1 de março de 2022

O PASSADO NÃO QUER PARTIR, TEIMA EM FICAR

Rubião Junior é um lugar onde o tempo não passa. O passado não quer partir, teima, quer ficar. Fotografei esse passado que não quer partir. O comum é dizer tira uma foto, antigamente era tirar um retrato. Mas, está errado. O olhar do fotógrafo não tira nada; ele põe. Assim, descansando meus olhos pela beleza natural dessa aldeia, lembrei-me de um verso que a Cecília Meireles escreveu para o avô, encantada: “Tudo em ti era uma ausência que se demorava. Uma despedida pronta a cumprir-se”.

Foi o que eu disse baixinho para Rubião Junior que eu via: “tudo em ti é uma ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se”. De modo que fotografar é muito perigoso. Talvez o fotógrafo não saiba, pensa estar fotografando o carro de boi, o fogão de lenha, a senhora idosa, a casa arruinada. Não sabe que está fotografando a sua própria alma. Não fotografamos o que vemos. Fotografamos o que somos. Toda fotografia é auto-retrato, pedaço do corpo do fotógrafo.

Portanto, é assim que eu sou, o tempo está dizendo. Ver fotografias é antropofagia, eucaristia, comer com olhos o que o fotógrafo registrou. Os olhos fotografam o tempo que não quer partir, os olhos que sofrem de despedidas. Olho sobre os quais o poeta austríaco Rainer Maria Rilke (1875-1926) falou: “Quem assim nos fascinou para que tivéssemos um olhar de despedida em tudo o que fazemos?” Fotografias de um mundo que se despede. Fotografias para adiar a partida. Fotografias é feitiçaria, para enganar o tempo, para imobilizar o tempo, para impedir que ele passe, para que o momento se torne eternidade.

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