. Achamos que somos bons, acreditamos que fazemos tudo que é bom para agradar a todos. Uma pessoa politicamente correta é aquele que vive dizendo, sou uma pessoa ética e luto pela moralidade e os bons costumes. Também não funciona, vai cair na angústia num dado momento da sua vida. O terceiro e ultimo, é o religioso. Kierkegaard, divide em dois grupos. O primeiro religioso é aquele que acha que vai fugir da angústia seguindo a doutrina religiosa pura e simples. Que vai viver de acordo com a doutrina cristã, mais uma hora a angústia vai lhe comer por dentro. O segundo religioso é aquele que desiste de ser feliz aqui na terra, de se achar legal, de ficar imitando como alguém poderia fazer para ser um bom cristão. Essa pessoa desiste de tudo isso e aposta somente em Deus.

Portanto, é pessoa resignada, que espera em outra vida. Isso também não funciona, porque não vai encontrar nenhuma forma de vencer esse profundo sentimento de tristeza, de vazio, de tédio e angústia, que o ser humano sente quando olha para si mesmo. Não é desistindo de ter prazer na vida que vamos encontrar a felicidade eterna. Sentir prazer é na realidade não ser escravo do desejo. Para sentir o prazer da vida e do amor, é preciso não somente a sensibilidade, mas, também a paciência de saber esperar, é preciso suportar a responsabilidade, assim, como é preciso estar aberto para enxergar nossos defeitos e virtudes, para depois muda-los, se for necessário; com isso desenvolveremos maturidade e sabedoria.

21 de março de 2020

O CENTRO DA PERSONALIDADE HUMANA É A ANGÚSTIA

A ideia de que vamos deixar de existir um dia, nos assusta e traz um desconforto enorme, pois essa consciência do nosso fim é que produz angústia. Na entanto, o centro da personalidade humana é a angústia. Ela traz para nós mortais uma sensação de impotência, vazio e medo diante da vida. Minha saudosa mãezinha usava a palavra “vertigem” sempre que ficava nervosa por alguma coisa. Uma terminologia que designa um sentimento de angústia, de insegurança. Minha mãe já no final da vida, apresentava esse quadro de angústia profunda.

Evidentemente, que ela não compreendia o significado que carregava essa palavra, mas o fato é que ela sentia. Pois, imediatamente esboçava uma reação de tristeza e repudia a tudo que estava a sua volta. Ela tinha uma sensação clara de medo e pavor. Só não sabia explicar. Nunca pude entender muito bem esse sentimento. Todavia, angústia deriva do latim e quer dizer: “apertado”, “estreito”. É aquele aperto que sentimos na região do tórax, parece que o canal da respiração fica estreito.  

Algum tempo atrás lendo o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), é que pude compreender numa de suas citações a palavra “vertigem da liberdade”. Ele foi capaz de perceber as transformações socioculturais do seu tempo. Fez uma analise profunda da angústia que continua ainda hoje após ter passado mais de cento e cinquenta anos de sua morte. A angústia do homem contemporâneo tem muito em comum com a angústia tratada por Kierkegaard nas suas obras.

A ansiedade ou a angústia são praticamente da mesma família. É um medo disperso, fora de foco. Para entender melhor esse conceito, vamos usar o exemplo de uma pessoa na beira de um precipício. Quando essa pessoa olha para baixo ela experimenta um medo mórbido de cair, mas ao mesmo tempo, ela sente um grande impulso de se atirar intencionalmente para o precipício. Essa experiência de dupla sensação é a ansiedade devido a nossa completa liberdade para escolher saltar ou não. O mero fato de alguém ter a possibilidade e liberdade de fazer algo, mesmo os mais aterrorizantes, desencadeia um imenso sentimento de angústia, que Kierkegaard denominou isto de “vertigem da liberdade”.

A escolha de Adão em comer da árvore do conhecimento, proibido por Deus. Pelo fato dos conceitos de “bem” e de “mal”, não existirem antes de Adão comer o fruto da árvore, considerado o pecado original, Adão não possuía estes dois conceitos, não sabendo que ao comer do fruto da árvore que era considerado um mal. O que ele sabia, era que Deus lhe tinha dito para não comer daquela árvore. A angústia vem do fato da própria proibição por parte de Deus, tendo em vista, que Adão era livre e que poderia escolher obedecer ou desobedecer a Deus. Depois de Adão ter comido da árvore do conhecimento, o pecado nasceu. Então, para Kierkegaard, a angústia precede o pecado e foi à angústia que levou Adão a pecar.

Todavia, a angústia informa-nos das nossas possibilidades de escolha, do nosso autoconhecimento e responsabilidade pessoal, levando-nos de um estado de imediatismo não autoconsciente a uma reflexão autoconsciente. Uma pessoa torna-se verdadeiramente consciente do seu potencial, através da experiência de angústia. Entretanto, a angústia pode ser uma oportunidade para a prática do pecado, mas pode também ser o caminho para o reconhecimento ou realização da identidade e liberdade de cada um. Vale lembrar, que uma pessoa no estado alterado de angústia é movida pelo desespero, que a leva fazer loucuras sem pensar nas consequências de seus atos.

Portanto, é muito difícil manter autoestima sabendo que somos mortais, que envelhecemos, ficamos doentes, que perdemos e distanciamos de pessoas queridas e não sabemos muito bem qual rumo tomar na vida. Tudo isso é muito complicado para a preservação da autoestima, por conta da tradição “judaico-cristã” que implantou a teoria do pecado no mundo. O fato de ficarmos provando e projetando o tempo inteiro a ideia de que damos certo e, que é nossa obrigação ser feliz, só vai aumentar cada vez mais o numero de remédios que temos que tomar. Contudo, ao colocarmos limite nos desejos é que podemos encontrar uma ponta de felicidade nesse abismo que criamos.

15 de março de 2020

SEPARAÇÃO PARA QUEM AMA É A VIVÊNCIA DA MORTE

Certa vez ouvi alguém fazer o seguinte comentário: “esse tal gênero amor não é viável para a nossa vida”. Aqui vai a pergunta: mas como avaliar a viabilidade do amor? Por que, o que é viável é sempre um bem? Por que, durar é melhor que inflamar ou acabar? Aprendi com a vida que a gente é livre para seguir as escolhas que fazemos e não para seguir os impulsos que sentimos. Afinal, queremos sempre ter razão ou ser feliz? Quem sempre tem razão, julga-se o dono da verdade.

Sendo o amor um desejo de união com o outro, ele não pode ser um mal. No entanto, ele estabelece um tipo de vínculo paradoxal, a partir do momento em que estamos encantados por alguém. Desfazemos qualquer possibilidade desse amor vingar ao colocarmos regras para essa nova relação. Seria um atrevimento sem precedentes tentarmos estabelecer normas ou regras de comportamento num relacionamento amoroso interpessoal. Preciso do outro para viver o amor.  Estabelecer o que é viável ou não... para que o amor dê certo, é o mesmo que desistir de vivê-lo. O amor não segue um sistema lógico de pensamento, todo organizado como achamos que seja. Quando se tem alguém que desperta esse sentimento, você simplesmente sente o pulsar do amor em seu coração. Não há razão que dê jeito.  

Entretanto, o risco do amor é a separação. Mergulhar numa relação amorosa supõe a possibilidade da perda. Para o psicanalista e filósofo existencialista austríaco, Igor Caruso (1914-1981), a separação é a vivência da morte numa situação vital. É como se fosse a vivência da morte do outro em minha consciência e a vivência de minha morte na consciência do outro.

Quando ocorre a perda, a pessoa precisa de um tempo para se refazer, pois, mesmo quando mantém sua individualidade, o tecido do seu ser passa inevitavelmente pelo outro. Há um período de “luto” a ser superado após a separação, para que ambos possam reencontrar um novo equilíbrio para suas vidas.

Portanto, numa sociedade massificada, onde o “Eu não é suficientemente forte, as pessoas preferem não viver, para não ter de vivenciar a morte. O grande paradoxo é que, procuramos pelo amor a vida toda e quanto ele aparece fugimos. Concluo com uma frase do pensador francês Edgard Morin: “nas sociedades burocratizadas e aburguesadas, é adulto quem se conforma em viver menos para não ter que morrer tanto”. Porém, o segredo da juventude é este: vida quer dizer arriscar-se à morte; e fúria de viver quer dizer viver as dificuldades.

9 de março de 2020

AS RELAÇÕES HUMANAS NOS TEMPOS MODERNOS

Zygmunt Bauman (1927-2017), foi um sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, uma das vozes mais críticas da sociedade contemporânea. Criou a expressão “modernidade líquida” para classificar a fluidez do mundo onde os indivíduos não possuem mais padrão de referência. O autor diz que vivemos em uma modernidade líquida, mas o que significa isso? A água, ao mudar de recipiente, modifica sua forma, mas mantendo a ideia que a classifica como água. Assim é o mundo pós-moderno para Bauman, em constante mudança as coisas tornam-se líquidas, não tem mais uma forma definida. Pois bem, mas para a existência de um mundo líquido haveria um mundo sólido? O pensador vai buscar em Karl Marx (1818-1883), a ideia da solidez do mundo moderno. A solidez está ligada a uma rigidez nos conceitos, a ideia da velocidade do mundo pós-moderno não é vista da mesma forma aqui, fazendo com que as mudanças sejam menos perceptíveis.

A transição do mundo moderno para o mundo líquido, então, vem do fracasso das relações humanas. Somos intolerantes e mesquinhos com os outros. A vida em sociedade é feita de pequenas e grandes mentiras. No entanto, o errado é sempre o outro. As promessas modernas provindas de uma racionalidade que se inicia no Renascimento e atinge seu ápice no século XIX com os incríveis avanços científicos e políticos provindos da Revolução Francesa e Industrial. Ao entrar no século XX, a ciência e essa ideia da razão como o propósito da existência humana encontram seus dias de trevas. Apesar de iniciar o século XX com um otimismo incrível proporcionado pela Belle Époque (expressão francesa que significa bela época), o voo alto da razão faz queimar suas asas, assim como ícaro, e implode duas grandes guerras que matariam mais de 60 milhões de pessoas no mundo. A ideia de que a razão e a ciência salvaria o mundo fracassa. A modernidade cria a guerra.

Como dito, comum a nossa racionalidade jogara culpa por esses grandes eventos em uma irracionalidade, herança iluminista que não nos deixa culpar aquilo que, segundo eles, esse mal está na nossa essência (a estorinha do escorpião e o sapo). Contudo, é justamente essa razão levada a níveis extremos que proporcionou as duas grandes guerras: A bomba atômica, a linha de produção do holocausto, tudo fruto da razão. De modo que, o mundo pós-moderno nasce a partir do fracasso nas relações humanas. Criamos um problema e aumentamos a nossa solidão, para o desespero humano.

Portanto, estamos assistindo relações amorosas que podia ser de boa qualidade, fracassar. Relações de amizade se deteriorando e o espaço para a solidão aumentando cada vez mais. Pessoas fechadas no vazio do seu mundo e projetando no outro a razão do seu fracasso. Na política não é diferente, basta dar uma olhada nas manchetes, para ver o caos que se instalou na vida dos 14 milhões de desempregados, sem falar do restante da população brasileira. Tudo isso fracassou na sua racionalidade. Contudo, na chamada modernidade líquida há ainda a herança maldita da racionalidade, mantendo sua essência e assumindo as mais diferentes formas, a todo instante, tentamos desviar sua culpabilidade. Não seria o amor, por exemplo, a única saída para vermos um mundo mais humano? Onde o meu olhar tocasse o seu e as almas se unissem na totalidade da sua essência, para a paz e a felicidade humana. Pense nisso!

1 de março de 2020

A FRAGILIDADE SOCIAL QUE NOS ASSOLA

Vivemos em um mundo de incerteza, extrema insegurança em relação à duração e à estabilidade de cada individuo dentro da sociedade. São tempos de relações sociais frágeis, que cada vez mais se tornam relações mercantilizadas e individualizadas. Não há mais um referencial moral, um lado a seguir, parece estar todos jogados à responsabilidade e risco de seguirem e construírem suas vidas sem porto seguro nenhum.

Para o pensador e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925), nesse contexto a relação social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam, é trocada por outro tipo de relação que Bauman chama de conexão. Ele tira esta palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas pesquisas ele percebe que o grande agrado dos sites de encontros está na facilidade de esquecer o outro, de se desconectar. Com esta facilidade as relações afetivas que poderiam ser de boa qualidade, estão se perdendo, aumentando cada vez mais o distanciamento entre os humanos.

Sem pressão para estabelecer responsabilidade mútua entre os envolvidos, o relacionamento se torna frágil, uma mera conexão, nova forma vigente de se relacionar na modernidade líquida. Todos podem, sem o menor remorso, trocar seus parceiros por outros melhores. Desta forma, a maior utilidade do termo “conexão” é evidenciar a facilidade de se desconectar. Para Bauman, quando a qualidade das relações diminui vertiginosamente, a tendência é tentar recompensá-la com uma quantidade absurda de parceiros. Talvez um bom exemplo seja a quantidade de amigos que as pessoas costumam ter em redes sociais. São números que ultrapassam a casa dos 300 a 500 amigos, algo que seria irreal para uma convivência cotidiana de boa qualidade.

Bauman em seu livro “Amor Líquido”, afirma que até mesmo a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de extrema descartabilidade. Não há razão para buscar na afinidade, sendo que não há o menor objetivo em firmar laços que sejam próximos do familiar. Não há objetivo de fixidez. As relações se desenvolvem com aquilo que “já se tem”, não com aquilo que ambos estão “a fim de ter”. Não se arrisca, por exemplo, a amar sinceramente a ponto de se entregar um ao outro. É na falta do verdadeiro amor que as pessoas se perdem. Não há amor pela causa, não há tentativa de manter um relacionamento com o programa de um coletivo.

No entanto, essa fixidez é renegada a favor da livre escolha, da decisão individual, que obriga o indivíduo a estar sempre disponível para voltar atrás. Com facilidade para descartar qualquer um que se atreva a contrariar. Sendo assim, será mais um descartável nesta relação líquida. A dificuldade em lidar com o outro está na falta das ferramentas necessárias para se iniciar um relacionamento verdadeiramente genuíno. O contato via rede social tomou o lugar de boa parte dos solteiros que iriam para bares em busca de parceiros, no entanto, os poucos que ainda os frequentam, não sabem mais como se relacionar em tal ambiente.

A situação de extrema insegurança e incerteza também se relaciona com a incapacidade de amar o próximo. O que quero dizer? Se o outro é sempre um possível inimigo, alguém que nos tira a possibilidade de aproveitar a vida de maneira plena, então não há sentido em amá-lo – no sentido pleno da palavra amor – em confiar na sua presença, em ter certeza que ele vale nosso amor. Bauman diz que o amor-próprio é resultado de ser amado. Esta é uma relação infinita e incessante: “quando a pessoa percebe que sua voz é ouvida, que sua opinião é importante ou que sua presença será sentida, ela entende que é única especial e digna de amor”. Só o outro pode dizer que somos dignos de amor. Que maravilha viver se todos soubessem conversar, mesmo depois de romperem um relacionamento de anos de intimidade e cumplicidade. Que é o mínimo que deveriam fazer um pelo outro. Atitudes adulta impera o respeito.

Vale dizer que num processo de identificação com aquela pessoa que nos amou, também entendemos que a necessidade de amor existe nela. Nós nos amamos quando nosso ego se identifica com o outro e, desta forma, amamos a nós, merecedores de amor, e amamos o outro identificado. O que compromete as relações são as fofocas, vindo de fora, que muitas vezes destrói um relacionamento que poderia ser de boa qualidade. O casal alvo da fofoca se parte ao meio, acreditando na possível conversa maledicente. De modo que, ficam remoendo uma dor que não deveria existir. Espalhando ressentimento um contra o outro, que toma conta do corpo e da alma de ambos. Passa a ver todos como inimigos. Este é o caminho mais direto para uma sociedade líquida.

Quando o veneno da fofoca alcança o espírito do casal o relacionamento desmorona, comprometendo uma relação de anos de caminhada juntos. O problema é que o casal têm uma forte tendência a embriagar-se neste veneno, porque são incapazes de confiar um no outro depois de anos de convivência. Estamos contribuindo para a difusão do amor líquido. O instinto de preservação não é suficiente para a sobrevivência de ambos. Contudo, estamos encurtando as relações afetivas ao descartar a pessoa que tem a chave do nosso coração. É necessário haver uma instância moral atuando nas definições do meu “Eu” e do “Outro”, para que haja uma relação humana que seja algo mais que uma relação puramente animal. Somos humanos na essência e na atitude.

Por conseguinte, viver em uma sociedade de pura incerteza em relação ao outro, o amor nos é negado. Sendo assim, é negado a dignidade de ser amado. Não há amor-próprio e não há injunções sociais que prescrevem o amor ao próximo, fazendo dele algo fundamental na vida em sociedade. Amar o próximo não é natural, é na verdade, algo contra nossos instintos mais básicos: “por isso é o ato fundador da moralidade”. Contudo, se nossas ferramentas de relacionamento estão engajadas com nossa época fluida e se as prescrições para amar ao próximo estão cada vez mais formais e estabelecidas por códigos penais, então o caminho da sociedade é a autodestruição após um longo definhamento. Se você não quer cair na vida, aprenda a ajoelhar. Mostre que seu coração está tomado de amor.       

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...