29 de janeiro de 2013

A MORTE É ONDE MORA A SAUDADE

Entendemos como morte tudo aquilo que não temos mais. A morte que para nós existe visível é a do outro que já não existe mais. Penso que se fossemos Brás Cuba, aquele do romance escrito por Machado de Assis (1839-1908), com certeza este trabalho de nossas memórias póstumas, talvez pudéssemos adiantar algo de concreto sobre a morte, por isso somos eternos inconformados, pois, o que nós não podemos conceber é não ter memória da nossa morte. Passamos a vida inteira morrendo aos pouco e, quando a morte vem nos buscar, não podemos assisti-la.

A morte está onde menos esperamos que ela estivesse. Tanto naquelas fotos que guardo dos meus filhos quando eles tinham aproximadamente entre três e quatro anos de idade, como naquela música da época que nos traz lindas recordações de momentos que vivemos, que a morte levou e nos deixou saudades. Como diz a música de Nelson Cavaquinho e Jair Costa, Eu e as Flores: “Quando eu passo perto das flores quase elas dizem assim: Vai, que amanhã enfeitarei o seu fim”. Entretanto, ao olhar hoje para as fotos dos meus filhos quando eram pequenos, sinto um aperto no coração e prontamente sou tomado por um saudosismo incomensurável, sinto que aquelas crianças da foto não existem mais, como jamais voltarão a existir. É aqui onde mora a nossa saudade.

Como argumenta o escritor irlandês James Joyce (1882-1941): “A nossa história é um pesadelo do qual estamos tentando acordar”. O final das coisas é sempre doloroso para quem fica. Sinto que a dor faz parte do simples fato de que o mundo existe. A dor é o preço que pagamos por estar vivos. Para o filósofo Karl Marx (1818-1883), “a alienação cria o descompasso entre a nossa existência e a nossa essência. Não vivemos o que somos e nem podemos ser o que gostaríamos de viver”. Entretanto, a meu ver essa adequação entre a essência e a existência, está a nossa santidade. Contudo, a dor pelos vivos às vezes dói muito mais, arranca de nós um pedaço, ou seja, a metade adorada e querida de mim que vai junto.

Certa vez li uma crônica de Millôr Fernandes, que trazia como título: “A morte da tartaruga”. Conta a história de um garoto que foi ao quintal de sua casa e voltou chorando. A tartaruga de sua estimação tinha morrido. O menino não se conformava com a cena do bichinho morto. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe, a princípio, ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. “Cuidado, senão você acorda o seu pai”. Mas o garoto não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, só interessava aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho velocípede e lhe prometeu uma surra, caso não parasse com aquela choradeira, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.
                                                                                         
Entretanto, com tanto choro, o pai que estava descansando depois de uma longa noite de trabalho, acordou com o barulho. Levantou para certificar o que estava acontecendo. O garoto prontamente mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse: “Já conversei com ele e até prometi outra tartaruga, mas não adianta ele continua berrando desse jeito”.

O pai examinou a situação e propôs o seguinte: “Se a tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar filho. Deixe-a e venha aqui com o pai, pois tive uma ideia”. O garoto colocou cuidadosamente a tartaruga junto ao tanque de água e seguiu o pai, pela mão. O pai serenamente sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse: “Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer para ela um grande funeral”. O menininho parou imediatamente de chorar. “O que é funeral?” O pai lhe explicou que era um enterro. “Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, com bastante bala, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa, em cima da mesa da cozinha, e rodeamos de velinhas de aniversário. Convidamos os seus amiguinhos, acendemos as velinhas, cantamos o Feliz Aniversário pra tartaruguinha morta e você assopra as velinhas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que morreu. Isso é funeral! Vamos fazer isso?”

Depois de ouvir o pai, o garoto já estava com uma carinha melhor. “Vamos papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, vou buscá-la”. E saiu correndo. Enquanto o pai trocava de roupa, ouviu um grito no quintal. “Papai, papai, vem ver, ela está viva!” O pai correu para o quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo, sem nenhum problema. “Que bom, hein?” Disse o pai. “Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral”. “Vamos sim, papai”, disse o menino ansioso, pegando uma pedra “Eu mato ela com uma pedrada”.

Portanto, como toda história tem a sua moral e com essa não poderia ser diferente. Ou seja, o mais importante não é a morte, mas o que ela nos tira. Seja uma pessoa, seja um animalzinho de estimação ou mesmo a morte de um grande amor que não temos mais e que hoje nos faz muita falta. Como dizia Dorival Caymmi: “É tão triste ver partir alguém que a gente quer com tanto amor”. Contudo, o que fica na memória são saudades e lembranças de algo que nos foi tirado.
        

Um comentário:

  1. Boa noite Eduardo Morais, lendo sobre a morte e a saudade, pensei, como não percebemos que sempre estamos perdendo alguém, seja um amigo ou um parente, e deixam o nosso coração triste, pois nunca estamos preparados para sentir tanta saudade sabendo que nunca mais poderemos tocar, olhar ou simplesmente abraçar com carinho, e me senti triste, pois perdi uma amiga querida, que ela esteja bem onde estiver.

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