4 de agosto de 2016

É POSSÍVEL NUNCA SER MAGOADO?

Podemos nos conhecer totalmente? Conhecer todas as nossas ansiedades, medos, sofrimentos, a dor que cada um traz no peito, as feridas psicológicas, os apegos e a esperança. Os nossos anseios e nossa fatídica solidão, o mal do século. A totalidade disso, um pouco aprendemos. A questão é: “cada um pode aprender tudo sobre si mesmo”? Ao longo dos anos, meses e dias ou até morrer? Penso que podemos aprender sobre nós completamente agora, talvez neste instante em que estamos lendo esta reflexão. Basta fazer a seguinte pergunta: “o que eu não estou procurando e reclamo por não ter”? Foi para isso que eu fui educado? Reclamamos muito daquilo que não temos e nada fazemos para ter.

Aprender com a natureza e as estruturas vivas, que é um movimento sobre nós mesmos, por isso que estamos juntos nessa teia da vida. Quem vai nos ensinar? O que há para aprender sobre mim? Nada! Não há absolutamente nada para aprender sobre mim mesmo, porque eu mesmo não sei nada! Coloquei muitos ensinamentos nesta afirmativa socrática. Só sei que nada sei! Neste nada está a educação, ciência e filosofia. Amontoe todos os ensinamentos que as religiões disseram que são as coisas mais destrutivas, o que de pior fizeram conosco. Elas colocaram tudo isso sobre nós, neste essencialmente nada. E nós estamos batalhando e lutando, sobre estas coisas. Tornou-se simples as pessoas dispensar uma boa amizade, porque a amizade parece não significar mais nada. Mudamos de amigos sem pensar muito nos beneficio que aquele nos trouxe até aqui.

Certa vez ouvi uma frase chapada da Dona Lazinha (1904-2010), minha saudosa mãe. Ela disse a uma pessoa conhecida da família as seguintes palavras: “não sou ninguém, mas sou muita coisa. O senhor tem razão, mas eu tenho muito mais se for ver”. Penso até hoje na força dessa expressão. O quanto de fé e amor próprio está contido nessa inferência. É o mesmo que dizer: “o primeiro amor da minha vida sou eu mesmo”. Como saber sobre mim se não me amo? Cada ser humano desde a infância é ferido. Ferido pelos pais psicologicamente, ferido pela escola, através da comparação, através da competição, sendo cobrado naquela matéria, para ser o primeiro da classe e assim por diante, na faculdade e na vida é um constante processo de ser ferido.

Somos todos seres humanos magoados profundamente e podemos não estar consciente disso. Uma vez feridos desenvolvemos todas as formas de ações neuróticas. Parte da nossa consciência exposta ou oculta, que está ferida. É possível não ser ferido de alguma forma? Somos feridos. As consequências para não se ferir são: “a construção de um escudo invisível em torno de si, o afastamento das relações de amizades ou afetivas uns com os outros para não se machucarem mais”. E nisto existe o medo, um gradual isolamento. É possível estar livres das feridas do passado? É possível nunca se machucar novamente? Não por insensibilidade, pelas indiferenças, ou pela total desconsideração de todas as relações, mas sim, questionar o porque e o que está sendo ferido.

Entretanto, esta ferida é parte da nossa consciência, onde varias ações contraditórias e neuróticas acontecem. Estamos examinando a mágoa, que faz parte da nossa consciência, que não é algo fora de nós. Um ser humano que é livre totalmente, nunca será ferido por qualquer coisa, psicologicamente. É comum dizer estou magoado. Quem está magoado? Desde a infância tem sido construída uma imagem de si mesmo. Temos muitas imagens de nós mesmos, não apenas as imagens que as pessoas nos dão, mas também as imagens que nós mesmos construímos como as redes virtuais que são apenas imagem. É com essa imagem que relacionamos. Assim, o “Eu” é a imagem que construí sobre mim, como um grande homem ou uma grande mulher. Que sou muito bom nisso ou naquilo. No entanto, é essa imagem que se machuca.

Portanto, essas imagens são a totalidade do “Eu”. Quando digo que estou magoado, entende-se que a imagem está ferida. Ou seja, a imagem que construí a meu respeito como não sendo um idiota. Se alguém me chama de idiota, fico magoado. Contudo, carrego essa imagem que foi ferida, para o resto da minha vida. Então, vou cuidar para não me magoar mais, afastando qualquer afirmação a respeito da minha tolice. Isto é muito sério, porque as consequências de se ferir são muito complexas. E a partir dessa ferida poderemos querer nos preencher, podendo nos tornar isso ou aquilo, para escapar dessa terrível dor. É preciso compreender isso. É possível não ter absolutamente nenhuma imagem a respeito de si próprio? Você pode ter uma aparência muito bonita, brilhante, inteligente, um rosto expressivo, e eu quero ser como você, se não sou me machuco. Sendo assim, a comparação pode ser um dos fatores que provocam as feridas, psicologicamente. Então, por que comparar? Podemos viver nesse mundo de modernidade, sem uma única imagem? Afinal, quem sou eu?      

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