26 de julho de 2018

SALA DOS MILAGRES

Todas as vezes que vou a um hospital por algum problema de saúde, desconfio que a morte ronde por esses lugares. A caminho do centro cirúrgico, ainda acordado sentia a maca atravessar por corredores gelados, porém o frio dentro de mim era maior. Levamos uma eternidade até chegar à mesa de cirurgia. Talvez parecesse demorar por conta da ansiedade. Entre uma agulhada e outra, começo a desfalecer. Lembrei-me de fazer um pacto com a morte: “nem eu te procuro e nem você me procura, um dia a gente se encontra, que não seja aqui”. Minha memória recorrente do passado ao sofrer um choque anafilático, veio à tona justo naquele momento. Choque anafilático é uma reação alérgica, de hipersensibilidade imediata, que afeta o corpo todo, com a diminuição da pressão arterial e taquicardia em que há risco de morte. Tinha que se lembrar disso agora? Isto não ajuda, só faz aumentar a minha ansiedade.

Já no centro cirúrgico, um pouco assustado, percebo a movimentação em torno. Tudo acontecendo muito rápido. Nesta hora sentimos que não somos nada e que a morte pode estar por perto nos observando. De que adianta o orgulho se precisamos desses profissionais para continuar vivos? Para eles sou só mais um paciente. O anestesista se aproximou e tomou o meu braço direito e disse: “é só uma picadinha e depois mais algumas agulhadas nas costas e tudo vai ficar bem”. Senti vontade de dar uma gargalhada. Imagina, quem fica bem nessa situação? Mas o pacto com a morte estava selado. Tinha certeza que ela não iria me incomodar, pelo menos, não ali naquele momento.

No entanto, passado alguns segundos, começa a viagem, entro numa dimensão de serenidade e paz. Ouço uma voz dizer: “sou a médica que vai te operar tudo bem”? Pensei comigo, como tudo bem se estou perdendo a consciência? Nesse momento desfaleço. Fui acordar cinco horas depois, numa sala de pós-operatório. Não sentia meu corpo da cintura para baixo. Há um medo eminente, mas logo chegou à médica e descreveu o sintoma do pós-operatório. Posso descrever esta experiência como uma viagem, que nos coloca na fronteira entre a vida e a morte. É aqui que o milagre torna-se eminente e a nossa certeza que Deus está no comando de tudo.

De modo que, quem quiser conhecer a verdadeira sala dos milagres, faça uma visita ao centro cirúrgico. É impressionante como as pessoas chegam e sai do centro cirúrgico. Costuma-se entender por milagre um fato maravilhoso ou extraordinário que suscita admiração. O milagre é o preâmbulo da nossa fé. É a assinatura de Deus. No centro cirúrgico acontecem todos os dias dezenas de milagres. Vidas são salvas a todo instante. Momentos fortes da nossa vida nos chegam nítidos, principalmente, quando distanciamos de pessoas que amamos. Não perguntamos sobre os caminhos pelos quais a vida nos conduz. Nesta hora nos restam às lembranças dos encontros com o que a vida nos apresentou de poético e fugaz. Quando tudo parece desabar, cabe a nós decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar. Descobri no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir. Seja para qual for a direção, temos que escolher.

Portanto, a vida nos toma pelas mãos, nos da à possibilidade de rever os nossos conceitos, nos revela o seu mistério, nos esconde da morte e às vezes nos concede novamente aquela oportunidade de dizer a quem amamos: “preciso de você”. Às vezes sou julgado por coisas que não fiz e não sou. Gente maldosa fazendo a cabeça de gente fraca de caráter. Do gosto pela vida nasce a solidariedade e desta emana uma força muito grande, que nos arranca da acomodação e nos faz reerguer. Sou um novo homem e reconheço a minha fragilidade e impotência, diante dos percalços da vida. Contudo, precisei passar por essa experiência para compreender o que é viver intensamente a vida como presente e o amor como um dom. Aprendi que quem sobreviver a uma grande história de amor, é feliz até à morte e infeliz porque dele se curou. 

Um comentário:

  1. Jacy20:13

    Olá. Este tecto e verídico? Aconteceu com vc? Recentemente?
    Passei tb por uma situação de muita aflição há 30 anos. Mas ainda não tinha essa compreensão da vida.
    O médico me disse algo como uma nova chance. E isso nunca esqueci. Só agradeço a Deus por está chance de entender., compreender e viver a vida.
    Abraços

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