28 de outubro de 2014

NA CAMA REPOUSA O AMOR

Na cama repousa o amor é uma metáfora, pois, quando encontro o outro, posso estar encontrando o meu oxigênio, se ambos estão encantados pode-se dizer que vai haver um banquete de amor. Naturalmente, vai acontecer um mergulho na essência da vida. Significa que encontramos nossa parte perdida. Para o dramaturgo grego, considerado o maior representante da comédia antiga, Aristófanes (447-386 a. C.), cada um de nós é um ser pela metade. De um passaram a ser dois, disso resulta à procura de todos pela sua metade complementar.

Um dos sentidos da vida, para Aristófanes é unir-se ao objeto amado e com ele fundir-se, para formarem um único ser. A razão disso é que, primitivamente, nossa natureza era assim, nós formávamos um todo homogêneo. A saudade desse todo e o empenho de restabelecê-lo é o que Aristófanes chama de amor.

Para ele, a nossa espécie só poderá ser feliz quando realizarmos plenamente a finalidade do amor e cada um de nós encontrarmos o seu verdadeiro amor, retornando, assim à sua verdadeira natureza.   Repousar é descansar na cama do deus Eros. O deus do amor. Afinal, qual o nosso conceito de amor? Para ilustrar, conto uma história de uma criança que não sabia o que era o amor.

Em uma sala de aula havia várias crianças. Quando uma delas perguntou à professora: - Professora, o que é o amor? A professora sentiu que a criança merecia uma resposta à altura da pergunta inteligente que a fizera. Como já estava na hora do recreio, pediu para que cada aluno desse uma volta pelo pátio da escola e que trouxesse o que mais despertasse nele o sentimento de amor.

As crianças saíram apressadas e, ao voltarem, a professora disse: - Quero que cada um mostre o que trouxe consigo. A primeira criança disse: - Eu trouxe esta flor, não é linda? A segunda criança falou: - Eu trouxe esta borboleta. Veja o colorido de suas asas, vou colocá-la em minha coleção. A terceira criança completou: - Eu trouxe este filhote de passarinho. Ele havia caído do ninho junto com outro irmão. Ele não é bonitinho? E assim as crianças foram se colocando.

Terminada a exposição, a professora notou que havia uma criança que tinha ficado quieta o tempo todo. Ela estava vermelha de vergonha, pois nada havia trazido. A professora se dirigiu a ela e perguntou: - Minha querida, por que você nada trouxe? E a criança, timidamente, respondeu: - Desculpe professora. Vi a flor e senti o seu perfume, pensei em arrancá-la, mas preferi deixá-la para que seu perfume exalasse por mais tempo no seu habitat. Vi a borboleta, leve, colorida! Ela parecia tão feliz que não tive coragem de aprisioná-la. Vi também o passarinho caído entre as folhas, mas ao subir na árvore notei o olhar triste de sua mãe e preferi devolvê-lo ao ninho. Portanto, professora, trago comigo o perfume da flor, a sensação de liberdade da borboleta e a gratidão que senti nos olhos da mãe do passarinho. Então, como posso mostrar o que trouxe? A professora agradeceu, pois, essa aluna foi à única criança que percebera que só podemos trazer o amor no coração.

Num dado momento da vida, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco. Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração. Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria. Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que? Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós. Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava.

Na concepção dos gregos antigos, o amor não devia tornar-se prisioneiro do corpo, mas elevar-se gradativamente, até o cimo, onde ficam as essências absolutas: a verdade, o belo e o bem. Essa passagem do corpo ao espírito é a expressão da dialética ascendente de Platão. Na parte inferior havia o mundo das sombras, produtor de ilusões, e os objetos sensíveis. No outro extremo, o mundo inteligível. Todo processo de conhecimento dá-se em uma ascensão do mundo obscuro, das sombras, ao luminoso mundo das ideias. Para Platão, o amor é a busca da beleza, da elevação em todos os níveis, o que não exclui a dimensão do corpo. Amor é o nível ou grau de responsabilidade, utilidade e prazer com que lidamos com as pessoas que amamos.

Quando percebemos que o outro é um ser humano e não a personificação de nossas fantasias, nos ressentimos e reagimos como se tivesse ocorrido uma desgraça. Geralmente culpamos o outro. O que ninguém pensa é que somos nós que precisamos modificar nossas próprias atitudes. Mas sempre que encontramos alguém disposto, capaz de por fim ao nosso desamparo, viramos as costas, muitas vezes por medo, dúvidas ou por desconfiança. Criamos um escudo invisível, uma espécie de blindagem. Sempre que alguém se propõe, nos acovardamos, esperando que um dia o grande amor venha ao nosso encontro. Estamos todos mais ou menos envenenados. Temos medo da solidão, assim, como também temos medo da entrega. Afinal, o que buscamos nas relações afetivas? Parece que passamos a maior parte da vida adulta tentando recuperar algo que perdemos com o nascimento, em vez de irmos atrás da construção de nossa história que nem sequer começou. Todavia, quando estamos diante de alguém que nos desperta emoção, o coração acelera, penso estar aí à gênese do amor, somos tomados por uma ternura que nos convida para uma fusão. Começa brando, suave e macio e aos poucos vai contaminando todo o nosso ser, da cabeça aos pés.

O amor tem duas funções que quase se confundem, mas podemos descrevê-las como se realmente fossem duas. A primeira é levar-nos à descoberta de nós mesmos enquanto pessoas que somos e capazes de amar. A segunda é pôr-nos em contato com a divindade, a eternidade, o infinito ou o ilimitado. Isto só se dá entre duas pessoas que se proponham a viver um romance ou um caso amoroso.

O amor nos ensina que há infinito em nós, mas que não somos infinitos. Esse infinito faz parte da criatura humana, mas o meu eu não é infinito. O amor capaz de nos ensinar estas duas lições é certamente um amor abençoado. Quando este amor, além de sentimento e compreensão se faz também contato como: aconchego, trocas calorosas, muita carícia e contato físico, podemos dizer que temos aqui um amor perfeito. Talvez por isso o amor seja triste. Ele nos acena, ele nos afirma e ele nos ensina que não há limites para vivermos essa realização plena e integral.

Portanto, quero acordar ao lado da amada, com o lençol bagunçado, tomar o café na cama, as cortinas bem abertas. Quero abraço apertado, mordidinha na bochecha, beijo de língua demorado. Quero banco do passageiro ocupado, cinema à tarde, tempo para nós dois. Quero seu riso estampado, seu cheiro espalhado, nossa música na rádio. Quero pintar nossa casa da mesma cor do nosso laço, colar você no meu abraço, fazer amor. Quero sussurrar no teu ouvido, ouvir seu pior ruído, que você seja meu livro mais lido. Quero acima disso tudo, você numa sexta feira à tarde sem preocupação, nós a sós, dividindo nossas vidas em uma só cama. Só quero amar, não sei se quero acordar.

Um comentário:

  1. Quero acima disso tudo, você numa sexta feira à tarde sem preocupação, nós a sós, dividindo nossas vidas em uma só cama. Só quero amar, não sei se quero acordar. lindo seu texto, podermos viver este amor, e colher dele as flores vivas...bjim em seu lindo coração

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