31 de outubro de 2018

PROFESSOR, UMA CATEGORIA EM EXTINÇÃO

A diferença entre o conhecimento e o saber torna-se fundamental para destacar o valor da profissão. Os aparelhos eletrônicos são capazes de transmitir conhecimentos, mas não saberes. Uma coisa é transmitir informação, outra muito diferente é transmitir experiência. Essa última só é transmissível por outros humanos, geralmente nós professores e os pais. Quando se supervaloriza a informação, desautorizam-se os verdadeiros responsáveis pela educação, no caso pais e professores. A revolução tecnológica e da comunicação, portanto, impõe aos educadores um desafio além dos já existentes. Qual o papel do professor em uma sociedade com acesso ao conhecimento facilitado por tantos recursos?

Cada vez mais, estão desaparecendo os detentores do saber e aparecendo gerenciadores de informações. O papel do professor passará a ser o de ensinar as pessoas a lidar com os dados, extraindo daí informações. Parte do estresse que enfrentamos hoje é justamente por conta de estarmos no meio dessa transição, sem saber o que nos espera. Pensar o papel do professor demonstra a urgência de se refletir sobre o sentido da educação e da escola. A escola é o espaço privilegiado para transformações pessoais, coletivas, sociais e culturais ocorrerem. E os estudantes são os grandes protagonistas de todo o processo, em parceria com os professores e os pais.

Portanto, não da para entender a escola como um lugar para onde se vai, exclusivamente, aprender determinados conteúdos, sem nenhuma relação com a vida, mesmo porque esses conteúdos, por si só, são insuficientes para os desafios que enfrentamos em nossa sociedade e na formação humana. Sinto evidentemente, que a instituição escolar necessita urgentemente de uma reformulação em seus métodos e estruturas. Vale lembrar que o núcleo da educação reside no valor da palavra. Quando ela se transforma em mercadoria, perde seu poder de regular as relações sociais. Em lugar de ser elo de enlace, ela passa a ser ferramenta de controle e opressão. Contudo, ser professor é um lugar solitário. Ser um professor com forças para lutar contra um sistema que quer derrubá-lo, é um lugar mais solitário ainda.

27 de outubro de 2018

DESRESPEITO E DESVALORIZAÇÃO DO PROFESSOR

O professor pode ser uma janela para o mundo que se vê, ou além, para o mundo que se deseja construir. Ainda na infância, intermediados por esse profissional, experimentamos realidades que não conhecíamos e conhecimentos até então inéditos. Podemos até achar que eram apenas matemática, português, história, filosofia ou ciências, mas era vida em pequenos ou maiores fragmentos. E essa vida era tecida por cada saber que íamos conquistando.

Alguns desses saberes davam seu adeus depois da aprovação do vestibular. Outros ficavam em algum canto da memória, para serem utilizados em um quiz numa entrevista de emprego. Outros tantos magicamente se dissolviam no dia a dia e no repertório de vivências. Passageiros ou permanentes, tais saberes ajudavam a constituir a história singular de cada pessoa. O saber da nossa espécie, a humana, não se transmite pela genética, mas sim pela linguagem. Os professores são especialistas nesta transmissão de saberes. De modo que, nossos especialistas, infelizmente, andam matando leões diariamente.

A profissão é cada vez mais desvalorizada; a remuneração dos professores é muito abaixo do básico e impede a reciclagem de experiências, como comprar livros ou fazer um curso; a instabilidade no emprego é uma realidade, assim como a carga horária exaustiva; a infraestrutura é precária ou deixa a desejar. Na sala de aula, os desafios aumentam. A autoridade é questionada por pais e alunos; a indisciplina comparece com uma ofensa verbal ou mesmo uma agressão física; alunos desinteressados tentam ser avivados por professores desestimulados; a cobrança por desempenho dita os caminhos do que deve ser considerada educação.

O reflexo desses desafios são os afastamentos do trabalho por algum “transtorno mental” ou problema de comportamento, responsáveis por mais de vinte por cento dos casos. Só na rede estadual o ensino de São Paulo em 2017 foi dado 327 licenças médicas por dia a docente com problemas de estresse. Os professores estão entre os profissionais que mais se afastam do trabalho por transtornos mentais. O desgaste na relação com alunos e os desafios de manter a atenção em crianças cada vez mais dispersas, sobrecarregam os professores, colocando-os em sofrimento frequente e adoecendo.

Portanto, não é fácil para um professor admitir que sofre ou que não tem paz em sua prática. Parece que paira sobre ele a marca de uma abnegada coragem aliada a uma sabedoria terapêutica que não lhe permite fracassar. Todavia, o que mais tira o sossego do professor é o fato de que os alunos leem pouco e que realmente não se incomodam com isso. O que mais causa sofrimento ao mestre é o desrespeito, a mentira, o pouco caso diante do conhecimento humano. Contudo, o que nos deixa triste é que o professor se tornou objeto de críticas mesquinhas por parte dos alunos e também das famílias. Reitero com muita tristeza a angústia dos meus colegas professores e compactuo com eles da mesma dor.

25 de outubro de 2018

QUEM MAL LÊ, MAL OUVE E MAL VÊ

Abro esta reflexão com uma frase do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), que diz: “quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. É com muita tristeza que olho para a falta de respeito entre os políticos e seus eleitores. A falta de ética entre os partidos políticos, que contam com o apoio da mídia na disseminação do ódio. A maior falta de respeito é com a educação. Subestimam a inteligência do povo ao negar seus direitos a educação e cultura. Não há um incentivo a leitura e ao conhecimento. Ler para mim é como respirar. Preciso da leitura para oxigenar meu trabalho, minhas relações, minha vida. Já fiz inúmeras viagens, conheci santos e criminosos, ri e chorei em situações muito diversas, aprendi e reaprendi a viver – tudo isso nas páginas dos livros. Com mais leitura e conhecimento, o cidadão comum terá capacidade de interferir na realidade e exercer plenamente a crítica, cuja ausência nos faz tanto mal. Vivemos num mundo onde tudo passa muito rápido. De modo que, reconciliando com a leitura, as pessoas terão acesso aos instrumentos necessários para o resgate crítico da nossa história e da nossa famigerada democracia.   

Defendo a tese de que a ausência de cultura básica e educação afastam os jovens e crianças da leitura e sem esta, serão incapazes de escrever até a sua própria história. É com preocupação que venho percebendo o distanciamento dos jovens diante desse universo estimulante que é a leitura. Quero acreditar na conciliação dos dois. O encontro entre o jovem e a leitura deve ser promovido pelas mãos precisa e eficaz dos educadores que tem o papel fundamental nessa aproximação. Nesse desafio, o educador conta com uma segura parceria entre leitura e a escrita, estabelecendo um vínculo capaz de desatar o nó que impede a nossa avaliação critica ao momento histórico e político que estamos atravessando. Somos uma nação sem memória.

Portanto, encerro essa reflexão citando o filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014) que diz: “há um tipo de educação que tem por objetivo produzir conhecimentos para transformar o mundo, interferir no mundo, que é a educação científica e técnica. Mas há uma educação – e é isso o que chamo realmente de educação – cujo objetivo não é fazer nenhuma transformação no mundo, e sim transformar as pessoas”. Sobretudo, por ser a leitura o alimento da alma. Pois, ela torna o nosso conhecimento mais amplo e diversificado, isto é, saber com objetividade. Hoje vejo o mundo com os olhos daquele menino que cresceu e continua ouvindo o que as coisas dizem. A minha fala é a voz das coisas. Entrei no universo das coisas e as transformei em literatura e poesia. O menino que cresceu em mim, hoje compreende a esperança como uma dependência simples e imprevisível. Enfim, ler é compreender e saber descrever o mundo com clareza.

21 de outubro de 2018

CONTINUAMOS NA CAVERNA DE PLATÃO

Nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como estamos vivendo no momento atual. Vendo sombras e achando tudo isso maravilhoso, como se fosse à realidade absoluta e irrefutável. São assimiladas como verdades inquestionáveis! Será? Somos sábios ou estúpidos? Se viver é um ato político, até mesmo um show de rock pode refletir essa afirmação. Um dos maiores espetáculos do planeta, pela grandiosidade que vai da música às estruturas de palco, a turnê “Nós mais Eles”, o vocalista e fundador da banda Pink Floyd, Roger Waters, poderia representar apenas uma noite de entretenimento. Aparentemente era isso que parte do público que foi à apresentação no Allianz Parque Estádio do Palmeiras na terça-feira (9/10) em São Paulo, acreditava. Mas, diante das vaias que o baixista recebeu após exibir no telão mensagens de “# Ele Não” e colocar o candidato à presidência Jair Bolsonaro numa lista de políticos neofascistas, parece que muitos ficaram surpresos.

Penso que vaiar um artista faz parte do jogo. Mas pagar um ingresso caro, como os dos shows de Roger Waters e se dizer surpreendido por sua mensagem política e seu ataque a Bolsonaro, soa de uma ingenuidade imensa. Afinal, essa parcela dos fãs do baixista simplesmente não entendeu a mensagem de oposição que ele passa desde a banda Pink Floyd. Waters foi apenas coerente em sua mensagem, reafirmando pontos que ele defende há décadas, principalmente de oposição ao sistema. A mensagem de Jair Bolsonaro até se encaixa nesse tipo de protesto do cantor, por ele apostar no “contra isso tudo” e no sentimento de indignação. No entanto, Waters sempre o fez em um caminho democrático, de não violência, de defesa das minorias e de oposição ao estabelecido. O discurso pró-armamento, as declarações racistas, homo fóbicas e favoráveis à ditadura do líder do primeiro turno nas eleições presidenciais estão longe dos ideais do inglês.

Entretanto, está no DNA de Waters esta veia combativa. Seu pai, que foi do partido comunista inglês e depois se definia como pacifista, morreu em combate durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando Waters tinha apenas cinco meses de vida. Seu pai achava que tinha de se envolver num necessário combate aos nazistas, mas isto lhe custou à vida, argumentou o músico numa entrevista em 2014. Mas ao se posicionar contra Bolsonaro e ouvir um misto de # Ele Não com vaias, Waters não escondeu a expressão de surpresa, balançando a cabeça negativamente. De modo que um dos setores em que as vaias foram mais estridentes foi perto do músico, na pista VIP, cujos ingressos custavam 810 reais, o que combina com o perfil do eleitor do candidato, formado principalmente de eleitores de classe média alta e de escolaridade elevada, ou seja, a elite segundo as pesquisas do Data Folha. Uma coisa é certa: Waters não chegou a surpreender quem conhecia a sua obra e já viram seus shows. A dúvida era como isso aconteceria. Surpreendente, foram as vaias e os posteriores comentários de que ele estava buscando fama, pois já está velho ou as ironias de que ele aceitou dinheiro da Lei Rouanet.

Portanto, tudo isso só comprova que estudar história, filosofia e interpretação de texto se faz necessário num país onde impera o “analfabetismo funcional”. Ouvir a discografia de Pink Floyd parece ser um bom começo para alguns desenformado. De modo que nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como hoje. Estamos mergulhados e aprisionados na caverna das ilusões e da indiferença. As próprias imagens que nos mostram a realidade, de tal maneira que substitui a própria realidade. Vivemos num mundo de imagens, num mundo audiovisual. Efetivamente, estamos a repetir a imagem das pessoas aprisionadas na caverna, olhando em frente e vendo sombras e acreditando que essas sombras são a realidade. Foi preciso que passasse todos esses séculos para que a Caverna de Platão, finalmente voltasse a aparecer neste momento histórico da política brasileira. Somos engolidos e arrastados por um pensamento único. Platão acha que a maioria das pessoas cresce e fica satisfeita com a visão que adquiriram das coisas e não gostam quando as forçam a pensar sobre elas. A única saída jeitosa para a sociedade será através da educação e pela busca constante do conhecimento. Só o pensamento é capaz de provocar mudanças significativas no interior da caverna. Como diz um proverbio latino: “se és feliz com a ignorância é loucura tornar-se sábio”.

18 de outubro de 2018

EDUCAR E HUMANIZAR SÃO SINÔNIMOS

Educar é criar constantemente a identidade humana. Trata-se de reconhecer que, em cada pessoa humana, reconstitui-se a trajetória de toda a espécie humana. A identidade humana não é algo ou uma condição pronta, acabada. Precisa ser constantemente reconstruída, refeita, ressignificado em cada novo ser, em cada criança, em toda nova pessoa ou geração. Uma criança configura toda a possibilidade humana. Quando vejo uma criança enxergo a grandeza de toda a humanidade. Como argumenta o filósofo e educador Cesar Nunes (Unicamp): “em cada novo ser refaz-se a experiência de toda a marcha cultural e civilizatória da humanidade”. Talvez por isso vim a ser professor, amo e admiro a educação. Compreendo o processo e a prática educativa como o mais genuíno processo de humanização, de constituição da identidade humana em cada pessoa. Educar e humanizar são sinônimos.

Não nascemos prontos, acabados, no sentido de nosso ser. Temos que aprender a sermos humanos. A condição humana é a primeira e a permanente prática de aprendizagem. Ser essencialmente humano, ser pessoa humana, é exatamente aprender a ser humano, aprender a ser pessoa. Aprender é, portanto, a primeira e mais radical organicidade de condição humana. O homem é um ser que aprende. Todas as pessoas aprendem a vida inteira. E toda a vida é aprender. “Aprendo” é o verbo mais importante conjugado pela história e pela marcha da humanidade e dos grupos humanos. Tudo o que fomos, tudo o que somos e tudo o que seremos, dependerá dessa radicalidade de nosso ser e de nosso existir: “eu existo, eu aprendo”! Mais ainda, se eu aprendo, eu existo! Parodiando o filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650): “Penso, logo existo”. Vou um pouco além: “Penso, logo incomodo”.

Portanto, o ser humano tem como pressuposto básico o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens e com ele aprendemos. Como argumenta o filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014): “A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajuda-lo a viver”. Porém, estar atento significa estar disponível ao espanto. Os gregos diziam que quando a gente se espanta, a inteligência faz a pergunta. Sem espanto não há ciência, não há criação artística. O espanto é um momento do processo de pesquisa, de busca. Essa postura de abertura ao espanto é uma exigência fundamental para o professor criar no aluno o hábito da leitura. Para o educador Paulo Freire (1921-1997): “O espanto revela a busca do saber”. Contudo, o ofício de ensinar não é para aventureiros. É para profissionais, homens e mulheres que, além dos conhecimentos na área dos conteúdos específicos e da educação, assumem a construção da liberdade e da cidadania. Educar e humanizar é, estabelecer relações para compreender a realidade e enxergar mais longe. Aproveitar esse dinamismo próprio da condição humana de aprender sempre. A criança é o pai do homem. É na infância que se projeta a dialética do adulto para a vida toda.   

14 de outubro de 2018

DIVERGÊNCIAS POLÍTICA SIM, MAS COM ÉTICA

O assunto política é perverso e difícil de ser tratada no momento atual, onde as divergências políticas desrespeitam a ética e a democracia, gerando violência e opressão. Como cidadão e professor de filosofia, sinto-me impulsionado a discorrer algumas considerações sobre os últimos acontecimentos políticos no país. Um assunto espinhoso e delicado, mas que o estado democrático permite-me trazer para a nossa reflexão. Devo dizer que aprecio o posicionamento de pessoas que pensam diferentes, pois, busco compreender as motivações delas. Igualmente, aprimoro ideias a partir dos diálogos na medida em que sou instado a ouvir ou a ler sobre algo distinto do que penso. No entanto, mais recentemente, tenho notado posições mais fervorosas, destituídas de racionalidade, de rigor, de lógica e ancoradas na paixão e fanatismo por um ou outro candidato e, neste caso, justamente por não haver diálogo. De modo que tenho adotado a postura de ser radical com pessoas assim, por meio do meu silêncio. 

Entretanto, citei inúmeras vezes em minhas reflexões o ensaio “Humano, Demasiado Humano” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) que dizia: “convicções são inimigas da verdade e mais perigosas que as mentiras”. Sendo assim, aos convictos, recomendo a razão, a frieza e o distanciamento do que se diz, para a possibilidade de entendimento do que se fala. Não acredito na violência como forma de resolução de problemas, seja pela formação que recebi ou pelos distintos livros que li ao longo dos anos de vida acadêmica, que me propiciaram a compreensão do que está em risco quando se escolhe um inimigo a ser eliminado. A capacidade de discernimento aqui é importante, dado que muitos não conseguirão ver os méritos, sejam acadêmicos ou como pessoa o quão polido é o candidato professor e doutor em filosofia Fernando Haddad (1963), não se trata de esclarecimento para alguém valorizá-lo e muito menos para votar nele. Trata-se apenas e tão somente de ser ético e justo com alguém que tem uma trajetória na vida pública, que não se mistura com “organização criminosa”.

Como diz o filósofo e educador Samuel Mendonça (PUCCAMP): “demonizar o PT parece fazer sentido, porque foi o Ministério Público Federal, com apoio da grande mídia que têm repetido essa narrativa há anos”. Mas, Haddad nada tem a ver com isto, embora seja do mesmo partido. Vamos pegar o exemplo de uma família com cinco filhos e suponha que três deles estejam envolvidos com o mundo do crime, mas os outros dois não. Ao afirmar que a família é uma organização criminosa, há incorreção na formulação, porque generalização é asneira, isto é, não são todos os membros daquela família envolvidos com o mundo do crime. O erro do MPF em afirmar algo tão grave levou um número significativo de pessoas esclarecidas a acreditar na formulação de que o PT é uma organização criminosa. Não é possível generalizar quando há exceção e, no caso do PT, há inúmeras pessoas íntegras, não envolvidas em casos de corrupção.

No entanto, o mesmo raciocínio pode ser usado para demonizar o PSDB porque Aécio Neves foi denunciado pela PGR ou mesmo para o MDB porque Michel Temer foi denunciado duas vezes pela PGR. Há pessoas caindo nesta armadilha e é fundamental esclarecer que se trata de equívoco, porque não houve qualquer decisão judicial, principalmente, pelos inúmeros quadros éticos também nesses partidos. Sendo assim, nenhum partido político pode ser chamado de organização criminosa ou de partido corrupto. Isto é fake, é errado e, no fundo, o objetivo é demonizar não o partido, mas, a política. Que tenhamos clareza disto. É preciso ter capacidade em compreender a politização do judiciário quando generalizou que a classe política é corrupta. Como dizia o escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues (1912-1980): “toda unanimidade é burra”. Logo, generalizar um partido político sem o devido encaminhamento legal, ampla defesa, contraditório, parece-me um equívoco e desserviço de setores do judiciário e da imprensa contra a política. Querer acabar com a corrupção é uma coisa e penso que todos querem, no entanto, confundir essa ação com o fim da política ou de um partido, daí é preciso ter cuidado com a consequência desse raciocínio tolo.

Portanto, penso que o principal problema que vivemos na sociedade de hoje tem a ver com a demonização da política, de modo que a extrema-direita aparece como “alternativa” em momentos de suposta “ausência de política”. A democracia está em risco porque setores do judiciário, logo o judiciário, que é constituído de quadros técnicos, entraram em guerra política. O judiciário tem o dever de manter a ordem social e, ao abdicar de suas prerrogativas, repressão é alternativa para uma sociedade jovem, machucada e, principalmente, incapaz de identificar o verdadeiro problema social brasileiro: “a demonização da política”. A política não é o problema social, mas, a solução dos problemas sociais. Eliminar a política é, por certo, o maior erro que uma sociedade pode cometer, contradizendo inclusive o filósofo grego Aristóteles em “Ética e Nicômaco” que afirmou: “o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade”. Divergências políticas sempre vão existir, mas com ética e democracia. A vida é assim: “o amor devolve aquilo, que a ele damos”.

11 de outubro de 2018

TRANSFUSÃO DE ÊXTASES

Meu primeiro olhar de espanto ao contemplar uma beleza que desenha a minha frente entre serras e florestas. Num instante vejo em gorjeios o casario e pia na torre alva da igreja situada em cima do morro. Depois o meditar humano, que desce o morro brandamente emocionado, com a volúpia e destinos na câmera escura que são os humanos. Vivi por um instante uma transfusão de êxtase. Emoções perguntam ao tempo sobre os modos de vida e da morte. Sinfonias de voos e ancoragens invadem meu pensamento.

Por onde andas? Senti que o rosto do mundo interrogou o meu ser. Todas as divindades das águas, das florestas, das montanhas, sempre que visito esse lugar estremecem-me a vida, seja no erotismo dos bailados do por do sol ou nas cores das preces do acaso. O espetáculo de maravilhas que penetra a alma e tem a musicalidade do silêncio das coisas espirituais. Minha alma é uma câmera escura abrigando a sensualidade das coisas.

Contudo, filtrando sonhos que se desenham nas paredes irregulares das minhas lembranças. Desespera-me não poder mostrar os brilhos e cores de minhas emoções. Faço, então, fotograficamente uma celebração da vida, que escoa no sangue e a minha alma sai em busca deste passado. Nesta transfusão de êxtase a câmera escura dos meus sentimentos, reinventa a santidade das coisas. Novamente meu ser é interrogado pela serenidade deste rosto, que a gente não vê, mas sabe que ele ficou em algum lugar do passado.

7 de outubro de 2018

POR QUE O AMOR AFASTA?

O amor afasta por vários motivos, pelos quais nem desconfiamos. Um deles é quando se diz a uma pessoa que a ama. Não deixa de ser uma cobrança implícita. Quem ama espera ser correspondido. No entanto, nessa fala há uma expectativa de retorno e caso o outro não esteja disposto amar de volta, pode ser um transtorno para ambos, até a amizade fica estremecida. A gente sabe, por exemplo, que uma pessoa que ama muito ou é louca pela outra, num dado momento ela pode transformar sua vida numa tortura e de quebra se virar contra você. Para o senso comum, amor e ódio estão muito próximos. Existe também outro agravante que quando a pessoa diz que te ama ela fica chata e inconveniente. Como ela fala que te ama, de certa forma entende-se que também hipotecou o seu comportamento e a partir daí você tornou-se um devedor desse amor.

De modo que, já que ela te ama deve atendê-la e estar a sua disposição o tempo todo. Exatamente por conta desse amor e aqui chegamos ao ponto crucial. Afinal, é bom ser amado o tempo todo? Será que o amor pode conviver com rotinas? Para o amor existe cura? É possível confiar nas pessoas que se diz nos amar? Como curar a insegurança de homens e mulheres diante do amor? Será que o amor verdadeiro morre? O amor é uma experiência prática e jamais teórica. Se você nunca entendeu as razões, das literaturas estarem cheias de exemplos de pessoas que “morrem de amor”. É bom que se diga, que nenhuma teoria do amor vai salvá-lo do vazio que é nunca ter sofrido por amor. O que quero dizer com isso? Que a gente tem que tomar cuidado com esse excesso de expectativa, criado em torno do amor.  

Foi a partir do século XVIII e XIX, que o amor romântico passou a ser visto como uma forma de vida pura. No entanto, é absolutamente normal, alguém dizer que está amando e o amado fugir. Talvez por trauma ou por ter sofrido uma decepção profunda no amor. As pessoas tem medo de sofrer por amor. O amor romântico, muitas vezes é antiético, porque nos coloca em situação de tensão entre o desejo e o medo: Primeiro, talvez por não querer o amor daquela pessoa. Segundo, pode ser que não queira aquele tipo de amor, possessivo e manipulador. Terceiro, sabemos que uma pessoa que ama e se por acaso vier a se machucar com esse amor, pode facilmente tornar-se uma inimiga mortal. Quarto e ultimo, a ideia de que ser amado significa uma coisa boa, pode ser a perda de uma excelente amizade, porque certamente um vai chatear e sufocar o outro e vice-versa. O amor fica e a amizade acaba por egoísmo de ambos.  

Portanto, o amor não combina com cobranças. Quem ama não precisa disso. Quando a cobrança se faz necessário é porque já não há crédito. Não se deram conta ou não querem aceitar o óbvio. Acabou a espontaneidade e esse é o primeiro sinal do fim do amor. O que não é espontâneo é induzido, forçado, compulsório. E o que se cobra não é natural. Penso que ninguém devia reivindicar atenção do outro por amor. Isso é mendicância, falta de amor próprio. Dificuldade de viver sua própria vida. Quem passa o tempo todo cobrando amor, consideração, carinho e reciprocidade, afasta o amor. As pessoas não percebem que é o jeito mais direto de atentar contra si mesmo, destruindo sua autoestima e afastando quem supostamente te ama. Até porque o amor romântico era chamado pelos medievais de “doença da alma”. Enfim, o medo que temos de sofrer nos afasta das possibilidades da vida, nos afasta da própria vida.

3 de outubro de 2018

O TEMPO É APENAS UM FIO

No livro “Do Universo à Jabuticaba”, do nosso mestre, filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014), traz uma frase que gosto muito e cito sempre que me é oportuno: “Senti que o tempo é apenas um fio. Nesse fio vão sendo enfiadas todas as experiências de beleza e de amor por quem passamos. Aquilo que a memória amou fica eterno”. Para mim tudo que é belo tende a morrer. Beleza e morte andam sempre de mãos dadas. Eternidade é o tempo completo, esse tempo do qual a gente diz: “valeu a pena”. Não é preciso evolução, não é preciso transformação. O tempo é completo e a felicidade é total. Nele, a alma não encontra morada. A sua morada está no amor. Qual a magia que informa os ipês, todos eles, em lugares muito diferentes? Qual é hora de perder as folhas e florescer? E sem misturar as cores. Primeiro os rosas, depois os amarelos e, finalmente, os brancos. Seria bom se nós como os ipês, nos abríssemos para o amor.

A precisão dos números marca o tempo das máquinas. O tempo do amor se marca com o corpo. Um calendário é coisa precisa, pois marca anos, meses, dias, horas, que são marcados com números. Esses números medem o tempo. Mas os pedaços de tempo são bolsos vazios, que nada há dentro deles. O bolso vazio do tempo se torna parte do nosso corpo quando o enchemos com vida. Aí o tempo não mais pode ser representado por números. O tempo aparece como um fruto que vai sendo comido. À medida que vai sendo comido, vai acabando. Vem à tristeza. O tempo da vida se marca por alegrias e tristezas. Há inícios e há fins. O tempo foge, “carpe diem”, quer dizer: “colha a vida”. Colha o dia como um fruto que amanhã estará podre. Viver ao ritmo de alegrias e tristezas é ser sábio. Sábio do latim quer dizer: “eu saboreio”. O sábio é um degustador da vida. A vida não é para ser medida. Ela é para ser saboreada.

Por conseguinte, Heráclito (535-475 a.C.) foi um filósofo grego fascinado pelo tempo. Contemplava o rio e via que tudo é rio. Percebeu que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio; na segunda vez, as águas serão outras, o primeiro rio já não existirá. Assim é a vida, tempo que flui sem parar. Para nós o tempo é um velho, cada vez mais velho, sobre quem se acumulam os anos que passam e de quem a vida foge. Heráclito diz que o tempo é criança, início permanente, movimento circular, o fim que volta sempre ao início, fonte de juventude eterna, possibilidade de novo começo. Senti que o tempo é apenas um fio. Nesse fio vão sendo enfiadas todas as experiências de beleza e de amor pelo qual passamos. Aquilo que a memória amou fica eterno. Complemento a frase para dizer que houve muitos momentos de tanta beleza em minha vida, que eu disse para mim mesmo: “Valeu a pena viver toda a minha vida até aqui, só para poder ter vivido esses momentos. Há momentos efêmeros que justificam toda uma vida de amor e esperança”.

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...