19 de setembro de 2012

A MORTE DA NOSSA COTIDIANIDADE

A cada dia que vivemos é um dia a menos que temos para viver. Porém, a nossa consciência do viver é contínua e eterna. Não aceitamos a idéia de envelhecer e morrer, embora seja um fenômeno evidente na natureza das coisas. Estamos geneticamente programados para a extinção, só não sabemos quando essa passagem ocorrerá. A ação do tempo é implacável no cotidiano da espécie humana. Todavia, a nossa situação atual exige um pensar profundo. Afinal, o que significa pensar? Qual é o sentido do pensar?

Muitas vezes confundimos o pensar com o exercício do estudar. Entretanto, são duas atitudes completamente diferentes. Estudar é um trabalho intelectual sobre um determinado assunto ou um tema proposto. Demanda concentração e muito desejo de aprender, tendo em vista, que aprender não é um instrumento passivo. Nesse sentido, afirmamos que estudamos quando lemos um texto e o compreendemos, depois o recordamos, sintetizamos e o expomos. Isso certamente é estudar, mas não pensar filosoficamente.

Pensar é refletir. Refletir é como que um ruminar, um voltar sobre as coisas. Por isso, são poucos os que pensam e muitos os que memorizam ou acumulam mecanicamente determinadas informações. Não usa a sensibilidade, a criatividade e, sobretudo, não usa a intuição que é a própria manifestação do pensamento sobre os acontecimentos da nossa existência, ou seja, não cria e nem descobre algo novo. Criar é tirar do nada algo, que não é perceptível num olhar superficial, requer um olhar profundo, um olhar analítico e filosófico.

O começar a pensar supõe sempre em desprendimento no qual podemos dominar a crise que nos abate. A crise, que em grego procede do verbo “krincin”, indica mais distanciar-se do que julgar. É necessário esse distanciamento, afastar-se da vida cotidiana para poder pensá-la de fora e assim compreendê-la.

O cotidiano é antes de tudo, a organização diária da vida, a repetição e reiteração das atividades. É a divisão do tempo e do ritmo com que se desenvolve a história pessoal de cada um. No cotidiano as coisas, as ações, as pessoas, os momentos e toda a circunstância que nos cercam, são dados aceitos como algo conhecido. Tudo está ao alcance das mãos e por isso se considera a realidade como um mundo próprio.

A cotidianidade é uma espécie de tirania de um poder impessoal, anônimo que impõe a cada individuo seu comportamento, seu modo de pensar, seus gestos, suas crenças. O mundo cotidiano é o mundo do familiar. É a partir desse horizonte que compreendemos o mundo, as pessoas e a nós mesmos. Todos têm esta compreensão pelo simples fato de sermos seres humanos, de existir. Mas esta compreensão familiar da realidade é um obstáculo para o pensar filosófico.

Para esse pensar é necessário sair do mundo do cotidiano. Este sair do mundo familiar, o estar fora do óbvio, do herdado, do cotidiano recebido pela tradição é o que os filósofos gregos chamavam o admirar-se. A admiração não é olhar distraidamente as coisas que nos rodeiam. Não é também o surpreender-se com as novidades diárias, porque estas novidades sempre estão presentes no âmbito do cotidiano.

A admiração supõe uma estranheza, um olhar diferente ao mundo do cotidiano. Como um camponês que chega a cidade e sente-se estranho a ela. Como o poeta que olha para uma coisa e vê outra. Por exemplo, os peixes para mim, são objetos oníricos, quando os vejo na lagoa eles me fazem sonhar. Esta atitude nasce quando nós admiramos e olhamos com o coração a nossa realidade diária. O ser humano não é seus atos transitórios, ele é a sua atitude permanente. A inteligência quando divorciada do espírito, é uma porta aberta para um universo de maldades. Quem olha o outro com a inteligência, o olham com superioridade e egoísmo. Quando olhamos com o espírito é um olhar de compaixão e vemos um ser humano, aquele que é capaz de transformar a nossa vida, dando um sentido a ela. Porque só o amor constrói.

Portanto, o pensar filosófico é sair do cotidiano e analisá-lo de fora, para não morrer nele. É deixar a vida irradiar luz e, contudo, ressaltar o nosso brilho. Sair da morte da cotidianidade para dar um pouco mais de sentido a nossa existência.  Viver profundamente é preciso sentir a essência da vida em cada vivente.  Para sentir, tem que pôr em relevo tudo o que existe a nossa volta.  Se há existência, a recompensa é a experiência e o crescimento. Contudo, estas coisas são muitas vezes dolorosas, embora sejam transitórias. Lembrando sempre, que o amor não é aquilo que queremos sentir e sim aquilo que sentimos. Amar não é verbo para se conjugar, mas para se praticar.

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