30 de julho de 2017

DECADÊNCIA NAS RELAÇÕES HUMANAS

Esta afirmativa não é minha e sim de Zygmunt Bauman (1927-2017). Ele foi um sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, uma das vozes mais críticas da sociedade contemporânea. Criou a expressão “modernidade líquida” para classificar a fluidez do mundo onde os indivíduos não possuem mais padrão de referência. O autor diz que vivemos em uma modernidade líquida, mas o que quer dizer isso? A água, ao mudar de recipiente, modifica sua forma, mas mantendo a ideia que a classifica como água. Assim é o mundo pós-moderno para Bauman, em constante mudança as coisas tornam-se líquidas, não tem mais uma forma definida. Pois bem, mas para a existência de um mundo líquido haveria um mundo sólido? O pensador vai buscar em Karl Marx (1818-1883), a ideia da solidez do mundo moderno. A solidez está ligada a uma rigidez nos conceitos, a ideia da velocidade do mundo pós-moderno não é vista da mesma forma aqui, fazendo com que as mudanças sejam menos perceptíveis.

A transição do mundo moderno para o mundo líquido, então, vem do fracasso das relações humanas. Somos intolerantes e mesquinhos com os outros. A vida em sociedade é feita de pequenas e grandes mentiras. No entanto, o errado é sempre o outro. As promessas modernas provindas de uma racionalidade que se inicia no Renascimento e atinge seu ápice no século XIX com os incríveis avanços científicos e políticos provindos da Revolução Francesa e Industrial. Ao entrar no século XX, a ciência e essa ideia da razão como o propósito da existência humana encontram seus dias de trevas. Apesar de iniciar o século XX com um otimismo incrível proporcionado pela Belle Époque (expressão francesa que significa bela época), o voo alto da razão faz queimar suas asas, assim como ícaro, e implode duas grandes guerras que matariam mais de 60 milhões de pessoas no mundo. A ideia de que a razão e a ciência salvaria o mundo fracassa. A modernidade cria a guerra.

Como dito, comum a nossa racionalidade jogara culpa por esses grandes eventos em uma irracionalidade, herança iluminista que não nos deixa culpar aquilo que, segundo eles, esse mal está na nossa essência (a estorinha do escorpião e o sapo). Contudo, é justamente essa razão levada a níveis extremos que proporcionou as duas grandes guerras: A bomba atômica, a linha de produção do holocausto, tudo fruto da razão. De modo que, o mundo pós-moderno nasce a partir do fracasso nas relações humanas. Criamos um problema e aumentamos o nosso desespero.

Portanto, estamos assistindo relações amorosas que podia ser de boa qualidade, fracassar. Relações de amizade se deteriorando e o espaço para a solidão aumentando cada vez mais. Pessoas fechadas no vazio do seu mundo e projetando no outro a razão do seu fracasso. Na política não é diferente, basta dar uma olhada nas manchetes, para ver o caos que se instalou na vida dos 14 milhões de desempregados, sem falar do restante da população brasileira. Tudo isso fracassou na sua racionalidade. Contudo, na chamada modernidade líquida há ainda a herança maldita da racionalidade, mantendo sua essência e assumindo as mais diferentes formas, a todo instante, tentamos desviar sua culpabilidade. Não seria o amor, por exemplo, a única saída para vermos um mundo mais humano? Onde o meu olhar tocasse o seu e as almas se unissem na totalidade da sua essência, para a paz e a felicidade humana? Pense nisso!

26 de julho de 2017

CIDADÃOS DE PEDRA

O grande risco de nos perguntarmos sobre o que precisamos para ser feliz é que a resposta pode ser assustadora. Todavia, para Midas, um personagem da mitologia grega, rei da Frígia, nos coloca de frente com nossos valores. Medusa que foi uma linda donzela atreveu-se competir com a beleza de Minerva. Assim, a deusa a privou de seus encantos e transformou seus cabelos em horríveis serpentes.

Ela tornou-se um mostro cruel, de aspecto tão feio que nenhum ser vivo podia olhá-la que logo se transformava em pedra. Na caverna onde vivia, viam-se homens e animais petrificados. Perseu com a ajuda de um escudo de Minerva conseguiu se aproximar de Medusa. Olhando pelo escudo, sem fintar o seu rosto, cortou-lhe a cabeça e a matou. Resolvi abordar este assunto a partir do mito de Medusa, para explicar as relações frias e petrificadas que vivenciamos no dia a dia.

A frieza das grandes cidades transforma as relações humanas em um amontoado de cidadãos de pedra. Será que minha constatação é exagerada? Realmente, temos de diferenciar os relacionamentos. O universo próximo corresponde ao nosso ciclo de familiares e amigos. Já o universo distante corresponde aos colegas e conhecidos e as pessoas que habitam o mesmo planeta, mas sem contato algum conosco.

Quando viajamos a passeio ou a trabalho, entramos em um universo distante; por isso, carregamos dentro de nós o universo próximo. Quantas vezes nos pegamos dizendo ou pensando: “Ah! se aquela pessoa especial estivesse aqui ao meu lado, iria adorar ver essa beleza natural. Vou levar uma lembrança, sei que ela vai gostar muito”. Nesse universo próximo, estão essas pessoas que amamos e, mesmo distante, as carregaremos por toda vida.

Dizem que a Medusa ronda o universo distante. Transformando em pedra todos que querem se aproximar e, em outras vezes, somos transformados quando o contrário acontece. O pior é que, com o avanço dos tempos, a Medusa está se infiltrando em nosso universo próximo. A busca de um escudo para enfrentarmos quem vem pela frente tornou-se vital. Ao redor da Medusa, todos padecem. O vazio toma conta de todos que a encaram. Pensar nos escudos que usaremos e nas próximas gerações é a grande resposta que teremos de enfrentar nos relacionamentos humanos.

Portanto, conhecemos pessoas vazias por dentro, que não tem nada de bom para oferecer. Nem afeto, nem sentimento de compaixão. Esqueceram o que é ser feliz. Só querem ter razão em tudo que dizem. As amizades estão enfraquecendo a cada dia e distanciando cada vez mais pessoas de bem. O ser humano está vivendo o seu pior papel: “de exímio cidadão de pedra”. Nas relações humanas existe um propósito único ao conhecermos alguém. Alguns irão nos testar, outros irão ignorar o amor que sentimos e outros irão nos ensinar grandes lições, que permanecerá pela vida toda. Contudo, o mais importante nesse encontro é que alguns despertarão o que há de melhor em cada um de nós. 

20 de julho de 2017

PASSARINHO ENGAIOLADO

Este texto aborda o sentimento de liberdade do ser humano, contado pelo filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014). Já nos parágrafos iniciais, ele destaca claramente o desejo de tranquilidade e segurança que nós humanos buscamos. Ele conta na sua estorinha, que vivia dentro de uma linda gaiola um passarinho. Sua vida era segura e tranquila, assim como são a vida das pessoas bem casadas e dos funcionários públicos. Era monótona, é verdade. Mas monotonia é o preço que se paga pela segurança. Não há muito que fazer dentro dos limites de uma gaiola, seja ela feita com arames de ferro ou de deveres. Os sonhos aparecem, mas logo morrem, por não haver espaço para baterem suas asas. Só fica um grande buraco na alma, que cada um enche como pode. Assim restava ao passarinho ficar pulando de um poleiro para outro, comer, beber, dormir e cantar. O seu canto era o preço que pagava ao seu dono pelo gozo da segurança da gaiola.

Ah! Se aquela maldita porta se abrisse. Pois não é que, para surpresa do passarinho, um dia o seu dono a esqueceu aberta. Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre! Saiu. Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto. Sentiu um pouco de tontura. Estava acostumado com o chão da gaiola bem pertinho. Teve medo de cair. Agachou-se no galho, para ter mais firmeza. Viu outra árvore mais distante. Teve vontade de ir até lá. Perguntou-se se suas asas aguentariam. Elas não estavam acostumadas. O melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firmemente ainda. Neste momento um inseto passou voando bem na frente do seu bico. Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pode, mas o inseto não era bobo. Sumiu mostrando a língua.

- Ei, você! – era uma passarinha – Vamos voar juntos até o quintal do vizinho. Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Apenas é preciso prestar atenção no gato, que anda por lá... Só o nome gato lhe deu um arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e, com ele a tristeza do crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde sua gaiola ficava dependurada. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de árvore, sem proteção. Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? E era preciso não esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com seus estilingues, no dia seguinte.

Tremeu de medo. Nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada. Somente podem gozar a liberdade àqueles que têm coragem. O passarinho não tinha. Teve saudades da gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta. Neste momento chegou o dono. Vendo a porta aberta disse: - passarinho bobo. Não viu que a porta estava aberta. Deve estar meio cego. Pois passarinho de verdade não fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar.

Portanto, essa tal segurança que temos em torno de nós, dentro das grades de nossa vida (casamento e família), realmente existe? Comumente, ouvimos falar de pessoas que morreram em casa praticamente sozinhas, sem nem mesmo saber por quê. O grande problema da sociedade atual é acreditar que a segurança existe para os que não saem de suas gaiolas. O ser humano deve entender que não se pode fazer o que o passarinho da estória do nosso saudoso mestre Rubem Alves, narra. Voltar para a gaiola achando que estará seguro. A segurança está em suas atitudes. Afinal, a vida é uma dádiva que devemos aproveitar. Devemos curtir cada minuto que temos. Devemos respirar o ar puro e sentir cada segundo a liberdade que realmente temos que é: fazer a nossa vida valer a pena! Porque, para morrer de verdade é uma vez só. Para viver de verdade se morre muitas vezes. 

14 de julho de 2017

CATIVAR É CRIAR LAÇOS

Afetividade vem de afetar alguém, porém, quem tem o dom do afeto, cativa e cria vínculo duradouro. Guimarães Rosa (1908-1967) diz que as pessoas não morrem, ficam encantadas. Nós humanos somos felizes por termos essa possibilidade de nos maravilharmos pelas pessoas e pelo criador. Muitas vezes, temos medo de uma relação mais profunda, por saber que tudo na vida é efêmero. Segundo o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), somos seres voltados para a morte, e essa certeza torna angustiante, os nossos projetos e relacionamentos. É difícil uma atitude de desapego. Para o outro filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860), viver é sofrer. Posso afirmar essa premissa.

Entretanto, mesmo que não consideremos a presença de Deus, parto em busca de uma atitude que eternize os seres ao meu redor. No filme de Hal Ashby: “Ensina-me a Viver”, o rapaz de vinte anos apaixona-se por uma senhora de setenta e nove anos. Quando o jovem a presenteia com um colar de prata, ela fica vislumbrada com o presente, beija, aperta junto ao peito, beija de novo e depois lança ao rio. Sem entender, o jovem pergunta se ela não tinha gostado do presente. Ela diz que, ao contrário, gostou muito, mas se ficasse com ele guardado, com o tempo perderia. Agora daquele jeito nunca mais ficaria sem ele, pois sempre saberia que estava naquele rio.

Não precisamos explicar o que é uma rosa, ela simplesmente é. Assim acontece com o amor, não se explica ele é. Alguns filósofos tentam explicar o amor, outros se convenceram de que o amor se intui. Que o amor é a medida de todas as coisas. É bem na verdade, que o plano do sentimento não se contrapõe à realidade, não nos remete, necessariamente, ao mundo da lua. Mostra que, diferente dos outros animais, só a nós o criador deu o poder de amar. Para ilustrar trago a fábula do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), que no Pequeno Príncipe e a Raposa. Ele conta que quando apareceu à raposa, começa um diálogo com o principezinho:

Bom dia, disse a raposa. Bom dia, respondeu palidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada. Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira. Quem és tu? Perguntou o principezinho. Tu és bem bonita. Sou uma raposa. Então propôs o principezinho; vem brincar comigo, estou tão triste. Não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda. Ah! Desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, perguntou: O que quer dizer cativar? É uma coisa muito esquecida, que significa criar laços, disse a raposa. Criar laços? Exatamente, tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Será para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo.

Disse a raposa: minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram de coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo. Depois deste argumento, a raposa calou-se e considerou por algum momento o príncipe. Dizendo: por favor, cative-me! Bem quisera disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.

A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. E continua argumentando a raposa: os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me! E então conclui a raposa: os homens esqueceram o valor de um amigo, mas tu não o deves esquecer. E lembre-se: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Portanto, com a minha experiência e a consciência que tenho da vida, hoje entendo que somos instantes e num instante não somos mais nada.

AS COISAS SÃO OS NOMES QUE LHE DAMOS

O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofri...