21 de outubro de 2018

CONTINUAMOS NA CAVERNA DE PLATÃO

Nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como estamos vivendo no momento atual. Vendo sombras e achando tudo isso maravilhoso, como se fosse à realidade absoluta e irrefutável. São assimiladas como verdades inquestionáveis! Será? Somos sábios ou estúpidos? Se viver é um ato político, até mesmo um show de rock pode refletir essa afirmação. Um dos maiores espetáculos do planeta, pela grandiosidade que vai da música às estruturas de palco, a turnê “Nós mais Eles”, o vocalista e fundador da banda Pink Floyd, Roger Waters, poderia representar apenas uma noite de entretenimento. Aparentemente era isso que parte do público que foi à apresentação no Allianz Parque Estádio do Palmeiras na terça-feira (9/10) em São Paulo, acreditava. Mas, diante das vaias que o baixista recebeu após exibir no telão mensagens de “# Ele Não” e colocar o candidato à presidência Jair Bolsonaro numa lista de políticos neofascistas, parece que muitos ficaram surpresos.

Penso que vaiar um artista faz parte do jogo. Mas pagar um ingresso caro, como os dos shows de Roger Waters e se dizer surpreendido por sua mensagem política e seu ataque a Bolsonaro, soa de uma ingenuidade imensa. Afinal, essa parcela dos fãs do baixista simplesmente não entendeu a mensagem de oposição que ele passa desde a banda Pink Floyd. Waters foi apenas coerente em sua mensagem, reafirmando pontos que ele defende há décadas, principalmente de oposição ao sistema. A mensagem de Jair Bolsonaro até se encaixa nesse tipo de protesto do cantor, por ele apostar no “contra isso tudo” e no sentimento de indignação. No entanto, Waters sempre o fez em um caminho democrático, de não violência, de defesa das minorias e de oposição ao estabelecido. O discurso pró-armamento, as declarações racistas, homo fóbicas e favoráveis à ditadura do líder do primeiro turno nas eleições presidenciais estão longe dos ideais do inglês.

Entretanto, está no DNA de Waters esta veia combativa. Seu pai, que foi do partido comunista inglês e depois se definia como pacifista, morreu em combate durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando Waters tinha apenas cinco meses de vida. Seu pai achava que tinha de se envolver num necessário combate aos nazistas, mas isto lhe custou à vida, argumentou o músico numa entrevista em 2014. Mas ao se posicionar contra Bolsonaro e ouvir um misto de # Ele Não com vaias, Waters não escondeu a expressão de surpresa, balançando a cabeça negativamente. De modo que um dos setores em que as vaias foram mais estridentes foi perto do músico, na pista VIP, cujos ingressos custavam 810 reais, o que combina com o perfil do eleitor do candidato, formado principalmente de eleitores de classe média alta e de escolaridade elevada, ou seja, a elite segundo as pesquisas do Data Folha. Uma coisa é certa: Waters não chegou a surpreender quem conhecia a sua obra e já viram seus shows. A dúvida era como isso aconteceria. Surpreendente, foram as vaias e os posteriores comentários de que ele estava buscando fama, pois já está velho ou as ironias de que ele aceitou dinheiro da Lei Rouanet.

Portanto, tudo isso só comprova que estudar história, filosofia e interpretação de texto se faz necessário num país onde impera o “analfabetismo funcional”. Ouvir a discografia de Pink Floyd parece ser um bom começo para alguns desenformado. De modo que nunca vivemos tanto na Caverna de Platão como hoje. Estamos mergulhados e aprisionados na caverna das ilusões e da indiferença. As próprias imagens que nos mostram a realidade, de tal maneira que substitui a própria realidade. Vivemos num mundo de imagens, num mundo audiovisual. Efetivamente, estamos a repetir a imagem das pessoas aprisionadas na caverna, olhando em frente e vendo sombras e acreditando que essas sombras são a realidade. Foi preciso que passasse todos esses séculos para que a Caverna de Platão, finalmente voltasse a aparecer neste momento histórico da política brasileira. Somos engolidos e arrastados por um pensamento único. Platão acha que a maioria das pessoas cresce e fica satisfeita com a visão que adquiriram das coisas e não gostam quando as forçam a pensar sobre elas. A única saída jeitosa para a sociedade será através da educação e pela busca constante do conhecimento. Só o pensamento é capaz de provocar mudanças significativas no interior da caverna. Como diz um proverbio latino: “se és feliz com a ignorância é loucura tornar-se sábio”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...