27 de setembro de 2012

O PROBLEMA DA ANGUSTIA

A ideia de que vamos deixar de existir um dia, nos assusta e traz um desconforto enorme, pois essa consciência do nosso fim é que produz angústia. Na entanto, o centro da personalidade humana é a angústia. Uma sensação de impotência e vazio diante da vida. Minha saudosa mãezinha usava a palavra vertigem sempre que ficava nervosa por alguma coisa. Uma terminologia que designa um sentimento de angústia, de insegurança.

Evidentemente, que a minha mãe não compreendia o significado que carregava essa palavra, mas o fato é que ela sentia. Pois, imediatamente esboçava uma reação de tristeza e repudia a tudo que estava a sua volta. Ela tinha uma sensação clara de medo e pavor. Só não sabia explicar. Nunca pude entender muito bem esse sentimento. Todavia, angústia deriva do latim e quer dizer apertado, estreito. É aquele aperto que sentimos na região do tórax, parece que o canal da respiração fica estreito.  

Algum tempo atrás lendo o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, é que pude compreender numa de suas citações a palavra “vertigem da liberdade”. Ele foi capaz de perceber as transformações socioculturais do seu tempo. Fez uma analise profunda da angústia que continua ainda hoje após ter passado mais de cento e cinqüenta anos de sua morte. A angústia do homem contemporâneo tem muito em comum com a angústia tratada por Kierkegaard nas suas obras.

A ansiedade ou a angústia são praticamente da mesma família. É um medo disperso, fora de foco. Para entender melhor esse conceito, vamos usar o exemplo de uma pessoa na beira de um precipício. Quando essa pessoa olha para baixo ela experimenta um medo mórbido de cair, mas ao mesmo tempo, ela sente um grande impulso de se atirar intencionalmente para o precipício. Essa experiência de dupla sensação é a ansiedade devido a nossa completa liberdade para escolher saltar ou não. O mero fato de alguém ter a possibilidade e liberdade de fazer algo, mesmo os mais aterrorizantes, desencadeia um imenso sentimento de angústia, que Kierkegaard denominou isto de “vertigem da liberdade”.

A escolha de Adão em comer da árvore do conhecimento, proibido por Deus. Pelo fato dos conceitos de bem e de mal não existirem antes de Adão comer o fruto da árvore, considerado o pecado original, Adão não possuía estes dois conceitos, não sabendo que ao comer do fruto da árvore que era considerado um mal. O que ele sabia era que Deus lhe tinha dito para não comer daquela árvore. A angústia vem do fato da própria proibição por parte de Deus, tendo em vista que Adão era livre e que poderia escolher obedecer ou desobedecer a Deus. Depois de Adão ter comido da árvore do conhecimento, o pecado nasceu. Então, para Kierkegaard, a angústia precede o pecado e foi à angústia que levou Adão a pecar.

Todavia, a angústia informa-nos das nossas possibilidades de escolha, do nosso autoconhecimento e responsabilidade pessoal, levando-nos de um estado de imediatismo não autoconsciente a uma reflexão autoconsciente. Uma pessoa torna-se verdadeiramente consciente do seu potencial através da experiência de angústia. Entretanto, a angústia pode ser uma oportunidade para a prática do pecado, mas pode também ser o caminho para o reconhecimento ou realização da identidade e liberdade de cada um. Lembrando sempre que uma pessoa no estado alterado de angústia é movida pelo desespero, que a leva fazer loucuras sem pensar nas conseqüências de seus atos.

O ser humano está perdido na sua subjetividade e faz basicamente o que pode para sobreviver. Ninguém pode dizer que é bem resolvido, caso conheça alguém assim, mantenha distância dessa pessoa. Por exemplo, se eu tenho fé num Deus que na realidade não precisa de mim. E se alguém acha que Deus precisa de nós, então essa pessoa está com problema. Se Deus precisa de nós realmente ele não é Deus, porque precisa de um mortal para não se entediar. Que Deus é esse? Por outro lado, se Deus não existe, então nós somos fruto do nada? Por conseguinte, na realidade somos meio livres porque a rigor não temos significado nenhum. Deus não depende de nós, somos nós que dependemos dele. Nesse sentido, somos filhos do nada, fruto do acaso. Logo tanto faz, nada tem mais sentido para nós. Quando começamos a pensar assim, a olhar o mundo com essa perspectiva lógica de raciocínio, sentimos um abismo diante de nós, um vazio, isto já é a angústia.

Kierkegaard, vai dizer que existe três formas de enfrentar a angustia para ser feliz, ou seja, para sobreviver e não se entediar. A primeira é o que ele chama de estagio estético, seria nós acharmos que vamos escapar da angustia sendo felizes comprando coisas, viajando muito, curtindo noitadas em busca da fantasia, comendo e bebendo exageradamente, é no consumismo que se realiza o estagio estético. Não funciona, chega uma hora que entramos em desespero e isso tudo não faz mais efeito e ai mergulhamos na angústia. A segunda forma é o estagio ético. Achamos que somos bons, acreditamos que fazemos tudo que é bom para agradar a todos. Uma pessoa politicamente correta. É aquele que vive dizendo sou uma pessoa ética e luto pela moralidade e os bons costumes. Também não funciona, vai cair na angústia num dado momento da sua vida. O terceiro e ultimo, é o religioso. Kierkegaard, divide em dois grupos. O religioso um, é aquele que acha que vai fugir da angústia seguindo a doutrina religiosa pura e simples. Que vai viver de acordo com a doutrina cristã, mais uma hora a angústia vai lhe comer por dentro. O religioso dois, é aquele que desiste de ser feliz aqui na terra, de se achar legal, de ficar imitando como alguém poderia fazer para ser um bom cristão. Essa pessoa desiste de tudo isso e aposta somente em Deus. É pessoa resignada, que espera em outra vida. Isso também não funciona, porque não vai encontrar nenhuma forma de vencer esse profundo sentimento de tristeza, de vazio, de tédio e angústia, que o ser humano sente quando olha para si mesmo. Não é desistindo de ter prazer na vida que vamos encontrar a felicidade eterna. Sentir prazer é na realidade não ser escravo do desejo.

Portanto, é muito difícil manter autoestima quando o ser humano é mortal, envelhece, fica doente, perde quem ama, não sabe muito bem qual rumo a tomar na vida. Tudo isso é muito complicado para a preservação da autoestima, por conta da tradição judaico-cristã que implantou a teoria do pecado no mundo. O fato de ficarmos provando e projetando o tempo inteiro a ideia de que damos certo e, que é nossa obrigação ser feliz, só vai aumentar cada vez mais o numero de remédios que temos que tomar. Contudo, ao colocarmos limite nos desejos é que podemos encontrar uma ponta de felicidade nesse abismo que criamos.

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