23 de maio de 2019

ESTAMOS TODOS CEGOS DA SENSIBILIDADE

A transição do mundo moderno, para o mundo líquido vem do fracasso das relações humanas. Na verdade, somos intolerantes e mesquinhos com os outros. A vida em sociedade é feita de pequenas e grandes mentiras. No entanto, o errado é sempre o outro. As promessas modernas provindas de uma racionalidade que se inicia no Renascimento e atinge seu ápice no século XIX com os incríveis avanços científicos e políticos provindos da Revolução Francesa e Industrial. Ao entrar no século XX, a ciência e essa ideia da razão como o propósito da existência humana, encontram seus dias de trevas. Apesar de iniciar o século XX com um otimismo incrível proporcionado pela Belle Époque (expressão francesa que significa bela época), o voo alto da razão faz queimar suas asas, assim como Ícaro (mitologia grega), e implode duas grandes guerras que matariam mais de 60 milhões de pessoas no mundo. A ideia de que a razão e a ciência salvaria o mundo fracassa. A modernidade cria a guerra.

De modo que é comum a nossa racionalidade jogar a culpa por esses grandes eventos em uma irracionalidade, herança iluminista que não nos deixa culpar aquilo que, segundo eles, esse mal está na nossa essência (a estorinha do escorpião e o sapo). Contudo, é justamente essa razão levada a níveis extremos que proporcionou as duas grandes guerras: “a bomba atômica, a linha de produção do holocausto e tudo isso fruto da razão”. De modo que, o mundo pós-moderno nasce a partir do fracasso nas relações humanas. Criamos um problema e, contudo, aumentamos o nosso desespero. Com grande apelo consumista e a negação das questões morais, sociais e ecológicas, parece que permanecemos numa espécie de ressaca ética. Ética para quê?

No entanto, o escritor José Saramago (1922-2010) no seu livro: “O Ensaio Sobre a Cegueira”, retrata bem esta questão da cegueira. Será que é preciso cegar todos para que enxerguemos o mal que estamos fazendo um ao outro. Estamos todos cegos, cegos das nossas leis, cegos da razão, cegos da sensibilidade, cegos do nosso egoísmo, cegos da nossa crueldade e violência. Todos estão enclausurados na caverna da indiferença, da insensibilidade e da incapacidade de ver e enxergar o seu semelhante. Andamos pelas ruas parecendo cadáveres ambulantes, meio embotado, mergulhados num sonambulismo incomensurável. Basicamente vivemos uma vida automatizada sem a menor consciência de quem somos. Pensamento totalizado, ou seja, somos levados a um pensamento único e uniforme, que é o da globalização econômica, que substitui o pensar crítico.

Portanto, crescemos muito em tecnologia nos últimos anos e atrofiamos espiritualmente. Vivemos a era da mecanização dos homens e a espiritualização das máquinas. Estamos assistindo relações humanas que podia ser de boa qualidade, fracassar. Relações de amizade se deteriorando e o espaço para a solidão aumentando cada vez mais. Pessoas fechadas no vazio do seu mundo e projetando no outro a razão do seu fracasso. Na política não é diferente, basta dar uma olhada nas manchetes, para ver o caos que se instalou na vida dos 14 milhões de desempregados, sem falar do restante da população brasileira. Tudo isso fracassou na educação e no amor. Contudo, na chamada modernidade líquida há ainda a herança maldita da racionalidade, mantendo sua essência e assumindo as mais diferentes formas, a todo instante, tentamos desviar sua culpabilidade. Não seria o amor, por exemplo, a única saída para vermos um mundo mais humano?

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