29 de janeiro de 2017

PARA ALÉM DA FILOSOFIA ESTÁ O AMOR

O amor está presente no nascimento da filosofia. No período clássico da Grécia antiga, o amor é uma das questões mais importantes. Podemos dizer que a filosofia começa com a descoberta do amor. O amor é o que nos faz pensar. Na base do amor está o espanto, o encantamento. Quando estamos encantados por uma pessoa ela torna-se o nosso Guru. Quando juntos sentimo-nos iluminado. Sua presença nos acende, produzindo um brilho intenso. No entanto, para os filósofos antigos, o amor não era uma palavra complexa, mas três palavras que determinava a complexidade deste sentimento: “Eros, Philia e Ágape”. Cada uma delas tenta designar um sentimento que é bem maior que a própria palavra contida no verbo amar. O sentimento nunca é simples, a palavra que o batiza também não o é.

Entretanto, Eros é o amor como desejo. Na obra de Platão trata-se de um sentimento que compõe a própria filosofia, o modo como se pode pensar a vida. Não apenas desejo do belo, ou o corpo do outro, anseios de alegrias carnais, mas, sobretudo, o sentimento que compões o desejo de saber o que está para além do corpo. Quando se ama alguém, do ponto de vista platônico, se ama o que está além do que se vê. Ama-se, inclusive, o que não se vê. Por isso, a curiosa expressão “amor platônico” tem uso corrente em nosso vocabulário. Com ela procuramos expressar o amor que vive de ser teoria sobre si mesmo. Ele se auto-alimenta. É uma espécie de amar como verbo intransitivo. Um tema muito debatido pelo poeta Mário de Andrade (1893-1945): “Amar, Verbo Intransitivo”, um romance modernista publicado em 1927.

Pode-se dizer que é um amor sem prática, pura admiração, pura imaginação e contemplação. Sinto o que não vejo acontecer, é o termo pelo qual se traduz a palavra teoria. Podemos dizer que o amor platônico é um amor teórico, um amor que se compraz em ver, olhar, pensar no que se vê. O que se vê, porém, não corresponde aos olhos do corpo, mas aos olhos da alma. Quando a palavra filosofia foi forjada no século V antes de Cristo, na escola pitagórica, ela se referia ao grupo de filósofos reunidos na prática de uma vida contemplativa, uma vida em nome da sabedoria. A filosofia era uma prática de vida que se realizava entre amigos. Pessoas que se reuniam por amor ao saber.

De modo que a palavra Philia significa amizade, isto é, a filosofia é uma espécie de amizade pela sabedoria. A amizade é próxima do desejo, pois ambos querem chegar ao mesmo lugar que é o bem maior. Apenas é um pouco diferente de Eros, pois na Philia a racionalidade exerce sua força. Ela designa um passo além do desejo enquanto este é fortemente platônico e contemplativo. Na amizade constitui-se um laço que vai além do contemplativo, ainda que dele precise, e que ele permaneça em sua base. Todavia, o que queremos de um amigo é ficar perto por admiração e respeito. Ao mesmo tempo a amizade envolve a noção de companheirismo, de estar junto do outro. O amigo é aquele que se une ao outro em nome de algo comum, ou seja, compartilham interesses comuns.

Porém, Ágape era o amor que se tinha por tudo o que existia. Era o amor desinteressado, o amor pela vida. Sobretudo, Ágape define um amor natureza, é o amor altruísta. Amor que envolve uma determinada compreensão do mundo como morada do humano dentro do cosmos, como ordem da natureza e da cultura. Os gregos acreditaram no amor como uma potência essencial a tudo o que existia, assim como o cristianismo primordial. Como poderíamos hoje retirar o amor da banalização à qual foi lançado e restituir seu sentido maior, aquele que leva à liberdade humana? A resposta a esta pergunta exige do próprio amor. Dizer sobre o amor em tempos de ódio é um gesto anacrônico. Um gesto anormal, fora de época. Por outro lado, para quem se coloca a pergunta “o que é o amor?” Do ponto de vista da filosofia, a resposta pode ser a mais animadora: “o amor é um calor que aquece a alma”.

Portanto, o amor pode ser pensado como a capacidade humana do enlace, da união, da relação com a vida, a natureza, a espécie humana, com uma causa privada ou pública; como no famoso texto de “Coríntios 13”, o amor pode ser a capacidade de tudo aceitar, esperar e suportar, ou o que, no “Evangelho de João”, deveríamos oferecer uns aos outros junto com nossas vidas, se fôssemos verdadeiramente amigos, se aceitássemos a ideia de que o amor é um mandamento. Como para o existencialista, filósofo e teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855), que no século XIX, escreveu “As Obras do Amor”, para quem o amor poderia ser um pleno cumprimento da lei, uma questão de consciência. O amor é amor pelos outros (a caridade cristã, Ágape em grego): amor sem interesses. Quase nem nos parece amor. Não sabemos pressentir ou desfrutar do amor no silêncio do outro. Há um diálogo espiritual que não percebemos. Não aprendemos a viver com essa definição. Contudo, encerro essa reflexão com um provérbio chinês que preconiza o amor para além da filosofia: “O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva, por isso que se chama presente”. 

Um comentário:

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Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...