24 de março de 2020

O GESTO MAIS SUBLIME É A COMPAIXÃO

Ao ler Platão (427-347 a.C.) fiquei encantado com ideia de mundo material e mundo espiritual. Pensei, como criar uma ponte entre esses dois mundos? Sinto que as relações humanas duradouras, são marcadas por essa ponte. Uma ponte que exalte nossa humanidade, que exalte nossa imperfeição, nossa solidão e acima de tudo, nossas carências afetivas e de proximidades com o outro. Há um local distante, chamado Chayah, no centro da Tailândia, perto da fronteira da Malásia. No meio de um vasto lençol de água há uma ilha e nela um mosteiro budista. Todavia, não há água potável nessa ilha e esta tem que ser levada do continente por barco e guardada numa grande cisterna.

Certa vez caminhando pela ilha, o mestre budista conta a seguinte história para seu discípulo: “Você trabalha o dia todo e volta louco de sede, querendo beber um pouco dessa água preciosa, que você sabe que não pode desperdiçar. Abre a cisterna, estende a mão com sua conchinha e vê uma formiga dentro da cisterna. “Você fica furioso!” Exclama: “Que atrevida, estar na minha cisterna, sob a minha arvore, na minha sombra, na minha ilha e com a minha águaNesse processo de fúria você esmaga a formigaÉ um indicador que você está ligado a matéria. Ao contrário, você pensa antes de esmagar a formiga e diz: “O dia está muito quente e este é o único lugar mais fresco da ilha. Temos água o suficiente que dá para todos nós e depois a formiga não está estragando a minha água”. Então, calmamente o discípulo pega a água em volta da formiga e bebe. Esse gesto mostra que o discípulo está desligado da matéria. Ele estabeleceu uma ponte com o espiritual. Que também pode ser chamado de não ligado a matéria.

Entretanto, penso que no momento em que se abre a cisterna e vê a formiga, a pessoa que estabeleceu essa ponte entre o material e o espiritual não vai pensar no bom, no mau, no certo ou no errado. Imediatamente num gesto de generosidade além da água, vai dar um torrãozinho de açúcar à formiga. O gesto mais sublime da humanidade é o amor e a compaixão. Temos que começar a reconhecer que o outro é a única pessoa que pode dar o torrãozinho de açúcar de que precisamos e que podemos fazer o mesmo pelo nosso próximo. Se não construirmos essa ponte, esse sentimento tão nobre está fadado a desaparecer mais ou menos depressa. Somos tão menos, quanto um sem o outro.

Portanto, tudo começa acontecer dentro de cada um de nós, com essa grande ponte que nos leva a todos e assim formamos uma corrente solidaria e salvamos o amor. Se eu crescer cada vez mais, poderei lhe dar mais de mim. Hoje estudo e aprendo para ensinar os meus discípulos. Procuro na sabedoria para poder encorajar a sua verdade. A cada dia torno-me mais ciente e sensível para poder melhor aceitar a sua sensibilidade e a sua ciência. Luto diariamente para compreender a minha humanidade e assim compreender o outro, quando revela que também é humano. Vivo num assombro continuado perante a vida, para permitir que o outro também exalte a sua vida. Enfim, saia do “você” e entre no “nós”. É o modo mais belo de se ver e ajudar os outros a se verem.                

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