23 de junho de 2019

SOMOS ESSENCIALMENTE SOLITÁRIOS

Acredito que só podem estabelecer relações efetivamente interpessoais aquelas pessoas que estiverem em condições de se reconhecerem como únicas e acima de tudo se aceitarem como criaturas essencialmente solitárias, cujo modo de ser e de pensar não serve para avaliar as outras pessoas. Aqueles que não se aceitam como indivíduos solitários veem o outro como remédio para seu desamparo, ao passo que os que se aceitam sozinhos já sabem que o outro não pode atender a todos os seus desejos. Por exemplo, às vezes pensamos que gostamos de uma determinada pessoa, só porque ela entende a gente e faz coisas gostosas que nos enchem de prazer naquele momento. No entanto, o que mais queremos naquele momento é esse aconchego e ser compreendido por alguém. É ver o outro como remédio para seus males interagindo com ele sempre levando em conta suas enormes necessidades pessoais.

Uma mulher que foi abandonada pelo seu marido, por exemplo: para que ela fique bem com a ausência do seu homem é preciso que tenha capacidade de existir como pessoa solitária. Ao contrário, poderá sofrer o resto da vida a perda do seu parceiro e, por dentro, estará pensando: “e agora o que será de mim sem ele?” Se reconhecermos que somos de fato solitários, uma vez que nosso cérebro é único, pensamos somente por nós e por mais ninguém e que nossa comunicação é precária. Eu diria que esse ser humano é forte e tem tudo para superar essa perda. Todo o individuo que se basta é justamente aquele que pode relacionar-se verdadeiramente com o outro sem medo da perda, justamente por se reconhecer como um ser solitário e único. É evidente que numa relação a dois, o outro existe para nos completar e vice e versa, já que qualquer movimento dele ou nosso que venha estar em desacordo com a nossa expectativa ou a dele, fará surgir uma dolorosa sensação de decepção.

O fato é que quase ninguém consegue reconhecer essa sensação de incompletude, já que sempre estamos sentindo falta de alguma coisa. Todavia, buscamos encontrar a parte que nos falta, ou seja, a nossa outra metade, como diz Platão no Banquete, o tal fenômeno do amor romântico. É aqui que mora o perigo. A busca dessa fusão com a outra parte, que também é solitária, nos provoca uma sensação de completude. As afinidades são à base dessas relações, pois as semelhanças no modo de pensar nos fazem sentir menos solitários. Essa é uma característica que nem sempre está presente nesse encontro romântico e que rapidamente irá fazer muita falta. Essa afinidade no modo de pensar é talvez o que há de mais essencial nas amizades. Se o amor estabelece um aconchego físico, as amizades determinam um aconchego intelectual. Se o primeiro é infantil, regressivo, este último é a mais sofisticada expressão de nosso desenvolvimento intelectual. Por isso que o verdadeiro amor nasce a partir de uma sólida amizade constituída. Pautado na confiança e no respeito.

Entretanto, ao considerarmos como metade, como parte que reclama a sua outra metade e não como inteiro e solitário que somos, enxergando o outro como peça necessária para minha estabilidade emocional, certamente vamos desenvolver mecanismo de dominação sobre o outro. Indubitavelmente, estaremos transformando o outro num objeto de uso pessoal, ao passo que ele também é um ser solitário e singular. A minha dependência em relação a essa pessoa crescerá, ao mesmo tempo em que a minha autoestima decrescerá. Todavia, os que não forem capazes de manterem um relacionamento sem achar que o outro tem que estar a serviço, tenderá a ficar sozinhos.

Portanto, o número de corações destroçados por decepções inesperadas só tem crescido nos últimos anos. Enquanto tratarmos o outro como metade, como uma parte que reclama e não como inteiro, um ser único e insubstituível, as relações interpessoais serão marcadas por angústia e a dor do fracasso, pois o outro, declaradamente, está sendo usado, ainda que seus anseios verdadeiros estejam sendo satisfeitos. A verdade é que agradar o amado é, em muitos casos, a parte menos relevante nessas relações. Aqui o amor é apenas um remédio para nosso maior mal, que é de nos sentirmos incompletos quando somos de fato, um ser completo. Enfim, reconhecer-se como metade, constitui-se na necessidade do outro, ou seja, uma relação neurótica. E ao reconhecer-se como um ser solitário e único, constitui-se num desejo primordial de querer o outro para amar” com absoluta negação de todo o tipo de dependência ou necessidade.      

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