27 de fevereiro de 2016

DECADÊNCIA E INSATISFAÇÃO HUMANA

Só o que for capaz de se converter tornar-se-á sábio. O que se endurece permanecerá eternamente errado.” Abro esta reflexão citando a epigrafe do poeta inglês William Blake (1757-1827), para fundamentar a insatisfação humana em pleno apogeu da tecnologia que tanto a endeusamos que foi planejada e programada para mecanização humana. Não sabemos mais quem somos. Há uma insatisfação coletiva. Justamente o homem de hoje, muitas vezes excluído da ordem divina orientadora, se acha exposto ao perigo de sucumbir ante a problemática da sua existência. Apesar de todos os esforços do conhecimento racional, como argumenta o filósofo francês René Descartes (1596-1650): “Muitas coisas que eu achava que fossem verdadeiras, descubro hoje que são falsas. Não me acho, portanto, em condições de admitir mais alguma coisa como certa. Talvez tudo aquilo que apreendo e creio seja falso. O que é verdadeiro? O que é certo?”  

Pautamos nossas vidas em opiniões, julgamos e condenamos tudo que achamos ser errado e falso. Não paramos para ouvir a voz da consciência. Agimos como se fosse acéfalo. Eis a confissão de Santo Agostinho (354-430) diante dessa pergunta de Pilatos: “Perambulei pelas ruas e praças deste mundo, à tua procura, e não te encontrei. Procurei em vão, pois estavas dentro de mim mesmo.” É a exigência da inscrição do Oráculo de Delfos que se apresenta ante os nossos olhos: “Conhece-te a ti mesmo”! Isso exprime a possibilidade de atingirmos por esse caminho o mistério da vida, mostrando da mesma forma que a nova ordem vital deve começar na própria pessoa.

Nada mais estranho que um mandamento que obrigue a amar. A sua característica não é do dever, mas a da virtude. Amar é um dom que poucos conhecem. A racionalidade da justiça é insuficiente e o que parece suficiente não pode ser posto como imperativo. Temos continuamente, diante dos olhos a miséria do nosso tempo. Ela agarra o homem por fora, aninha-se no seu interior e procura envenenar-lhe o coração. Miséria habitacional e desemprego, encarecimento do pão nosso de cada dia e cuidado relativo a ele, condições insalubres de vida e doença, tudo isso se lança como demônios sobre cada um e sobre as famílias, sendo, muitas vezes, baldados todos os esforços para se livrar de semelhante condição. Temos deveres, mas, ninguém lembra que temos direitos.

Portanto, pior que tudo isso, é a falta de amor do homem, o qual se encontra por toda parte. Ele congela os corações e promove a dúvida. Ante um mundo tão hostil, muitos se voltam para si mesmos e se consomem numa solidão infinita. Eles se fecham contra essa falta de amor e erguem um muro ao seu redor; muro de isolamento, atrás do qual mora o desespero que vai lhe consumindo. Olhamos o mundo através das viseiras do medo e das grades da desconfiança. Toda comunidade está fadada a se converter num cárcere ou num inferno, se todos os seus membros não estiverem dispostos a colocar o seu “Eu” no estandarte da compaixão. Contudo, está decretada a decadência e a falência humana do chamado mundo moderno da tecnologia.

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