24 de julho de 2019

NO CASAMENTO HÁ UMA MORAL VITUPERA

A transparência total no casamento aliada à liberdade de ter amores paralelos, não são aceitas por muitas pessoas e parecem difíceis demais de serem vividas pelos que decidem ser livres, mesmo depois de casados, como no caso dos filósofos franceses Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvoir (1908-1986). Não é fácil enfrentar, com distanciamento, uma relação amorosa paralela ao parceiro. Quantas pessoas são capazes de saber que o companheiro ou a companheira está envolvido em outro relacionamento afetivo, sem que isso leve à separação? Na realidade, é mais fácil permanecer num casamento, quando a fidelidade não é posta em jogo. Porque no casamento, vive-se uma moral vitupera (vitupera vem do verbo vituperar, o mesmo que criticar, repreender, censurar, caluniar).  

No caso dos dois filósofos franceses citados, não se pode nem mesmo falar de infidelidade na relação, uma vez que as relações chamadas por eles de “contingentes” eram previstas no pacto não escrito e, sim, combinado. Na relação de Sartre e Simone de Beauvoir só existia uma moral, de ambos viverem em total transparência, fidelidade dos espíritos e liberdade dos corpos. Para a jornalista e pesquisadora Leneide Duarte-Plon que relata em seu livro: “Por Que Elas São Infiéis?”, uma de suas pesquisadas, contou que tentou viver no casamento uma relação livre e transparente, durante muitos anos. O chamado casamento aberto.

Diz ela: “No início, o marido pedia a ela para que contasse sobre os seus casos, falar sobre os encontros, descrevendo se possível em detalhes, como se isso o estimulasse em seu próprio desejo em relação à esposa e a outras mulheres. Depois de terem dito tudo um ao outro com franqueza total, essa mulher e o marido se separaram”. A teoria da liberdade do casamento aberto ou da transparência é tentadora. Mas na prática mostra que poucos casais conseguem ser transparentes. Essa liberdade no casamento é combatida pela moral vigente em quase todas as sociedades. Mas, algumas mulheres aceitam, com certa indulgência, a infidelidade masculina.

No entanto, a mulher é mais controlada pela sociedade. É como se fosse um direito só do homem de ter uma amante ou um caso extraconjugal. Gosto mais da palavra “extraconjugal” por ser menos preconceituoso. Segundo o filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970), prêmio Nobel de Literatura em 1950, defensor de ideais pacifistas, humanitário e da liberdade de pensamento, é autor do livro: “O Casamento e a Moral”, argumenta que o fator primordial da moral sexual na civilização ocidental desde os primórdios do cristianismo, consistiu na garantia da virtude feminina, indispensável à família patriarcal. O livro analisa os fundamentos sociais, econômicos, religiosos e culturais da instituição do casamento. Russell não via razão, por exemplo, para condenar duas pessoas que se amam apenas porque tiveram relação sexual fora do casamento. Além disso, afirmava para o horror dos moralistas de sua época, que uma aventura extraconjugal não deveria ser motivo de escândalo e ruptura. 

Para Russell, quanto mais o povo for civilizado, menos o indivíduo é capaz de obter felicidade durável, com o mesmo parceiro a vida inteira. Quem vê nos laços do casamento um valor definitivo e irrevogável não permite que a imaginação se deixe estimular, passear e procurar a possibilidade de novas fantasias. No entanto, a chave da compreensão das relações extraconjugais passa primeiro pela imaginação do sujeito desejoso e logo é transformado pelos amantes na idealização da felicidade. Até porque, o nosso sonho, tanto do homem como da mulher, é a poligamia (poligamia: onde o homem ou a mulher tem mais de um relacionamento amoroso ao mesmo tempo). Os chamados civilizados em geral são polígamos. Naturalmente, é possível dominar esse instinto, os desejos de viverem novas emoções, mas é difícil impedir sua existência, ou seja, negar que eles existem. Vira e mexe ele aparece, mesmo dentro de um casamento estável.

Portanto, com o progresso da emancipação da mulher, as oportunidades de casos extraconjugais multiplicaram-se. A ocasião faz nascer a ideia, que faz nascer o desejo, que finalmente propicia o encontro que todos desejam, principalmente quando as amarras da religião estiverem ausentes. Penso que a fantasia masculina básica é possuir todas as mulheres. Ao passo que a fantasia feminina básica é manter o homem ideal só para ela devorá-lo num sublime amor canibal. Assim como, na crença do homem pela fidelidade de sua mulher seja uma ilusão puramente masculina. Por que afinal, onde está o modelo de casamento ideal?  

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