9 de outubro de 2014

DO BANQUETE A CAMA

No seu diálogo O Banquete, Platão define o amor como a junção de duas partes que se completam, constituindo um ser andrógino que, em seu caminhar giratório, perpetua a existência humana. Esse ser, que só existe no mundo das ideias platônico, confere à sua natureza e forma uma espécie peculiar de beleza. A beleza da completude, do todo indissociável, e não uma beleza que simplesmente imita a natureza. Assim, temos em Platão, uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo. Todavia, não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo. No entanto, a dialética de Platão aponta para duas direção. O mundo das ideias, que habita num plano superior o do conhecimento, que é, ao mesmo tempo, absoluto e estático. Porém, na outra direção segue o mundo das coisas, dos humanos, o mundo sensível. Este mundo de aparência sensível é constituído pela imitação de um ideal concebido no mundo das ideias, portanto, num processo de cópia.

Todos nós teorizamos sobre a felicidade que o amor nos trará. A maioria faz da busca pelo amor a meta da sua vida. Mas o amor é um tema sobre o qual a filosofia não costuma falar muito. Um ou outro filósofo toca neste assunto. Como amor é uma das experiências da vida mais transformadoras e importantes, seria plausível imaginar que a filosofia fosse levar o amor muito mais a sério. Mas, de maneira geral, isso não acontece. Basicamente, o tema é deixado para os poetas, romancista e apresentadores de programas vespertinos de TV. Mas houve um filósofo que levou o amor a sério, e que o via como uma de nossas preocupações centrais. Que foi o filósofo alemão do século XIX Arthur Schopenhauer (1788-1860).

Entretanto, Schopenhauer foi um filósofo que parecia entender a intensidade do que sentimos quando nos apaixonamos. Ele achava que estávamos certos de viver em função do amor, e que não havia outra coisa mais importante. Nosso erro segundo ele é achar que a felicidade tem algo a ver com isso. Ele dizia que quando duas pessoas se casam, acabam fazendo de tudo para se detestar. Depois de alguns anos de idas e vindas, o relacionamento acaba. Para Schopenhauer o amor não é um assunto banal que não devemos vê-lo como um dos assuntos mais sério ou adulto. Não é por acaso que se trata de um sentimento tão avassalador, capaz de tomar conta de nossa vida e de todos os momentos de nosso dia. Ele diz que não devemos nos culpar tanto pelo estado de desespero e obsessão em que entramos se o amor fracassa. Ficar surpreso com a dor da rejeição é ignorar o quanto de entrega à aceitação exigiria.

Criamos histórias de amor para nós mesmo, imaginamos que nos apaixonaremos por um parceiro que nos fará felizes. Mas Schopenhauer via isso de maneira diferente. Para ele, nós nos submetemos a telefonemas ansiosos e jantares caríssimos, a luz de velas por uma única razão, que é nutrir o impulso biológico para perpetuar a espécie. Ele o chamava de “impulso de vida”. “Nada na vida é mais importante que o amor, porque o que está em jogo é a sobrevivência da espécie”. O amor é uma tática da natureza para nos levar a ter filhos. Por mais que gostemos de nos imaginar como seres românticos, somos todos, basicamente, escravos do impulso de vida.

O fundamental na tese de Schopenhauer é que o impulso de vida pode atuar de forma bastante inconsciente. Conscientemente, as pessoas podem querer ir a uma festa, mas inconscientemente o que as movem é a necessidade de se reproduzirem ou simplesmente de contato físico com alguém interessante. Ele precisa ser inconsciente para ser eficaz, porque ninguém assumiria conscientemente o fardo da perpetuação. No instante em que duas pessoas se sentem atraídas uma pela outra deve ser considerado o nascimento de um novo indivíduo ou um novo projeto de vida a dois. Sua tese explica a intensidade dessa atração.

Mas por que nos sentimos atraídos por uma determinada pessoa e não por outra? Um dos maiores mistérios do amor é por que a gente se apaixona? No entanto, inúmeras pessoas não provocam qualquer reação em nós, mesmo sendo, em tese, nossos pares ideais e contudo, acabamos nos apaixonando por outras com quem a convivência pode ser difícil. Mas, Schopenhauer tinha uma resposta convincente. Apaixonamos por uma pessoa quando sentimos inconscientemente que ela pode nos ajudar a produzir herdeiros saudáveis ou nos fazer felizes num novo projeto de vida. O amor é apenas nosso impulso de vida, descobrindo alguém que ele considere o ideal para cada um.

Todavia, apaixonar-se é inevitável, que a biologia é mais forte que a razão, pode ser. Sendo assim, não somos infelizes por mero acidente, essencialmente somos iguais a todos, porque temos as duas faculdades, espiritual e animal. Sentimo-nos impelidos a encontrar um parceiro, a gerar filhos e criá-los e somente uma força poderosa como o amor seria capaz de nos motivar para isso. Se acharmos que o relacionamento ou casamento não vai bem, podemos aprender com nossos amigos irracionais. Eles não fazem isso por felicidade, mas porque precisam, por causa do impulso da vida. A felicidade para nós é consequência desse amor que nos impulsiona. Talvez pela dimensão e a importância que o amor tem para nós racionais.

Schopenhauer tem mais uma ideia a respeito do amor que pode nos ajudar quando somos rejeitados, muitas vezes, não entendemos porque o parceiro quis romper e nos sentimos rejeitados. Ele diz que quem termina o namoro não está rejeitando o parceiro. Não sou eu que não mereço o amor, mas é o impulso de vida de minha parceira que considerou que ela poderá ter um relacionamento mais saudáveis com outro! É como se fala por aí, encontrei o parceiro ideal, mesmo que seja apenas por uma questão de equilíbrio ou de valores. O DNA de ambos poderá ser rejeitado no momento do encontro, pela própria força da natureza. Talvez você estivesse feliz com a pessoa que o rejeitou, mas a natureza não estava. Sendo assim, como pode continuar não estando satisfeito com esse novo relacionamento? Por isso, vai ter que aprender a se desapegar. Numa visão tradicional, dizemos que um casal será feliz para sempre. Num olhar mais realista e franco, veremos que estão condenados a discussões e ao divórcio precoce.

Portanto, considerar que a felicidade não está em questão e que a nossa sobrevivência não depende dessa felicidade é um ponto de vista. Não ficar deprimido é humanamente impossível, mas, nos libertar das expectativas que pode acabar gerando frustrações, isto sim é possível. Às vezes, os pensadores mais pessimistas, paradoxalmente, podem ser os que nos oferecem mais consolo. Não se ama alguém por razões lógicas, por ser moreno ou claro gordo ou magro. Simplesmente, e de uma forma espantosa, olha-se para uma pessoa e se tem certeza de que vai precisar da companhia dela. A sua presença mexe com a mente, com o coração e com a sexualidade de quem a olhou. Entra em ação uma energia misteriosa que vem de regiões profundas do nosso eu cósmico, que nós mesmos não a conhecemos. Quando se começa um relacionamento amoroso, experimenta-se certa sensação de medo e terror, como se forças desconhecidas e que escapam nosso controle nos ameaçassem. Contudo, fica patente como via de regras, que do banquete a cama está o impulso de vida, o combustível que nos mantem ativos e amorosos. São essas razões inconscientes e biológicas que ativa o Amor e que nos move na direção do outro.  

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