25 de julho de 2020

POEMA À BOCA FECHADA

Não direi: que o silêncio me sufoca e me amordaça. Calado estou, calado estarei. Pois que a língua que falo é doutra raça. Palavras consumidas se acumulam, se represam, cisterna de águas mortas, ácidas mágoas em limos transformadas, vasa de fundo em que há raízes tortas.

Não direi: quem nem sequer o esforço de as dizer merecem, palavras que não digam quanto sei, neste retiro em que me não conhecem. Nem só todos se arrastam, nem só lamas, nem só animais, boiam, mortos, medos, túrgidos frutos em cachos se entrelaçam no negro poço de onde sobem dedos.

Só direi: crispadamente recolhido e mudo, que quem se cala quanto me calei, não poderá morrer sem dizer tudo.

Neste “poema à boca fechada” do escritor português Prêmio Nobel de Literatura José Saramago (1922-2010), descreve como ficamos quando um sonho nos é tirado. Mais adiante ele complementa com outro pensamento, tanto quanto, profundo: “Arranca metade do meu corpo, do meu coração, dos meus sonhos. Tira um pedaço de mim, qualquer coisa que me desfaça. Recria-me, porque eu não suporto mais pertencer a tudo, mas, não caber em lugar algum”.

Portanto, é como se fossemos um oceano e de repente uma de suas ilhas começa a afundar. Como ficarão seus habitantes? Sendo que na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos morrer. Então sabemos tudo do que foi e será. Sabemos o que é viver, mas, ainda falta compreender o porquê não vivemos plenamente.

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