23 de maio de 2015

O PRAZER DESAFIA O AMOR PLATÔNICO

Segundo Platão (427-347 a.C.), o amor é a busca da beleza, da elevação em todos os níveis, o que não exclui a dimensão do corpo, onde habita o prazer. No entanto, será que essa concepção ainda faz sentido em tempos de exagerado culto ao corpo e à coisificação do prazer? Parece estranho e contraditório falar do amor romântico em uma época desapaixonada, como esta em que vivemos. Na verdade, esta nossa época carece tanto de sentimento quanto de razão, pois ela pretende ser apenas a encarnação de um tempo hedonista, extravagante, dominado pelos sentidos, num mundo de imagens audiovisuais.

Conforme Platão nos mostra em seu diálogo, como o amor resgata coisas que a gente perdeu na vida, nos dando uma nova chance de se redimir. Só o amor faz a pessoa evoluir espiritualmente. Embora, o amor tenha início na realidade física, deve alcançar a sua forma universal, não permanecendo prisioneiro da matéria, ou seja, do puro prazer físico. Para Platão só te ama verdadeiramente, aquele que ama a tua alma. No entanto, é comum confundir o amor platônico com o amor não correspondido ou desprovido de interesse sexual. Afinal, temos um corpo que reclama pelo prazer de tocar e ser tocado. Na realidade, o filósofo não exclui o amor carnal, porém, o vê como um primeiro degrau que pode levar a outros mais elevados. Por exemplo, fomentar a pratica do sexo tântrico, cujo objetivo é prolongar o prazer carnal para atingir o orgasmo espiritual. O real encontro com a divindade.

No diálogo do Banquete aparecem duas formas de amor, geradas por Afrodite, deusa grega da fecundidade e da beleza. Ela tem dupla face, ou de acordo com alguns estudiosos da mitologia, são duas Afrodites: a celestial, filha de Urano (divindade que personificava o Céu); e a popular filha de Zeus e Dione. Foi Aristófanes (447-386 a.C.) personagem conhecido entre os atenienses pela sua dramaturgia, defende que o amor é a busca da outra metade que se perdeu por castigo dos deuses. Havia no mundo três tipos de seres humanos: um formado só de duplos elementos masculinos, outro só de duplos femininos e por último um misto de elementos masculino e feminino. Esta era uma figura andrógina. Os seres duplos transgrediram a ordenação dos deuses e foram divididos ao meio. Por isso, o amor é a busca da outra metade que se perdera, o que revela a nossa incompletude humana.

Na busca ao amor essencial, outros estágios se fazem necessários que é o amor às formas físicas e sua beleza, independente da forma, mas, é através dela que vamos descobrir o amor tântrico. A sexualidade é o ponto inicial para este universo místico. O prazer figurado na forma física é interpretado como uma adesão aos princípios éticos. A sacerdotisa grega Diotima, associa o amor à imortalidade e afirma que o amor é o “desejo de procriação e perpetuação no belo”. Apesar da visão fulgurante contida nessa narrativa, o idealismo platônico deprecia o corpo e o mundo real. Ele concebe os seres humanos como se estes fossem anjos caídos em um mundo degradado.

No entanto, a razão socrática é acusada de servir à repressão dos instintos. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900, postulou essa questão a uma racionalidade repressiva ao observar que ela está a serviço da ordem e da moral, e representa uma coerção aos amantes que buscam significado existencial na sua outra metade. A moral, de acordo com as suas palavras, transforma-se em “instrumento do instinto de rebanho”. Como se pode ver, a razão tornou-se má conselheira, e um veículo da repressão aos instintos mais verdadeiros. O pai da psicanálise Sigmund Freud (1856-1939), concluiu que o embate do indivíduo com a sociedade é irreconciliável, que chamou de: “molestar da civilização”. A razão que foi construída a partir dos gregos que quer guiar o mundo e por em convulsão os amantes apaixonados. Sinto que este mundo não tem governo. Mas, não existe outro onde possamos viver, a não ser o mundo da razão ou das ideias inatas. Pode-se argumentar que a razão, seja ela grega ou moderna, é sempre repressora: está na sua natureza. Gente querendo ter razão, ao invés de ser feliz por amar, contudo, estão matando um sentimento que transcende a matéria.

Entretanto, o amor que sentimos hoje pretende ser puro prazer, deve encerrar-se aí onde teve início, no próprio corpo. Ele torna-se desejo e excitação, antes, durante e depois do encontro, sobretudo, pelo simples prazer que temos ao sentir o calor deste amor. Mostrando que o amor à pessoa não foi substituído pelo amor às coisas que ela tem e pode oferecer. Apesar disso o prazer físico e o amor platônico transcendem as barreiras do tempo. Nós somos antes de tudo um corpo, o prazer que vamos sentir neste corpo é que vai dizer se o nosso amor é real ou não. O maior equívoco humano é o exagerado apetite dos prazeres corporais e das coisas materiais, isto sempre nos leva o vazio existencial profundo e deprimente. No mito da carruagem descrito por Platão, nos mostra um cavalo preto que representa as paixões, inquieto e impaciente, ou seja, representa o vício, a cobiça e as práticas sexuais exacerbadas. Ele desvia-se do caminho reto, levando junto o cocheiro e o outro cavalo branco. O cocheiro representa a inteligência, que oscila entre os impulsos antagônicos dos dois cavalos: um obediente, que simboliza a coragem; o outro, rebelde, que se guia pela extravagância dos sentidos.

Na concepção dos gregos antigos, o amor não devia tornar-se prisioneiro do corpo, mas elevar-se gradativamente, até o cimo, onde habita as essências absolutas: a verdade, o belo e o bem. Essa passagem do corpo ao espírito é a expressão da dialética ascendente de Platão. Na parte inferior havia o mundo das sombras, produtor de ilusões e os objetos sensíveis. No outro extremo, o mundo inteligível. O processo de conhecimento se da em uma ascensão do mundo obscuro, das sombras ao luminoso mundo das ideias. Porém, tudo o que a nossa época deseja é poder celebrar as conquistas pontificadas pela ciência, pela tecnologia, pelo conhecimento emancipador da modernidade. Contudo, é o corpo que dita às regras do jogo, que diz se está ou não satisfeito. É no corpo que o amor começa sua encarnação.

Portanto, o corpo paira entre o amor e a moral do seu tempo. Inventa uma nova erótica, elege os seus novos parceiros: as academias que redefinem as suas formas, o shop sexy que coisificam o seu prazer, a moda que veste o marketing que o alimenta com produtos miraculosos. Não se pode negar a sedução do vestir elegante, mas, o seu desafio é querer mercantilizar o amor ao desnudar-se. No entanto, sua voz só fala de amor, todo o seu gesto é de amor, para onde vai leva no coração este amor. Caminha pelos verdes campos, sobe montanhas e lá do alto fala do seu encontro com a divindade. Viu a luz brilha na escuridão, o dia que encontrou o amor. Viu o sol nascer quando foi tocado pela esperança e compreendeu que além da matéria existe o amor que transcende a todos os prazeres. Este corpo é capaz de compreender, que existe outra vida além e assim, morrer não é o fim, porque viver é renascer para o amor. Então, tudo retorna ao templo sagrado do corpo que ama. O gênio do amor, que este seja nosso destino: amar, viver e começar cada dia juntos. Porque dois amantes felizes não têm fim nem morte, nascem e morrem tantas vezes enquanto vivem. Contudo, na alegoria platônica que ilustra os dias atuais, o cocheiro (inteligência) perdeu o controle do seu carro. O corpo caminha sem destino em uma fauna de prazeres, enquanto a razão despenca pelo penhasco das rochas frias.  

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