21 de março de 2020

O CENTRO DA PERSONALIDADE HUMANA É A ANGÚSTIA

A ideia de que vamos deixar de existir um dia, nos assusta e traz um desconforto enorme, pois essa consciência do nosso fim é que produz angústia. Na entanto, o centro da personalidade humana é a angústia. Ela traz para nós mortais uma sensação de impotência, vazio e medo diante da vida. Minha saudosa mãezinha usava a palavra “vertigem” sempre que ficava nervosa por alguma coisa. Uma terminologia que designa um sentimento de angústia, de insegurança. Minha mãe já no final da vida, apresentava esse quadro de angústia profunda.

Evidentemente, que ela não compreendia o significado que carregava essa palavra, mas o fato é que ela sentia. Pois, imediatamente esboçava uma reação de tristeza e repudia a tudo que estava a sua volta. Ela tinha uma sensação clara de medo e pavor. Só não sabia explicar. Nunca pude entender muito bem esse sentimento. Todavia, angústia deriva do latim e quer dizer: “apertado”, “estreito”. É aquele aperto que sentimos na região do tórax, parece que o canal da respiração fica estreito.  

Algum tempo atrás lendo o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), é que pude compreender numa de suas citações a palavra “vertigem da liberdade”. Ele foi capaz de perceber as transformações socioculturais do seu tempo. Fez uma analise profunda da angústia que continua ainda hoje após ter passado mais de cento e cinquenta anos de sua morte. A angústia do homem contemporâneo tem muito em comum com a angústia tratada por Kierkegaard nas suas obras.

A ansiedade ou a angústia são praticamente da mesma família. É um medo disperso, fora de foco. Para entender melhor esse conceito, vamos usar o exemplo de uma pessoa na beira de um precipício. Quando essa pessoa olha para baixo ela experimenta um medo mórbido de cair, mas ao mesmo tempo, ela sente um grande impulso de se atirar intencionalmente para o precipício. Essa experiência de dupla sensação é a ansiedade devido a nossa completa liberdade para escolher saltar ou não. O mero fato de alguém ter a possibilidade e liberdade de fazer algo, mesmo os mais aterrorizantes, desencadeia um imenso sentimento de angústia, que Kierkegaard denominou isto de “vertigem da liberdade”.

A escolha de Adão em comer da árvore do conhecimento, proibido por Deus. Pelo fato dos conceitos de “bem” e de “mal”, não existirem antes de Adão comer o fruto da árvore, considerado o pecado original, Adão não possuía estes dois conceitos, não sabendo que ao comer do fruto da árvore que era considerado um mal. O que ele sabia, era que Deus lhe tinha dito para não comer daquela árvore. A angústia vem do fato da própria proibição por parte de Deus, tendo em vista, que Adão era livre e que poderia escolher obedecer ou desobedecer a Deus. Depois de Adão ter comido da árvore do conhecimento, o pecado nasceu. Então, para Kierkegaard, a angústia precede o pecado e foi à angústia que levou Adão a pecar.

Todavia, a angústia informa-nos das nossas possibilidades de escolha, do nosso autoconhecimento e responsabilidade pessoal, levando-nos de um estado de imediatismo não autoconsciente a uma reflexão autoconsciente. Uma pessoa torna-se verdadeiramente consciente do seu potencial, através da experiência de angústia. Entretanto, a angústia pode ser uma oportunidade para a prática do pecado, mas pode também ser o caminho para o reconhecimento ou realização da identidade e liberdade de cada um. Vale lembrar, que uma pessoa no estado alterado de angústia é movida pelo desespero, que a leva fazer loucuras sem pensar nas consequências de seus atos.

Portanto, é muito difícil manter autoestima sabendo que somos mortais, que envelhecemos, ficamos doentes, que perdemos e distanciamos de pessoas queridas e não sabemos muito bem qual rumo tomar na vida. Tudo isso é muito complicado para a preservação da autoestima, por conta da tradição “judaico-cristã” que implantou a teoria do pecado no mundo. O fato de ficarmos provando e projetando o tempo inteiro a ideia de que damos certo e, que é nossa obrigação ser feliz, só vai aumentar cada vez mais o numero de remédios que temos que tomar. Contudo, ao colocarmos limite nos desejos é que podemos encontrar uma ponta de felicidade nesse abismo que criamos.

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