6 de julho de 2016

PROCURAMOS PRAZER E EVITAMOS A DOR

Todos nós criamos cascas protetoras, para nos defender dos outros. Os bichos cascudos têm pouca mobilidade, e machucam os outros. Uma velha tradição diz que o ser humano faz tudo para ter prazer na vida, e evitar a dor. Normalmente não procuramos demonstrar o amor que sentimos, quando amamos. Amar é ruim? Também evitamos o choro, mesmo quando a vontade é grande. Chorar é feio? A mulher e o homem apaixonados se encontram. Tem vontade de abraçar, pegar um na mão do outro, afagar o cabelo, olhar nos olhos, manifestar ternura, contentamento, alegria, felicidade. Mas em geral não fazem nada disso. Tolhem os gestos mais espontâneos e ingênuos, que não são feios e também não doem. Parece que dar prazer não pode!

De fato na hora das coisas boas ficamos cheios de dedos, infelizmente. Não sabemos senti-las, muito menos nos entregamos a elas. E usamos desculpas para esconder nossa incapacidade, dizendo: “seu tempo comigo acabou”; “paramos por aqui nossa história”. Mesmo que seja uma linda história de amor. Se for verdade que procuramos prazer e evitamos a dor, então, por que negamos ao outro nosso carinho? Acho que acontece o contrário; defendemo-nos de coisas excelentes, fabricando uma casca protetora, verdadeira couraça muscular, para disfarçar o que sentimos. Toda pessoa cascuda vira um especialista em disfarce. Ela sempre responde as incertezas do mesmo jeito. Por isso, torna-se muito capaz numa direção, e incapaz em outra.

Todavia, o desdenhoso sabe desdenhar espetacularmente, mas sua habilidade termina aí. O orgulhoso é especialista em colocar-se acima das coisas, e incapaz de vivê-las. O gozador tem grande capacidade em rir de tudo, porém, não sente nada de importante, já que tudo é risível. O sério julga o mundo sério demais e achata a vida. Não tem humor. O displicente não leva nada a sério, então, não há nada que lhe interessa. A ingênua diz com espanto nos olhos que tudo é novo, mesmo acontecimentos velhos de muitos anos. E não se enriquece com acúmulo das experiências. O cobrador vive exigindo que as pessoas cumpram com suas obrigações, com isso acaba eliminando a possibilidade das respostas espontâneas.

Entretanto, o desconfiado está sempre desconfiando e afasta as coisas boas que interpreta como malévola. A eterna vítima é técnica em queixar-se, portanto, não se arrisca a viver uma situação agradável, porém, é incapaz de amar alguém. O falador interminável teoriza sobre tudo e não vive, a vida é um dicionário. Esses são só alguns exemplos de pessoas cascudas. Dificultam a vida, como se fossem óculos escuros, impossibilitando a visão do arco-íris. O cavaleiro medieval, armado de imponente armadura, investe contra o índio nu. Casca e não casca. Quem sai vitorioso?

Se for preciso passar por uma ponte estreita, ou seja, por um momento difícil é quase impossível manter o equilíbrio com a armadura. O índio ganha se surgir um perigo inesperado; como é que o cavaleiro se defenderá? Ele só sabe fazer as coisas de um jeito, é um especialista. É óbvio que o índio ganha. Se acontecer um empurrão, isto é, se as pressões sociais forem muitas, o cavaleiro não resiste e cai. O índio continua levando vantagem. Além disso, durante todo o tempo da luta, o encouraçado tem a respiração deficiente. Em consequência disso, ele pensa, sente e se mexe mal, pois a casca feita, na verdade, por tensões musculares que prendem como uma roupa apertada inibe todas as expansões.

Portanto, assim como o cavaleiro encouraçado, o desdenhoso, a vítima, o orgulhoso e os outros tipos de pessoas cascudas, especializadas em suas defesas se movem, respiram, se sentem mal, vivem mal. Todo bicho muito cascudo, como a tartaruga, o besouro, morre quando cai de costas. Seria bom aprender esta lição. Contudo, a casca oprime, limita e sufoca. Torna-nos burros em todas as reações que fogem a nossa especialidade, o nosso conhecimento. Deixando-nos tenso e sem reações de forma que deixamos a vida passar sem realmente vivê-la, como se passa o tempo. Esquecemos que o nosso corpo não vai durar para sempre. Por que nos maltratar se podemos amar?   

Nenhum comentário:

Postar um comentário

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...