28 de dezembro de 2016

A EXPERIÊNCIA DA DOR

É com muita tristeza que notamos que a sociedade perece não conceder ao amor e à paixão o lugar de destaque, em que ocupou por muitos anos esse sentimento. Cito um texto maravilhoso do poeta mexicano Octávio Paz (1914-1998): “Paulatino Crepúsculo da Imagem do Amor nas Sociedades” que fala com clareza e lucidez sobre esse tema, esclarecendo sobre o poder do dinheiro que vem corroendo a liberdade de amar. Permite-se que a liberdade afetiva seja confiscada pelos poderes do capital, do mercado e da publicidade. De modo que, se for verdade que o dinheiro é um elemento importante, ele não tem sido suficiênte para explicar o amor à vida. Como argumenta meu amigo religioso, educador e conêgo Álvaro Augusto Ambiel: “o corpo vem sofrendo a dessacralização e vem sendo utilizado como objeto de consumo”.

O homem vive em sociedade acreditando que o bem é natural, quando na realidade o nosso maior medo é a maldade e a dor que nos causam. De modo que a vida vai sempre de encontro com a tristeza, e quando se possui um momento de felicidade, ele logo acaba o que prova que a felicidade vem a ser apenas um breve remédio para a dor intensa e real, até parece que nada tem sentido se o fim não for à dor. A sociedade é para o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), uma convenção controladora incrível, pois o homem naturalmente é o caos e causador dessa desordem. Já para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925), há três formas do medo afligir as pessoas em nossa sociedade líquida: primeiro; o medo de não conseguir garantir o futuro, de não conseguir trabalhar ou ter qualquer tipo de sustento. Segundo: o medo de não conseguir se fixar na estrutura social, que significa, basicamente, o medo de perder a posição que se ocupa, de cair para posições vulneráveis e por ultimo: o medo em torno da integridade física, como uma doença grave ou sofrer algum tipo de agressão.

Entretanto, a cidade é o lugar do encontro, da mistura, da efervescência, do novo, é o lugar onde tudo e todos se encontram, mesmo sem querer encontrar, é o lugar onde estar com quem não se conhece é um pressuposto, é um termo aceito tacitamente e, por isso, ela é um espaço mixofílico (que tem a virtude de aproximar as pessoas, que faz da mistura um gosto aceitável e aprovável). No entanto, a sujeira precisa ser limpa. É na cidade onde se podem encontrar os resultados da exclusão, da forma mais perversa e covarde.

Todavia, nos grandes centros que encontramos os mendigos, as favelas e seus moradores, todos estes estranhos são seres que provocam o desprezo e a repulsa dos cidadãos ditos “normais”. A mixofobia (a repulsa pelo estranho) é vista materialmente de forma peculiar. Passando pela avenida paulista o maior centro financeiro da cidade de São Paulo e, como é de se esperar, é um antro da exclusão, do comportamento “blasé” e da normatização hegemônica. Em frente aos grandes prédios, além dos vários seguranças que efetivamente estão lá para espantar os excluídos, há a presença de longas barras de ferro cheias de pontas que ficam acopladas em frente às vitrines. Qual o motivo? Para os mendigos não dormir? Isto é uma expressão clara de mixofobia.  

Portanto, o medo do outro não desaparece apenas ao se adquirir distância dele. O mais angustiante e doloroso é perceber que esse outro de quem se tem medo é um concidadão, que convive conosco dentro da mesma gaiola. E o maior problema da mixofobia urbana é que ela institui o não diálogo entre quem se sente atemorizado e quem causa tal temor. Felizmente, a mixofilia, o amor à mistura, é cidadã a priori da cidade. Afinal, não foi por segurança que o homem se aglomerou em cidades? Contudo, para minimizar esta dor, precisamos criar espaços afetivos, através de boas amizades e cultivar o respeito pelo próximo. Consolidar na perspectiva de viver mais o amor à mistura, que à separação. Somos mais cidadãos agrupados no passeio público do que segregado num Alphaville. Um exemplo claro dessa dor é a separação de quem amamos, que inscreve-se entre as mais difíceis de suportar, porque se trata de uma situação em que o prazer perdido é muito grande.

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