20 de março de 2013

VEJO MAIS NÃO ENXERGO

A partir de uma súbita e inexplicável epidemia de cegueira, o livro “Ensaio Sobre a Cegueira” de José Saramago (1922-2010) nos guia para a desorganização e a superação dos valores mais básicos da sociedade, transformando seus personagens em animais egoístas na sua luta pela sobrevivência. O livro já no seu ponto de partida começa duro e assustador. Esse é o preâmbulo para mostrar o quanto estamos cegos e o quanto estamos cozinhando e morrendo aos poucos numa sociedade consumista e cega. E o curioso de tudo isso é que a raiz desse mundo infeliz de violência e competição está em nossas mãos. Essa cegueira vem justamente com a opressão e a violência no lar, na infância, essa deficiência nasce dentro de casa, com os nossos pais, irmãos e depois repetimos com os filhos.

Lendo o livro apropriei-me de certo modo e reconheci o horror que existe em cada um de nós. Assim como percebi com total clareza como o tema nos é muito familiar. “A humanidade é cega”, basta andar algumas horas pelos grandes centros urbanos para constatar o bando de cegos andando pelas ruas. Gente esbarrando em gente e nem se dão conta, verdadeiros cadáveres ambulantes, como diz os jovens na sua linguagem: “pessoas totalmente sem noção”.

O Ensaio Sobre a Cegueira mostra personagens sem nome, em uma cidade onde o autor não identifica, conta a história de uma população rapidamente atingida por uma doença que faz com que os contaminados vejam apenas um excesso de branco. Conforme perdem o sentido da visão, as pessoas são isoladas em uma espécie de hospital precário, que mais parece uma prisão. Quando um médico oftalmologista (Mark Ruffallo) acorda sem enxergar e precisa ser removido a zona de quarentena, sua esposa (Julianne Moore) finge também ter sido infectada para acompanhá-lo. Exatamente, por ser a única pessoa com a visão perfeita, ela passa a ser uma espécie de guia do seu grupo no local. Por causa da epidemia, as contradições dos trejeitos humanos e da vida em sociedade se revelam no oportunismo, crueldade e egoísmo convivem com o altruísmo, o senso de divisão e a fraternidade, ainda que um pouco disformes.

Todavia, é bom lembrar que a cegueira tratada no livro por Saramago, é uma metáfora, para representar aqueles que, enxergando, não querem ver certas coisas, ou só vêem o que lhes interessa e dessa forma não dão valor às coisas que são deveras importantes na vida. Em muitas famílias onde as crianças são castigas fisicamente e emocionalmente, com certeza vão desenvolver comportamentos agressivos, com possibilidade eminente de ocorrer escravidão, homicídios frequentes, torturas e o cultivo da inferioridade da mulher. É nesse ambiente que se forma o machão e a mulher objeto. Não precisa enxergar muito para comprovar o que estou dizendo, basta olhar com atenção para a nossa sociedade e perceber o quanto ela está mergulhada na cegueira e na hipocrisia.

Entretanto, as pessoas não enxergam porque vivem falando o tempo todo. Como já disse em outras reflexões, “a palavra é ambígua, porque limita o pensamento”. As pessoas que falam muito pensam pouco, elas acham que falando dizem exatamente tudo. As palavras foram feitas para dar pedacinhos de diálogos e não o diálogo propriamente dito. Falado somos muito mais que uma simples frase, porque existe todo um contexto e uma circunstância, como diz o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955): "eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo". Circunstância é uma palavra que vem do latim "circum", ao redor, mais "stantia", estar à volta. É a mais sensacional síntese filosófica de Gasset, porque, "o se não a salvo" é para ele compreender e conduzir generosamente as coisas à plenitude do seu significado, é ligar coisa com coisa e tudo conosco, numa viva pertinência recíproca.  Na verdade, a linguagem decompõe o mundo e, contudo, enxergamos cada vez menos.

Por outro lado, estatisticamente falando, quero trazer um dado espantoso sobre os adolescentes. Metade dos crimes que são registrados nas delegacias de policia em todo país, são cometidos por pessoas com menos de vinte anos, isto é, por adolescentes. Além dos registros oficiais, existem outros tipos de violência. Nos estádios de futebol, torcidas organizadas se pegam, gangs de bairros que se procuram e jovens que saem de casa para dar pancadas, cometer delitos. Com todos esses casos, sem levar em conta os registros das delegacias, conclui-se que noventa por cento dos atos violentos são cometidos por adolescentes. Na situação atual não sabemos se a família é abençoada o amaldiçoada por carregar esse rotulo de "célula mater" da sociedade. Afinal, onde está a cegueira, na família ou na sociedade?  

Os efeitos ditado pela circunstância por onde caminha a família e a sociedade da para se imaginar onde vamos desembocar se não enxergarmos o caminho. Exigir que o adolescente fique bonzinho em casa ao lado da mamãe, que vá à escola, estude direitinho, não dê preocupação é a coisa mais ilusória do mundo. Quem ainda está disposto a acredita num absurdo desse? Temos um arsenal de exemplos para provar essa ilusão, e ainda tem pais que acreditam na santidade dos filhos. O que se consegue com essa pressão, são quatro coisas, uma pior que a outra.

Primeira: existem alguns jovens mais sensíveis, frágeis, medrosos, que fatalmente serão os trouxas da vida. Vão ser explorados sempre. Os bonzinhos, modelos para a família. Segundo: o jovem rebelde que acha tudo ruim, não faz nada do que se pede, dá trabalho para todos em casa. Inventa encrenca o tempo todo, briga com os irmãos. Está sempre de mau humor. Terceiro: aquele jovem que se mete no quarto e não quer saber da vida. Tem lá o seu som e sua internet. Perigo eminente essa tal de internet, para a qual os pais estão cegos. O quarto é um chiqueiro. Ele não quer que entre ninguém, não faz nada e não quer nada. Não se sabe o que está fazendo ou pensando. Quarto e último: o tóxico. A maconha, que é a mais comum, depois vem o craque, já que a cocaína é mais pesada e mais cara. Na verdade o uso das drogas é conseqüência direta do tédio da vida. O jovem que acha que sua vida é absolutamente sem colorido, sem graça, monótona e chata, usa o tóxico para ver se acha uma ilusão de qualquer coisa mais interessante para sentir.

Entretanto, pais que esperam coisas tão absurdas dos filhos só podem ter desilusões na vida. Precisamos aprender a nivelar essa relação entre pais e filhos. Estabelecendo uma relação de troca de papeis. Um se colocando no lugar do outro. Quantas vezes deixamos de olhar nos olhos de quem nos fala! Quantas vezes, por isso mesmo, não criamos laços afetivos com nossas crianças! As crianças são os nossos melhores filósofos, porque são mais observadores do que os adultos.

Portanto, assim como mostra o livro "Ensaio Sobre a Cegueira", o autor Saramago nos da uma reflexão profunda e filosófica sobre, que civilização escolhemos para viver. Vivemos em uma sociedade chamada “democrática”, onde existem pessoas que dominam na sua maioria, chamada povo, que tem o poder em mãos na hora de escolher apenas um que vai enxergar e decidir por todos, na qual vai tomar as atitudes cabíveis por um período de quatro a oito anos no poder. Essa personagem caracteriza-se como uma civilização democrática e detentora do senso crítico, quando na verdade, nessa civilização só uma pessoa vai enxergar. Contudo, regras são quebradas, pois ninguém mais vê quem está agindo errado, aquele que enxerga abusa porque está no poder, o instinto de sobrevivência vai tomando conta dos homens e a tirania está formada. Será que é preciso cegar todos para que enxerguemos a essência de cada um? Eu vejo, mais não enxergo, até quando? Esta é a ideia subjetiva da sociedade atual. 

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