9 de janeiro de 2016

QUAL A UTILIDADE DA FILOSOFIA?

Dizem que a filosofia é coisa de quem vive nas nuvens. Será mesmo a filosofia coisa de pessoa desligada? Os italianos dizem que a filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual. Um conferencista brasileiro, com ironia ainda mais agressiva, comentou: “eu penso na filosofia como se esta fosse um homem, num quarto escuro, procurando um chapéu preto que não está dentro desse quarto”. Isto é, a filosofia seria uma loucura elegante, algo completamente sem utilidade? Mas, por que tanto interesse em se falar mal de uma coisa supostamente insignificante? O que está por trás dessas ironias?

No meu curso de filosofia, certa vez numa aula de antropologia filosófica o filósofo e educador Régis de Morais (1941), hoje meu orientador. Apresentou-nos um texto seu “A Filosofia é Inútil?”. O ensaio contava que certa vez houve, na praça pública de Atenas, um célebre debate sobre a importância ou não da filosofia. Amigos deste tipo de saber e adversários, reunidos publicamente, realizaram como que um julgamento da “ré filosofia”. Muitos sábios estavam presentes ao debate; dentre estes, o grande filósofo Aristóteles. Pois bem, todos os adversários da filosofia discursaram tentando demonstrar sua inutilidade. De outro lado, todos os amigos da filosofia argumentaram como podiam para conseguir provar a importância desta. Ao final, conta o cronista antigo, que Aristóteles levantou-se para falar.

Fez-se um enorme silêncio na praça, pois se respeitava muito aquele sábio. Talvez se esperasse dele um longo e inflamado discurso. Mas, Aristóteles fez um raciocínio extremamente simples que deixou a todos perplexos. Ponderou o pensador: “Ouvi com máxima atenção a todos. De tudo do que disseram tiro duas alternativas muito simples: ou nós devemos filosofar ou nós não devemos filosofar. Pois bem, se devemos, vamos filosofar. Se, porém não devemos filosofar, isto só em nome de uma filosofia”. Como seria inevitável, o debate acabou aí. Afinal, até para não filosofar era preciso dar razões e fundamentar, o que é a pratica filosófica.

Entretanto, a sociedade industrialista e de consumo tem medo da filosofia. Aliás, todos os movimentos de massificação social têm medo da filosofia, pois aquele que se aproxima do estudo filosófico, de uma forma ou de outra desenvolve o seu “senso crítico”. Ora, no nosso mundo, em que a tônica dos meios de comunicação e de muitos governos, é fazer a cabeça, quem pensa incomoda, quem sabe criticar ideias e situações não se deixa levar, não se deixa manipular. Esta é a razão pela qual todas as ditaduras do mundo, quando se instalam no poder, saem a campo para caçar, prender e exilar os filósofos; eles são caçados e depois cassados. Eis também a razão pela qual o meios de comunicação ou fazem uma caricatura do filósofo ou se calam ostensivamente a seu respeito. Sempre foi muito bom para a filosofia ser marginalizada pelos ditadores políticos e pelos tiranos da economia, pois, só assim ela quase nunca se assentou nos banquetes dos poderosos (como tão frequentemente têm feito as ciências), e pode fortalecer sua têmpera nos calabouços da sociedade.

Segundo o filósofo e educador Régis de Morais, ninguém pode ficar indiferente ante a filosofia. Afinal, se nascemos seres pensantes, é natural que procuremos pensar. Marginalizar a filosofia é uma forma de valorizá-la. Amar a filosofia é outra e mais positiva maneira de valorizá-la. Vai-se sempre amar ou odiar a filosofia, nunca dará para ficar-se indiferente. No dia em que o ser pensante desistir de pensar, tudo estará acabado e o mundo se encherá de figuras idiotizadas passando pela vida como quem passa por um delírio. Uma coisa é certa: nós nascemos para levar a vida, não para sermos levado por ela feito folha seca que cai num riacho e perde o governo de si mesma.

Acontece que, quando a mentalidade consumista nos invade e nos domina, ela o faz de um modo tão esperto que, embora presos e escravizados, sentimo-nos muito sabidos e ousados. Esta mentalidade injeta um tão estranho veneno nas pessoas que estas passam a detestar a única coisa que as distingue dos irracionais: “o desejo de buscar o sentido da sua vida”. Ora, filosofar é não abrir mão de procurar o sentido da vida individual, da vida social e da cultura. Podemos dizer que “a filosofia é a procura da face verdadeira do homem”. E isto não pode ser buscando nas nuvens e nem entre os anjos. É fixando o olhar e a inteligência nas alegrias e sofrimentos dos seres humanos, observando e refletindo sobre os fatos e sentimentos do homem, que se constrói um edifício filosófico. Antigamente pensava-se que havia lá em cima, um céu de ideias de onde desciam luzes sobre a vida; hoje se sabe muito bem que as ideias nascem do calor do viver ao rés do chão, entre pessoas, objetos, casas, cenários e nosso olhar atento aos seres vivos que nos cercam com sua beleza.

Por conseguinte, se a filosofia busca a verdadeira face do homem, ela não pode fugir dos conflitos que marcam a vida humana. Já se disse que o conflito é a morada da vida, portanto, não cabe ao fazer filosófico qualquer tipo de alienação. Quando os filósofos e literatos (como um Dostoiévski, um Sartre ou um Graciliano Ramos) questionam o sentido da vida, fazem-no para que os homens cheguem a conduzir suas existências e não sejam levados pelos empurrões do viver. Fazem-no para que as pessoas realmente participem do viver, não apenas o tolerem. Contudo, acusam o projeto filosófico de ser muito pretensioso. E nisto têm razão, pois a filosofia não pode querer pouco. Sua pretensão não é a de ter status, riqueza ou de patrocinar exibicionismos. Aquele que pensa, não quer ser manipulado por fama, riqueza ou exibicionismo. Aquele ser pensante que não abdicou do pensar, ele deseja é viver com sentido e por um projeto válido de vida. Desde uma modesta filosofia de vida até um sofisticado sistema filosófico, o que se pretende é buscar o sentido de tudo e evitar o embotamento humano. Enfim, ao que tudo indica, a filosofia nada tem de inútil.

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