8 de julho de 2015

SER CRÍTICO É UMA VIRTUDE

Durante muito tempo acreditou-se que ser crítico significava ver o que estava errado a partir de uma visão ocidental, moderna, cristã e marxista. Considerando certo, como verdade já definida. Significava apropriar-se de uma teoria “crítica” sem, necessariamente, uma atitude prática, uma mudança interior. Entre nós, geralmente, esta “teoria crítica” era sinônimo de teoria marxista. Sendo esta teoria responsável por uma critica severa e uma alternativa ao capitalismo, tanto na formação dos estados socialistas, como inspiração para uma infinidade de movimentos e lutas sociais por direitos dos trabalhadores que são excluídos nos países capitalistas.

No entanto, ser crítico no contexto atual, numa sociedade de massa, onde os indivíduos correm o risco de viver a vida toda sem ter sido “ninguém”, se torna bem mais exigente. Mais ainda, ser crítico numa “sociedade do espetáculo”, que segundo a filósofa e psicanalista Maria Rita Kehl (1951), é a própria sociedade de consumo, onde: “a televisão representa a esperança de visibilidade para onde os sujeitos dirigem suas escolhas de vida”, torna-se um desafio que perece quase intransponível. Portanto, a situação atual exige que perguntemos o que significa “ser crítico”. Antes não se faria esta pergunta por que a resposta estava evidente. Ser crítico significava, inclusive, um grande otimismo histórico coletivo e individual, pois já sabíamos muito antes como o mundo deveria ser. Neste contexto, ser crítico se confundia com ver o mal, a contradição fora de mim mesmo e fora da classe que julgava ser ou representar.

Entretanto, para o filósofo e educador Selvino Assmann, da Universidade Federal de Santa Catarina, sugere a crítica como virtude intelectual e moral, referindo-se: “à urgente necessidade do individuo incluir a si próprio naquilo que se critica, à urgente necessidade de trabalharmos com maior otimismo no campo teórico e técnico, para podermos ser de novo um pouco mais otimista na prática”. Para o filósofo e educador Michel Foucault (1926-1984), intelectual francês, analisando o pensamento do filósofo alemão Imannuel Kant (1724-1804), destaca a necessidade de uma atitude crítica, isto é, uma “ontologia do presente e de nós mesmos”, onde nos perguntamos: o que está acontecendo hoje conosco? Foucault conclui que: “ser crítico significa ser mais rigoroso possível, o mais exigente possível em qualquer estudo, não temendo por em xeque as próprias certezas previamente admitidas. Significa pôr-se em jogo constantemente”.  

A crítica, portanto, se põe entre saber e o agir, entre a teoria e a prática, como uma forma de viver, intensamente, sob tensão consigo mesmo e com os outros. Tensão por renunciar à posse da verdade, sem nunca renunciar ao desejo de possuí-la, como descreve o filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.) no diálogo platônico com o título de: “O Banquete”, onde o amor é desejar o que nos falta sem nunca podermos realizar. Porque a perfeição está no mundo das ideias platônica. Para o filósofo alemão Kant, a crítica aparece como virtude. Mais ainda, é uma questão de atitude que se justifica, por uma vontade decisória de não ser governado, atitude tanto individual quanto coletiva, sobretudo, para sair do senso comum. Todavia, significa ter coragem de pensar por conta própria e risco, deixando de lado o comodismo e não depender de ninguém para pensar por você. Como diz o filósofo e educador Mario Sérgio Cortella (1954): “a vida é muito curta para ser pequena”. Vou um pouco mais além: “a vida é muito curta para viver o que os outros querem”.   

Portanto, o contexto atual em que vivemos uma espécie de mal-estar, de solidão, de insegurança, de vida menos sólida, com menor grau de convicção, onde desconfiamos de que as mudanças sejam possíveis, de que possamos unir forças com outras pessoas para enfrentar as adversidades, talvez seja o ambiente propício para algo novo. Para o filósofo e educador francês Edgar Morin (1921): “o que morreu foi a ideia de um mundo perfeito, sem classes sociais”. Então, há que se inventar uma sociedade um pouco melhor do que essa que existe, e não abandonar-nos ao conformismo, tornando-nos conservadores do que já somos e temos. Contudo, neste sentido, ser crítico é procurar entender a realidade sem termos uma verdade já definida, a partir da qual analisamos o que está acontecendo. Para o filósofo e sociólogo alemão Teodor Adorno (1903-1969), um dos expoentes da chamada Escola de Frankfurt, afirmava: “elevar o sofrimento humano ao plano teórico, para nos darmos de cara com o perigo e a dramaticidade do que é viver”. Acreditar sempre, porque quando desistimos de algo é porque estamos começando a deixar de amar e perdendo a esperança na vida.

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