22 de novembro de 2014

UM SONHO QUE SE SONHA SÓ

Sonhar faz a gente inventar um mundo novo. É com essa imaginação que criamos momentos, onde com toda a certeza estaremos felizes, completos e realizados. Usamos das experiências já vividas, das emoções sentidas, dos momentos vividos para nos imaginarmos num tempo futuro. Passamos a buscar representações do já conhecido para imaginarmos o desconhecido e com isso diminuir a ansiedade frente ao novo. A imaginação é um sonho e, como dizia Raul Seixas (1945-1989): “Um sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só”. Porém, nesse sonho, o lugar não importa, pode ser um castelo, uma casa, uma praia, um parque, uma montanha, uma cabana, uma avenida, um lugar qualquer. Assim como também, o tempo não importa, pode ser amanhã, a próxima semana, o próximo mês, quem sabe o ano que vem. Vai depender do tamanho desse sonho e a fé que nutre esse amor.

Na verdade, o que importa é que aconteça. Nesse sonho o que importa não é o que se faz, é o que se sente a partir daquilo que é feito. E para que nesse sonho possamos nos sentir felizes, é preciso quase sempre que alguém participe dele. É a realização da crença de que não se pode ser feliz se estiver só. Envelhecer sozinho é deixar de sonhar juntos. Todavia, esse personagem imaginário é tão real dentro desse sonho que chega a ter forma, sentimento, pensamento, atitudes, etc. Desse personagem se espera frases ditas nas horas exatas, atitudes corretas, pensamentos românticos, expressões de emoções que demonstrem sentimentos sinceros. Dele se espera que nos olhe no fundo dos olhos e sem dizer palavra alguma, nos de segurança e a certeza de sermos amados, que não existe outro e nem poderá existir, é como se já tivéssemos decidido quem será a pessoa merecedora do amor guardado.

Despertado do sono, mas não do sonho, vamos a busca desse ser, que com certeza existe, só ainda não percebemos a sua importância para o nosso sonho. Mergulhado nesse egoísmo passamos a procurar na multidão o rosto dessa pessoa que já existe em nosso pensamento. Voltamos todos a viver na Caverna de Platão, na caverna da indiferença, do desrespeito, do egoísmo e da injustiça. Abandonamos os sonhos com muita facilidade, como se fossemos ter uma vida toda pela frente. Amassamos como um papel e jogamos no lixo, não damos conta que estamos desistindo de um projeto de vida.

Entretanto, quando encontramos alguém que demonstre, por menor que seja, disposição para compartilhar conosco um projeto de vida. Ser o personagem do nosso sonho, mostrando a possibilidade do sonho se tornar realidade, é tão desejado que passamos a sentir o que sentimos no sonho e julgamos ser esse personagem o responsável pelo nosso sentimento. É aqui que mora o perigo, porque começa a confusão pessoa e personagem. Conhecemos tão bem esse personagem e tão pouco essa pessoa. Não deixamos essa pessoa ser ela mesma. Satisfazemos com o pouco que conhecemos dela e que se assemelha de tal modo com a personagem, que fechamos os olhos, com desculpas, explicações emocionais, insensatas, mas apaixonadas, para nos fazer acreditar que o sonho e realidade são uma coisa só.

Com medo de perder esse sentimento vivemos o sonho. Mas chega o momento em que, mesmo despertos do sono, temos que despertar do sonho, destrancar as portas fechadas e, sem usarmos da imaginação, olharmos para a realidade, correr o risco de perder a paixão e dar lugar a outro sentimento. É preciso conhecer a pessoa, deixar que ela se apresente a nós tal como ela é. A paixão é um fogo imenso que logo se apaga e a afetividade conjugal é uma chama que arte lentamente, que mantém cálido o coração trazendo segurança e conforto. Temos de ser adulto o suficiente para conhecermos o outro por quem algum tempo fomos apaixonados e que, por nutrirmos esse sentimento, não quisemos conhecer, mas apenas reconhecer nele o sonho sonhado. É preciso reconhecer quão egoísta fomos não permitindo que esse personagem desvendasse a pessoa que por dentro dele havia.

Portanto, como adultos, tomamos a decisão de nos iludirmos com uma relação afetiva onde só um dos lados dizia amar, só um dos lados decide escolher como deve ser essa relação. Nem sempre o final da paixão coincide com o final do sonho, da realidade, ou do relacionamento. Há relações em que o amor preenche o espaço antes ocupado pela paixão, mas para isso é preciso que conheçamos a outra pessoa na intimidade. Suas ideias, seus pensamentos, suas formas de expressar emoções e provocar sentimentos até então desconhecidos. Experiências não vividas, frases ainda não ouvidas, conceitos não conhecidos. Contudo, numa relação afetiva, é necessário que duas pessoas reais se encontrem, conversem sobre projeto de vida, seus desejos, objetivos, sonhos comuns. Porque um sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas, um sonho que se sonha junto, ambos fazem acontecer.   

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