15 de setembro de 2012

PRESERVAÇÃO E CUIDADOS COM A INTIMIDADE

Ao longo dos últimos anos a nossa vida social tornou-se penosa demais e de difícil convivência e trocas de intimidades com as pessoas próximas. Sobretudo, pela individualidade emergente que vem a cada dia crescendo e distanciando as pessoas uma das outras. Viver em sociedade já nos deu muito prazer, mas atualmente, tornou-se um peso. Não compartilhamos o mesmo ideal do bem comum. Isto se agrava quando a crise torna-se norma em vez de exceção. O respeito pelo outro ficou distante. Como salvar a nossa vida social? Como preservar a nossa vida pessoal, como um ponto rico de apoio à intimidade?

Vivemos a época do simulacro, do amor líquido, das amizades efêmera, do transitório, do fast-food, das múltiplas janelas abertas, das mensagens rápidas, fragmentadas e instantâneas, da aceleração geral de todas as esferas da vida. Vivemos, ao mesmo tempo, em uma época em que a imagem tornou-se poderosa demais.

A reflexão filosófica não se contenta com o simulacro, a impressão dos sentidos, a liquidez das relações, o instante transitório. A filosofia pelo seu modo de ser e atuar convoca a uma atitude contemplativa, especulativa e questionadora. Libertando o pensamento para uma relação livre, crítica e refletida para com o próprio tempo. Penso que deste modo a filosofia poderá ensinar a virtude do diálogo, a força da verdade e a importância dos conceitos. Uma forma talvez de preservar e cuidar da intimidade.

Mas, o que fazer diante da crise? Que tipo de cuidados devemos ter para que nossa vida seja melhor? Para compreender o momento critico em que nossa humanidade atravessa precisamos antes, de uma maneira meio simplificada, dividir a nossa vida numa dimensão publica social, privada, pessoal e até mesmo numa dimensão intima.

A vida publica social, para algumas sociedades foi fundamental. Para a democracia ateniense, apesar de ter durado pouco tempo, ela continua sendo uma espécie de referencia para quem estuda filosofia, democracia e fenômenos sociais. Na democracia ateniense, a ideia de que o homem só se realiza em sociedade era vital para eles. O homem que não vivesse em sociedade era alguém considerado limitado. Era alguém que não participava das decisões comum a todos. Era um cidadão privado que vivia em oposição ao Estado. Considerado pelos gregos como um idiótes ou idhiótis, traduzindo etimologicamente para o português quer dizer: idiota. Pessoa fechada em si mesma, limitada, que não participa da vida em sociedade.  O poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, argumenta num dos seus textos que, “o pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e, o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”.
  
Na verdade, onde concentramos os nossos esforços? Não é necessariamente no social e sim na vida privada. Quando falamos da vida privada é bom lembrar que ela tem vários níveis. Podemos falar da vida privada como a minha vida profissional, onde ganho dinheiro, meus costumes. Falamos da vida privada como meu espaço de intimidade, onde ninguém tem o direito de invadir e muito menos de dar opinião. Diferente da vida publica, onde estou exposto e vulnerável a chantagens.

Entretanto, a intimidade é mais especifico ainda que a vida privada, porque a intimidade diz respeito a algo que é quase secreto. A vida privada pode ter suas vantagens, por isso a preferimos. A intimidade pode variar muito conforme a pessoa. A intimidade não é algo reversível. Enquanto, na minha vida privada eu posso mudar de emprego, mudar de profissão, mudar de fonte de renda, distanciar de certas amizades, já aquilo que pertence a minha intimidade não é fácil de trocar ou mudar. A não ser por vaidade.

Todavia, o tema vaidade foi abandonado pela filosofia a mais de duzentos anos e nunca foi assumida devidamente pela psicologia, embora seja tema central na nossa sociedade. Estudada pelos gregos na antiguidade e até o século XVIII a vaidade foi objeto de estudo recorrente em todas as épocas. Thomas Hobbes falava da van gloria, que significa quando meço o meu valor pelos olhares que os outros têm sobre ele e não pelo meu valor justo. A desumanização dessa percepção é tão aguda, que torna difícil a gente perceber esse elemento alternativo que é a vaidade. Extremamente presente na vida social e, sobretudo, no mundo da mídia e pouco estudada pela filosofia, segundo o filósofo Renato Janine Ribeiro. Ele argumenta que a psicanálise estudou a fundo o Complexo de Édipo que na verdade é uma hipótese, e que não se aprofundou o tema da vaidade que é uma evidência. Está presente o tempo todo no nosso meio, seja no mundo das celebridades, seja na política ou nas redes sociais.  

Por que a vaidade ameaça a intimidade? Pelo simples fato da intimidade ser algo precioso, dificilmente deve ser divulgada ou exposta. O mais grave ainda é um fenômeno complementar a vaidade que é a bajulação. E a bajulação produz um terceiro fenômeno que é levar o vaidoso acreditar no que dizem a ele. Isso produz um desgaste na vida pessoal. Para o filósofo Janine, existem duas hipóteses para esse desgaste da vida pessoal. Primeiro a nossa expectativa na vida pessoal é muito alta, num nível de satisfação muito elevado, sobretudo, no que diz respeito à cumplicidade, a paixão, o desejo e a excitação sexual. Segundo, a crise que sobre nós se abatem, ela com frequência tem como escudo a pessoa que está próxima de nós, o ponto mais afetado.

Na literatura jurídica, lemos com frequência casos de pessoas inocentes que responderam Processos Judiciais, sofrendo injustamente por calunia, difamação e até perderam seus empregos. Viram pessoas mais próximas se afastarem do seu convívio, os filhos se distanciaram, em alguns casos, tiveram seus casamentos defeitos por conta dessa exposição publica. Entretanto, a parte mais afetada são essas pessoas. Em tese poderiam ficar do nosso lado num gesto de solidariedade no momento da crise. Mas o nível de tensão é tamanho que acaba arrebentando na parte mais fraca. A pessoa vitima sente-se vulnerável e sem apoio nenhum. Nem com os filhos pode contar.

Portanto, viver em sociedade demanda princípios éticos e morais. O maior perigo do nosso mundo não está na violência urbana, nem mesmo nos poderosos; está na falta de alegria de viver das pessoas, no seu tédio, na sua frustração e na sua indiferença. Relacionar-se com qualidade é também admirar o outro com maturidade.

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