14 de dezembro de 2016

AMAR AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO

Embora saibamos que tudo que vive é o nosso próximo, esta máxima de amar ao próximo como a ti mesmo é a coisa mais difícil de acontecer no mundo moderno. Pois andamos tão esquecidos e ultrajados de nós mesmos que nem damos conta da existência de outros em nossas vidas. Somos completamente alienados pelas novas plataformas digitais, compartilhando, escrevendo e falando feito papagaio. E ninguém enxerga ninguém, mas estão todos conectados para receber algumas curtidas e se realizar. Fala-se tanto em superar os pragmatismos da política parasitária, da educação falida, da saúde carente, mas, e o seu papel de cidadão, tem cumprido? Têm aberto os olhos para o que de fato importa? Tem analisado seus comportamentos e condutas diárias? Será que pode mudar alguma coisa na vida de alguém? Será que consegue tornar-se mais humano para os que estão ao seu lado? São muitas questões para pensar. São muitas pessoas que depreciam o valor do pensamento, na realidade, estão perdendo o contato consigo e com o viver plenamente. Estão perdendo a capacidade para experiências emocionais profundas e verdadeiras. Ao invés de ficar alfinetando aqueles pensam.

Com efeito, é possível amar o próximo? É uma das preocupações máxima e fundamentais da vida civilizada. É também o que mais contraria o tipo de razão que a civilização promove: a razão do interesse próprio e da busca da felicidade. O preceito fundador da civilização só pode ser aceito como algo que faz sentido, que seja praticado se nos rendermos a uma teologia cristã de amor ao próximo. É suficiente perguntar por que devo fazer isso? Que benefício me trará? Para sentir o absurdo da exigência de amar o próximo. Se amar alguém, essa pessoa deve ter merecido de alguma forma. Eles o merecem se são tão parecidos comigo de tantas maneiras importantes que neles posso amar a mim mesmo. E se são tão mais perfeito do que eu, logo posso amar neles o ideal daquilo que sou quando amo. Quero amar mesmo sem ser amado. Aprendi que se quiser ser amado, ame primeiro.    

Entretanto, se ele é um estranho para mim e se não pode me atrair por qualquer valor próprio, ou significação que possa ter adquirido para a minha vida emocional, será difícil amá-lo. Amar o próximo como a ti mesmo coloca o amor-próprio como um dado indiscutível, como algo que sempre esteve ali. O amor-próprio é uma questão de sobrevivência, e a sobrevivência não precisa de mandamentos, já que outras criaturas vivem muito bem sem eles. Amar o próximo como se ama a ti mesmo torna a sobrevivência humana diferente daquela de qualquer outra criatura viva. O preceito do amor ao próximo desafia e interpela os instintos estabelecidos pela natureza, mas também o significado da sobrevivência por ela instituído, assim como o do amor-próprio que o protege. O que significa amor-próprio? O que eu amo em mim mesmo? O que eu amo quando amo a mim mesmo? Nós, humanos, compartilhamos os instintos de sobrevivência com nossos primos animais mais próximos. Quando se trata de amor-próprio, nossos caminhos se separam e seguimos por conta própria.

É verdade que o amor-próprio estimula a gente a se agarrar à vida, a tentar a todo custo permanecer vivo, a resistir e enfrentar o que quer que ameace pôr fim à nossa vida de modo prematuro ou abrupto, ou, melhor ainda, a melhorar nosso vigor e aptidão física para tornar efetiva essa resistência. Pois o que amamos em nosso amor-próprio são os eus apropriados para serem amados. O que amamos é o estado, ou a esperança, de sermos amados. De sermos objetos dignos do amor, sermos reconhecidos como tais e recebermos a prova desse reconhecimento. Em suma para termos amor-próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor, a negação do status de objeto digno do amor, alimenta a autoaversão. O amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros. Se na sua construção forem usados substitutos, eles devem parecer cópias, embora fraudulentas, desse amor. Outros devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos.

De modo que o amor-próprio é resultado de sermos amados. Quando a pessoa percebe que sua voz é ouvida, que sua opinião é importante ou que sua presença será sentida, ela entende que é única, especial e digna de amor. Só o outro pode dizer que somos dignos de amor, o que fazemos é reconhecer a existência do amor-próprio, pelo simples fato do outro existir em nossas vidas. Num processo de identificação com aquele que nos ama, também entendemos que nele existe a necessidade de ser amado. Compreendemos a sua singularidade. Amamos quando nosso ego se identifica com o outro e, desta forma, amamos a nós, merecedores de amor, e amamos o outro identificado. Amar ao próximo como a ti mesmo a máxima que funda a moralidade, porque só o instinto de preservação não é suficiente para a sobrevivência das relações humanas. Em uma sociedade de pura incerteza em relação ao outro, o amor nos é negado, assim como é negado à dignidade de ser amado. Não há amor-próprio e não há injunções sociais que prescrevem o amor ao próximo, fazemos dele algo fundamental na vida em sociedade. Amar o próximo não é natural, na verdade é algo contra nossos instintos mais básicos: por isso é o ato fundador da moralidade. Contudo, se para amar ao próximo precisamos cada vez mais de normas pré-estabelecidas pelos códigos penais, então o caminho da sociedade é para autodestruição.

Portanto, um dos primeiros mandamentos de Jesus Cristo é amar o teu próximo como a ti mesmo. As pessoas precisam sentir que são amadas, ouvidas e amparadas. Precisam saber que fazem falta, que são dignas de amor. Isto é algo que só o outro pode nos classificar. Com tantas incertezas, nas quais o amor nos é negado, como teremos amor-próprio? Os amores e as relações humanas de hoje são todos instáveis, e assim não temos certeza do que esperar. Há uma lógica de segregação espacial e social, decorrente da sensibilidade alérgica e febril aos estranhos e ao desconhecido e da incapacidade de aceitar e cuidar do humano, em função da ausência de compromisso com o próximo. O medo instaura-se. Amar o outro como a ti mesmo significa comprometimento, vinculo, querer para o outro aquilo que se tem. Mas boa parte dos indivíduos encarcerados em seus condomínios, preocupados em salvaguardar uma moral decadente, apontando para o outro a falha que é sua. Contudo, existe uma necessidade urgente de se buscar uma humanidade comum para que seja novamente possível unir projetos individuais e ações coletivas, para que se possa ter a consciência da angústia do eterno recomeçar. Enfim, relacionar-se é caminhar na neblina sem a certeza de nada, talvez seja uma descrição poética dessa relação de amor. 

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