25 de junho de 2014

A OBRA PRIMA DE UM HOMEM É A SUA VIDA

Este título foi extraído de um texto publicado pelo filósofo e educador Régis de Morais (1940), que na verdade é uma frase do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910). Mas, muito apropriado para essa nossa reflexão. Este místico que foi um gênio da literatura, homem cheio de conflitos e contradições - como são a maioria dos escritores - no fim de seus dias estava preocupado com o que haveria feito da sua vida, e alertava a todos para que “construísse” bem o seu viver e o seu conviver com o outro. Um dilema que abate a todos.

Nascemos no interior de uma cultura, de uma sociedade; quando aprendemos a falar nossa língua, mal percebemos que ela já nos transmite uma mentalidade, pois, os limites da nossa língua são as fronteiras da nossa visão de mundo. Vamos crescendo no interior de uma família, e esta nos passa inúmeros valores da sociedade, bem como valores que são peculiarmente seus. Até que chega a época em que a convivência se estende para fora do circulo familiar, nos defrontamos com uma estrutura social que, através de pressões e condicionamentos às vezes pesados procura impor-nos seus hábitos, códigos de leis e muitas das suas expectativas em termos de moral.

A sociedade acaba usando a família, as igrejas, as escolas e os locais de trabalho para tentar modelar-nos ao seu gosto. Não podemos negar que consegue muito do seu intento e, em algumas circunstâncias, pode até inibir nossas ações. Em razão de tudo isto, é inevitável que incomodem nosso espírito algumas dessas questões. Afinal, seremos apenas táxis nos quais viajam as vontades e os valores dos outros? Seremos meros produto de uma melancólica fabricação em série? Haverá como negar que, em muito boa medida, somos construídos pelo meio?

Entretanto, no exato momento de nossa evolução em que adquirimos consciência de todas essas forças que agem sobre nós, aí estaremos começando a olhá-las com senso crítico. Principiaremos a praticar, para com as influências do meio, a arte da desconfiança – que é uma coisa muito mais sutil do que a neurótica mania de desconfiança. Afinal, arte é arte, mania é outra coisa de tom doentio.

Para o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), que depois de muita obediência sem discussão, surge um momento na vida em que sentimos necessidade de dar um passo atrás e olhar panoramicamente para o conjunto de valores que o meio nos incutiu, para que então façamos deste nosso julgamento pessoal. Um momento que exige coragem para separar o trigo do joio e, decididamente, amar o amável e rejeitar o inaceitável. Uma vida só de cobranças e obrigações ninguém aguenta. É um camelo atravessando o deserto.

Considerando isto, finalmente, somos construídos ou construímos? Parodiando o título de um poema de Cecília Meireles (1901-1964), não se trata de “ou isto ou aquilo”, neste assunto; trata-se de “isto e aquilo”. Na vida tanto somos construídos quanto construímos, sendo que o necessário seria garantir a cada individuo, a possibilidade de criticar as heranças que recebeu. Ao que parece, nem todos tem esse espírito critico, infelizmente. O que vamos fazer de nossas vidas? Em condições normais, este é o único problema verdadeiramente sério que surge para os seres humanos. Marcados por guerras intermináveis, cheios de explorações econômicas criminosas dos fortes contra os fracos; época tumultuada desse começo de século, em que parecem ter desabado de vez muitos valores da nossa civilização.

Entretanto, por a culpa no meio, algumas vezes está certo. Mas, por sempre a culpa no meio é negar que somos pessoas, e não trastes que são jogados daqui para ali. De tudo o que desabou, vamos reconstruir novamente a partir do que restou de nossas vidas. Quando Tolstói disse que “a obra-prima de um homem é a sua vida”, pôs logo as pessoas a se lembrarem de tantos seres humanos quase ou inteiramente anônimos, que nunca escreveram um livro ou realizaram feitos considerados socialmente importantes, mas que, em seu bairro ou cidade, lutou sem descanso para fazer de sua vida uma obra-prima de humanidade. Está claro para o homem, que é o viver que justifica o viver, caso contrario o condena.

Ninguém saberá ensinar o outro como se realizar. Nenhum homem tem como ensinar o outro como enriquecer sua trajetória de vida. O pouco que se pode dizer, neste terreno, resume-se em quatro grandes questões: Primeiro, cabe a cada um escolher os valores pelos quais queira viver. Segundo, cabe também a cada um ter claro que o trágico não é ter escolhido valores equivocados; se um homem se equivocar, mantendo sinceridade e fidelidade aos seus princípios, não terá mentido nem a si nem a ninguém. Terceiro, caberá a todo homem não deixar seus valores se transformarem em teimosia preconceituosa, tendo para isto que rever constantemente e criticar suas posições. E finalmente, que o caminho que uma pessoa escolheu seja caminhado de forma sensível e inteligente, tanto quanto as suas limitações o permitirem.

Agora que valores ter, como não se equivocar, que caminho escolher? Estas são coisas que só alguns fanáticos se metem a ensinar. A milenar sabedoria chinesa já disse e jamais será demasiado repetir que, cada ser humano tem um caminho que é seu: "a sua vida". Que ninguém poderá caminhar o caminho do outro por ele, da mesma forma porque nenhuma outra pessoa poderá morrer por nós a nossa morte ou, antes, sofrer por nós as nossas dores.

Portanto, como ensinava o filósofo grego Sócrates (469-399), o importante mesmo é que, ao final da vida, cada um se pareça cada vez mais consigo mesmo. Afinal, o homem autêntico é uma obra-prima. A vida humana consciente é uma tentativa de navegar no oceano dos condicionamentos do ambiente, evitando naufragar neles. Se você não descobrir qual é sua missão no mundo, ela certamente ficará incompleta, porque ninguém poderá concluí-la, cada pessoa é como uma peça de um quebra cabeça. Só ela pode ocupar o espaço vazio e, se não ocupá-lo, ficará deslocada, e sua essência incompleta. Contudo, "viver" e "amar" constitui-se para nós humanos um mistério, que muitos transformam num problema. 

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