8 de abril de 2014

A VISÃO MÍTICA DA SEXUALIDADE

Para compreender com maior profundidade a condição humana, retomo o terceiro e quarto capítulo do livro “Mito e Sexualidade”, do escritor e jornalista americano Jamake Highwater (1942-2001), para melhor compreensão, analiso esses dois capítulo. Para uma organização lógica do pensamento, vou usar um título: “A Visão Mítica da Sexualidade”. Analisando a suas interpretações fenomenológica e hermenêutica, percebe-se que ele nos concede importantes elementos que possibilitam a construção de novos significados para a sexualidade humana.

Pois bem, o terceiro capítulo, que inicia nossa incursão pelo tempo, intitula-se: o corpo como mulher. Na verdade, o que tem importância para o autor são “os aspectos primordiais da sacralidade que cercavam o poder da fecundidade da mulher”, pois deriva justamente desta mitologia “primitiva” a primeira concepção da sexualidade humana.

A problemática inicia-se com a defesa da existência de uma sociedade matricêntrica no período neolítico, onde se poderia dizer “que Deus era mulher”. Para sustentar tal tese, Jamake Highwater, mantêm constantes e insistentes diálogos com cientistas sociais, antropólogos, biólogos e historiadores que cerram fileira com esta mesma ideia, de braços dados com a ciência.

Na sociedade matricêntrica, segundo Erich Fromm (1900-1980), e Bachofen (1815-1887), os indícios de violência praticamente não existiam, pois organizavam-se relativamente de maneira igualitária e coletivista. Enquanto os homens uniam-se e dedicavam-se à caça, as mulheres responsabilizavam-se pela alimentação e manutenção da grande família e neste processo, acabaram tornando-se as pioneiras no manejo da farmácia, da agricultura, da astrologia, da medicina, da pecuária, do feitio de utensílios domésticos e etc. Além de todos estes domínios sobre a natureza, coube também as mulheres, segundo Jamake Highwater, o primeiro passo no processo de hominização dos primatas. Afastando-se do cio, e não limitando o sexo à procriação como fazem os animais, as mulheres transformaram a sexualidade em um aspecto da cultura, ou seja, “foram elas que humanizaram a sexualidade animal” (p. 54-56). Sendo assim:

A religião dos chimpanzés é animista e a dos humanos é sexual, mas sem associar a sexualidade às forças da natureza, as mulheres viriam a criar a nossa primeira religião – a religião da menstruação, dos mistérios do parto e das fases da lua”, (p.54-55).

Através da vasta releitura mitológica realizada por Jamake Highwater junto aos seus interlocutores, defensores de uma sociedade matricêntrica – que outrora estivera somente sob o foco de leituras e interpretações patriarcais, ou leituras resenha machistas – é possível perceber com clareza que de cada organização social deriva uma sexualidade distinta, que por sua vez, implica numa metáfora subjacentes de nossa corporeidade. A exemplo desta afirmação, o autor demonstra que a virgindade na sociedade patriarcal, ocidental e de parentesco relaciona-se diretamente com o controle da mulher, sua posse pelo pai ou pelo marido, enquanto que em uma sociedade matriarcal ela estaria relacionada unicamente a seu autodomínio.

Entretanto, a questão que deriva desta discussão e que pode nos servir de horizonte político é que se cada organização social engendra uma consciência e uma sexualidade característica, como ficou provada com explanação sobre alguns aspectos das sociedades matricêntricas, outras formas de organização social podem ser construídas, uma vez que não são imutáveis ou naturais, mas antes e, sobretudo, construções humanas. Assim, outras significações podem ser aferidas à nossa sexualidade dando continuidade ao constante e inexorável processo de hominização que nos condiciona. Diante desta discussão cabe nos perguntar: que tipo de organização social queremos e devemos construir para engendrar sujeitos conscientes de sua própria sexualidade? Sujeitos capazes de livrarem-se dos mitos repressores, maniqueístas e preconceituosos que extirpam silenciosamente as mais importantes potencialidades que podem levar o homem à emancipação?

Porém, é no quarto capítulo: “O corpo como homem (p. 57-91), que nele a principal discussão centra-se na demonstração da batalha entre a antiga mentalidade matricêntrica e a nova mentalidade patricêntrica que travou-se no mundo dos mitos. E como por fim, os novos deuses nascidos da sociedade patricêntrica, arrebataram o poder das mulheres desta nova organização social (p. 58-59). Contrapõe criticamente o tipo de consciência nascida desta mitologia patricêntrica e sua respectiva concepção de sexualidade, àquela discutida no capítulo anterior. Ou seja, enquanto nas sociedades matriarcais a sexualidade era polimorfa, unilateral, sensual e pacífica, nas sociedades ocidentais, patriarcais, a sexualidade - por temer o poder feminino – engendrou uma adoração exacerbada do homem pelo próprio homem (p. 77-78), calcada no desprezo pelas mulheres. Engendrou também a sexualidade violenta, repressora e a diferenciação acentuada entre os sexos masculino e feminino – tão comum ao nosso pensamento.

A releitura elaborada por Jamake Highwater das importantes obras de Homero, Hesíodo, Ésquilo e Sófocles, entre outras, demonstra que elas escondem verdadeiros insultos sobre as mulheres (p. 66) e que esta mitologia solidificou a ideia ocidental atual de que as mulheres personificam a natureza bruta, o caos e a desordem, enquanto os homens personificam a sabedoria, a ordem e a razão (p. 65). Desta consciência ambivalente nascida do patriarcalismo derivam o homoerotismo e a noção da paixão como inimiga da razão, o que mais adiante se transmuta na ideia ocidental das pulsões sexuais relacionadas a atos animalescos (p. 90). Segundo o Professor Pat Caplan:

Para os gregos, assim como para nós, o sexo ameaça o senso de autodomínio que define a racionalidade masculina, e a existência da civilização. Se lhes fosse dada a oportunidade, talvez os homens tivessem erradicado por completo o desejo sexual, se não fosse a necessidade de ter filhos que perpetuem a identidade masculina e alimentem o sonho da imortalidade do homem”, (p.41).

Portanto, assim sendo, com o patriarcalismo, o substrato simbólico necessário para colocar em prática a nova ordem moral, estética e política estava pronto. Contudo, é nesse terreno fertilizado pelo machismo que se sustenta ainda hoje a nossa sociedade ocidental. Enfim, este será o tema da nossa próxima discussão, o quinto e o sexto capítulo, que trazem como título: “O sexo como pecado” e “O corpo como amante”.  

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