27 de julho de 2016

EDUCAÇÃO SE FAZ ATRAVÉS DO ENCONTRO HUMANO

Está em nossas mãos construir uma educação que tenha o ser humano como referência. Para que ele possa expor o seu ponto de vista, nada melhor que a escola, como ponto de partida na construção de um mundo mais humano. Só a educação pode nos dar esse respaldo, fora dessa realidade vamos ter uma sociedade excludente, sem pensamento lógico, isto é, um pensar que aponte para o futuro numa perspectiva mais humanista, sobretudo, com um olhar de generosidade e condescendência para com as crianças. A criança chega à escola trazendo uma sacolinha cheia de sonhos, porém, ela não aprende porque é bobinha e não da o melhor de si. Sua maior dificuldade está em que ninguém olha para os seus sonhos. Até parece que esquecemos o que é ser criança, o que é sonhar. Vale lembrar, que os sonhos iniciam precisamente a partir do segundo nascimento.

Na verdade, nascemos duas vezes. No primeiro nascimento trazemos uma carga genética hereditária, chamada “cromossomos” e no segundo nascimento trazemos outra carga hereditária e familiar que é o “como somos”. De certo modo, o segundo nascimento está ligado ao simples fato de dar e receber atenção, ou seja, manter o foco nas relações interpessoais. Para ilustrar trago um dado importante, que pode ser resumido numa frese: “quem não tem a atenção de ninguém, não sente o seu existir”. Se um grupo de pessoas resolvessem fazer uma brincadeira no trabalho ou entre amigos. Por exemplo, amanhã vamos ignorar o fulano. Ninguém olha e nem fala com ele. Seria uma tortura mortífera, talvez um dos piores castigos que se pode dar a alguém no mundo. Uma pessoa tratada com indiferença está muito próxima de um morador de rua. Aquele camarada que mora debaixo da ponte onde não tem atenção de ninguém. Nem o cachorro na rua olha para ele. Existirá coisa pior que isto?

Curiosamente, mais da metade do consumo no mundo é feito para as pessoas se exibirem. Não é bem assim! Quem exibe uma roupa bonita e elegante, é para ser notado. “Olha eu aqui”! Se ninguém me olha, não sinto que existo. O que a criança espera do professor no seu primeiro dia de aula? Ser notada pelo mestre com carinho. Se no primeiro contato a professora olha para a criança com cara de mãe, não está olhando nem para criança e muito menos para seus sonhos. Simplesmente ela está repetindo o olhar de coação ou rejeição que a criança recebe diariamente dos adultos. E se o olhar da professora for de autoritária e mandona, a criança se fecha ou se rebela. Certa vez uma professora flagrou uma criança imperativa desenhando e perguntou: “menina você não fez a tarefa que pedi. O que está a desenhar?” Prontamente respondeu a menina: “Deus”. Indagou a professora quase sem paciência: “mas ninguém conhece Deus pessoalmente”. Tranquilamente respondeu a menina: “espera um pouco que a senhora vai conhecer”. Não precisa dizer que se trata de uma criança criativa. Uma menina que com uma folha de papel e um lápis foi capaz de materializar um sonho. Esse é o momento criativo da criança, que está propondo a dança das fantasias. É nesse universo fértil que constrói o saber com prova. Lembrando que fantasia é diferente de sonhos.

As crianças são os melhores filósofos, porque sabem perguntar e interpretar. Alguns anos atrás uma amiga supervisora de ensino, contou-me sobre sua visita numa escola rural, localizada no interior do estado de São Paulo, no meio de um canavial. A professora da classe ficou um pouco constrangida e até assustada, pois fazia uns quatro anos que a escola não recebia a visita de um Supervisor de Ensino. Por conta da surpresa, foi logo mostrando os cadernos dos alunos e o quanto eles já sabiam ler e escrever (ensino fundamental). Para exemplificar a sua afirmação a professora escreveu na lousa: “A asa é da caneca”. Imediatamente, um pequenino (não tinha mais que sente anos), disse que a frase estava errada. A professora disfarçou a conversa e pediu para um segundo aluno ler. Este leu “a asa da caneca”. Foi elogiado pela supervisora, mas ela dirigiu-se ao primeiro aluno e lhe perguntou: “porque a frase está errada?”. Respondeu o menino: “porque a asa é do passarinho”. A supervisora perguntou: “e a caneca, o que é que tem?” Ele respondeu: “a caneca tem cabo”. Evidentemente que o segundo aluno fez uma leitura mecânica, mas o primeiro aluno, interpretou, analisou e concluiu. Isso é alfabetização.

No entanto, se a sua constatação (a frase está errada) não tivesse sido explicitada, tanto a supervisora como a professora perderiam a chance de compreender a sua aprendizagem na leitura e, certamente esse aluno seria avaliado como indisciplinado e burro. Porém, a escola nos oferece propostas simples para um mundo complexo. As crianças na sua maioria pobres, elas só têm sonhos e esperanças de que um dia melhore. Todavia, o ofício de ensinar e despertar nas crianças o encanto pelas letras, não é para aventureiros. Apropriar-se do conhecimento nos faz mais humano, nos faz ver a criança como alguém que sonha. É olhar para criança e pensar: “posso fazer desta pessoinha, melhor que eu. Talvez eu não tivesse um professor tão bom quanto posso ser para esta criança que coleciona sonhos”. Como educador não posso fazer nada que venha a envergonhar a criança que já fui um dia. O papel do professor é formar bons profissionais, mas a nossa maior dificuldade é formar cidadãos conscientes e mais humanos.

Nobres professores não vão deixar morrer a capacidade que a criança tem de sonhar. A lógica da vida não é mecânica e sim orgânica. O papel da escola é ampliar o conhecimento elevando o horizonte de sonhos da criança. Resolver mecanicamente não funciona. Um livro que não toca e nem encanta a criança não serve para nada. Vamos tirar a ideia de ensinar a criança e colocar a ideia de compreender o seu universo simbólico. Porque todo conhecimento começa com um sonho. O conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas, sonhar é coisa que não se ensina na escola. Brota das profundezas do corpo, como a água brota das profundezas da terra. Com sabedoria, cabe ao professor olhar para os olhos da criança e dizer: Conte-me os seus sonhos, para que sonhemos juntos. Vamos tornar a criança suportável, a fazer amigos, a lapidar sua agressividade e aprender a conviver com os iguais. Para o filósofo e educador francês Olivier Reboul (1925-1992), esta pedagogia chama-se “educação dos sentimentos”. Se a educação não pode tudo, não se pode nada sem ela.

Portanto, através dos pais e educadores as crianças aprendem o que é ser gente grande. Aprendem a brincar, a estudar, a trabalhar, a amar e nunca desistirem de sonhar. A criança forma na infância a imagem do que é ser adulto responsável. De modo que, pais e professores querem exercer sua missão com o máximo de perfeição e nem sempre conseguem. Sendo que na vida nada é absoluto. Sempre há margem para o aperfeiçoamento, uma vez que a perfeição não é um atributo humano. O que a criança espera dos pais e dos professores é que fiquem do seu lado, não acima da criança. Eles querem sentir que não estão sozinhos no mundo. Contudo, filho é um envelope gigante que os pais e professores mandam para o futuro. Sendo que pai e professor são apenas dois selinhos pequenos, que sem esses dois selinhos esse envelope gigante não vai a lugar nenhum. Concluo essa reflexão citando o filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014), que dizia: “Senhores educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, sejam especialistas em amor: intérprete de sonhos. O menininho sonhava. Como Deus, que do nada criou tudo, ele tomou o nada em suas mãos, e com o nada fez o seu carrinho. Imagino que, também como Deus, ele deve ter sorrido de felicidade ao contemplar a obra de suas mãos”. 

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