23 de julho de 2011

A FAMÍLIA ANTISSOCIAL

Vivemos dentro de uma sociedade em que os valores morais e éticos estão se diluindo aos poucos. Uma sociedade marcada pelas injustiças, as indiferenças e uma violência descabida, sem o menor fundamento. Todos os membros dessa sociedade, naturalmente, vêm de uma família. Na verdade, é na família que se dá a nossa primeira educação, onde os valores são formados sem nenhum questionamento. Então, como explicar tanta injustiça social se todo o cidadão vem de uma família? Sobretudo, por ser a família a célula mater da sociedade. Se toda família é perfeita, amorosa e justa, por que há tanta injustiça? A família deixou de cumprir o seu papel que é formar filhos honestos e bem educados?
O primitivismo da família tradicional alimenta, em cada um dos seus membros, o primitivismo de cada um, que pouco a pouco vai  deformando essa família anacrônica, incapaz de viver na sociedade em que vivemos, e orientar-se diante dela, mas fazendo-se ,acima de tudo, incapaz de governá-la e de modificá-la. Todos imbuídos da noção de obediência a princípios eternos da família.
Quando digo que a família alimenta e cultiva o primitivismo antissocial ao seus membros. Há aqui uma inversão radical da famosa tese freudiana, tese muito próxima do pensamento popular, pois Freud apontou como fator importante de neurose nos seres humanos, como gerador de sintomas, a indevida fixação das pessoas na própria família, descrevendo o filho que jamais se liberta da própria mãe, a filha que ama eternamente o próprio pai ou os irmãos que brigam eternamente entre si.
Freud atribuía esses desmandos ao indivíduo, defendendo a estrutura familiar. Freud acreditou piamente, ser o complexo de Édipo algo inerente ao homem de qualquer tempo e de qualquer lugar. Pensa bem, o complexo de Édipo é, na conceituação freudiana, o próprio nó essencial da família. Eu diria que o nó, o entrave está na tal natureza humana.
Freud não percebeu a profundidade de seu símbolo: o complexo de Édipo, esse apego indestrutível dos filhos aos pais, isto sim é a essência da família, de seu primitivismo, insolvência e tragédia e não do neurótico como pensava o pai da psicanálise. O culpado é o neurótico, mas a família está certa. Será? Eu defendo a ideia de que a família está errada.
Vou explicar porque. Considerando que geralmente os filhos aguentam dos pais sermões, reprovações, xingo e ordens que não aceitariam de nenhum estranho, por outro lado, os pais aceitam dos filhos, eventualmente, maus tratos, desprezos, ingratidão ou, em sentido oposto, fazem pelos filhos o que não fariam por mais ninguém. Assim como marido e esposa fazem e falam coisas horríveis um contra o outro, e aguentam um do outro aquilo que jamais ousariam fazer com um amigo ou uma amiga. Fazem o que jamais ousariam pensar em fazer com um estranho. No entanto, esse modo de proceder da família é inteiramente abençoado pela tradição e pelos costumes sociais. Se os familiares se tratassem como estranhos, a família seria uma coisa mais decente do que é. Se a família a fim de justificar a própria falta de educação, grosseria e incapacidade, não apelasse para seus títulos oficiais de pai, de mãe ou de filho, achando que tem o direito de explorar um ao outro, os membros dessa família procederiam um diante do outro com mais decência, com maior senso de justiça, cultivando um com outro uma preciosa reciprocidade responsável. Em qualquer site de relacionamento dos jovens adolescentes, com raras exceções, não é comum encontrar fotos dos familiares ou dos pais, por que será? Seria vergonha da própria família?
Portanto, somos todos treinados a aguentar e a exigir absurdos no ambiente familiar. Continuamos a vida inteira exigindo e aguentando absurdos. Se a família não é origem de todos os males, ela é com certeza a transmissora dos males adquiridos, a fiel guardiã das deformações tradicionais e a principal responsável pela continuação da inconsciência e da irresponsabilidade de todos em relação a todos. Assim como o casamento é antiafrodisíaco, a família é antissocial.       

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