4 de fevereiro de 2017

EDUCAR É TRANSFORMAR O EDUCANDO

Ensinar com alegria é amar o que faz. Mais do que ensinar é transformar uma criança em um “ser humano” feliz. Fala-se muito sobre o sofrimento do professor, como gosto de contrariar todos os argumentos que difundem as verdades pré-estabelecidas, aqui não será diferente. Ando sempre na direção oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das coisas, quero falar sobre o contrário. A alegria de ser professor, pois o sofrimento desse profissional é semelhante às dores do parto. A mãe o aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz a um filho. No livro: “O Jogo das Contas de Vidro”, do escritor alemão, Prêmio Nobel de Literatura em 1946, Hermann Hesse (1877-1962), no final, ao seu estilo de concluiu, fazendo um resumo da estória, está este poeminha do escritor e poeta alemão Friedrich Rückert (1788-1866):

Nossos dias são preciosos, mas com alegria os vemos passando se no seu lugar encontramos uma coisa mais preciosa crescendo; uma planta rara e exótica, satisfação de um coração jardineiro, uma criança que estamos ensinando, um livrinho que estamos escrevendo.” Este poema fala de uma estranha alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os preciosos dias passando. O poema nos mostra que a alegria está no jardim que se planta, na criança que se ensina e a transforma, no livro que se escreve. Senti que poderia ter escrito este poeminha, pois gosto de plantar árvores, sou professor de filosofia e escrevo livros. Imagino que o poeta jamais pensaria em se aposentar. Como diz o nosso mestre, filósofo e educador Rubem Alves (1933-2014): “quem deseja se aposentar daquilo que lhe traz alegria?”

Da alegria não se aposenta. Algumas páginas antes o herói da estória havia declarado que, ao final de sua longa caminhada pelas coisas mais altas do espírito, dentre as quais se destacava a familiaridade com a sublime beleza da música e da literatura, descobria que ensinar era algo que lhe dava prazer igual, e que o prazer era tanto maior quanto mais jovem e mais livre das deformações da deseducação fossem os estudantes. Ao ler o texto de Hesse tive a impressão de que ele estava simplesmente repetindo um pensamento que se encontra em Friedrich Nietzsche (1844-1900), onde ele diz que a felicidade mais alta é a felicidade da razão, que encontra sua expressão suprema na obra do artista. Pois que coisa mais deliciosa haverá que tornar sensível a beleza? Mas esta felicidade suprema, ele acrescenta, é ultrapassada na felicidade de gerar um filho ou de educar uma criança.

Para melhor compreender, cito Zaratustra, profeta e poeta nascido na Pérsia em meado do século VII antes de Cristo, quando ele tinha 30 anos de idade deixou a sua casa e o lago que gostava de contemplar ao por do sol, para subir as montanhas. Ali ele gozou do seu espírito e da sua solidão, e por dez anos não se cansou. Mas, por fim, uma mudança veio ao seu coração e, numa manhã, levantou-se de madrugada, colocou-se diante do sol, e assim lhe falou: “tu, grande estrela, que seria de tua felicidade se não houvesse aqueles para quem brilhas? Por dez anos tu vieste à minha caverna: tu te terias cansado de tua luz e de tua jornada, se minha águia e minha serpente não estivessem à tua espera. Mas a cada manhã te esperávamos e tomávamos de ti o teu transbordamento, e te bendizíamos por isso. Eis que estou cansado na minha sabedoria, como uma abelha que ajuntou muito mel; tenho necessidade de mãos estendidas que a recebam. Mas, para isso, tenho de descer às profundezas, como tu o fazes na noite e mergulhas no mar. Como tu, também deve descer. Abençoa, pois, a taça que deseja esvaziar-se de novo”.

Assim se inicia a saga de Zaratustra, com uma meditação sobre a felicidade. De modo que a felicidade começa na solidão: “uma taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. Mas vem o tempo quando a taça se enche. Ela não mais pode conter aquilo que recebe. Deseja transbordar”. Acontece assim com a abelha que não mais consegue segurar em si o mel que ajuntou; acontece com os seios da mãe, turgido de leite, que precisa da boca da criança que o esvazie. A felicidade solitária é dolorosa. Zaratustra percebe então que sua alma passa por uma metamorfose. Chegou a hora de uma alegria maior. A de compartilhar com os homens a felicidade que nele mora. Seus olhos procuram mãos estendidas que possam receber a sua riqueza. Zaratustra, o sábio, se transforma em mestre. Pois ser mestre é isso: “ensinar a felicidade”. Cabe aos alunos ter autonomia intelectual para encontrá-la.

Por conseguinte, muitos professores retrucarão, dizendo a felicidade não é a disciplina que ensino. Ensino ciências, literatura, história, matemática, etc. Será que esses mestres não percebem que essas coisas que se chamam “disciplinas”, e o que eles devem ensinar nada mais são, que taças multiformes coloridas, que estão cheias de alegria. Pois o que os professores ensinam não é um satisfação para a alma? Se não fosse, eles não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, no caso os alunos sintam o mesmo prazer de quem ensina pensando na transformação que isto lhe trará. Se isso não acontecer o professor terá fracassado na sua missão, como o cozinheiro que queria oferecer prazer aos convidados, mas a comida saiu salgada e queimada. O mestre nasce da exuberância da felicidade. E por isso mesmo, quando perguntados sobre a sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar a absurda resposta: “sou um educador que transforma a arte de ensinar em alegria de aprender”. Como diz a filósofa e educadora Terezinha Rios: “nós não somos imortais, mas podemos ser eternos”. 

Um comentário:

  1. Sei que ama o que faz!!!Parabéns... Professor lindo texto !!!

    ResponderExcluir

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...