20 de junho de 2019

DIALOGANDO COM AS IDEIAS ATRAVÉS DA ESCRITA

Começamos essa reflexão citando o escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924): “escrever significa abrir-se em demasia. Por isso, não há nunca suficiente solidão ao redor de quem escreve; jamais o silêncio em torno de quem escreve será excessivo, e a própria noite não tem bastante duração”. Sendo assim, escrever é um trabalho dos mais difíceis, não são todas as pessoas que têm coragem suficiente para enfrentar esse tipo de empreitada prazerosa, o gosto pela escrita. No entanto, a escrita reflete a personalidade de quem escreve. Pessoas que escrevem bem têm algo de diferente no brilho pessoal. Abusando um pouco das metáforas, elas são charmosas e possuem um dom que quase da para ouvir o que escrevem. Somos parte de tudo o que existe no mundo. Quando conseguimos compreender esse fato, veremos que não estamos escrevendo, e sim deixando que todas as coisas escrevam através de nós.

Escrever é uma ocupação bastante absorvente e, não raro, exaustiva. Mas sempre me considerei muito feliz por poder levar a vida entregando-me a algo que da prazer. Pouquíssimas pessoas podem fazê-lo. O meu estilo é mostrar a fisionomia da alma. Ela é menos enganosa do que o corpo que mostramos. Imitar o estilo alheio significa usar uma máscara. Por mais bela que esta seja, torna-se logo insípida e insuportável porque não tem vida, de modo que mesmo o rosto vivo mais feio é melhor do que a máscara. Sou o que escrevo e do jeito que escrevo. Só tenho certeza de uma coisa, o que escrevo é melhor do que eu. O que escrevo quero que toque de alguma forma na vida de quem lê. Tranquilizar-me talvez seja a principal razão porque escrevo. É quase inacreditável o quanto a frase escrita pode acalmar e domar o ser humano. Um texto sem alma não se sustenta, não sobrevive. Não pode comover e, portanto, não pode criar nenhum laço minimamente catártico com o leitor. Um bom diálogo através da linguagem escrita é como fazer sexo; tem que ter ritmo, sedução e ser envolvente.

Entretanto, o trabalho do escritor é oferecer uma história que envolve, fascina, provoque e, acima de tudo registra-se como única e absoluta. Tendo em vista, que escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível. Nesse sentido, a história e o romance, a ideia e a forma, são como a agulha e o fio, e não existe alfaiate que recomende o uso do fio sem a agulha, ou da agulha sem o fio. Um bom texto parte como uma onda, movendo-se pela superfície do mar. As ideias irradiam da mente do autor e colidem com outras mentes, desencadeando novas ondas que retornam ao autor. Estas geram outras reflexões e emanações e assim por diante. O talento é algo maravilhoso, mas não é capaz de carregar quem dele desistir. Por acaso, não seremos nós aquela folha de papel em branco de que fala o filósofo e empirista inglês John Locke (1632-1704), que um dia alguém vai nos ler?

Portanto, a literatura é para mim uma mimese da vida, com contornos de todos os valores e temas que rodeiam a nossa realidade. É uma forma de tentar entender o processo de formação do ser humano, único capaz de empreender raciocínios imaginativos. Foi através da literatura que brotou em mim o amor e transformou a minha vida numa poesia. Hoje posso dizer que, realmente, vivo uma história de amor com as palavras. Olhando para trás sinto que algumas fontes começam a jorrar apenas quando estou só. O artista precisa ficar só para criar; o escritor para elaborar os seus pensamentos; o músico para compor; o cristão para rezar e o poeta para escrever nossa história de amor. Só escrevo porque me sinto compelido a botar para fora o que penso e sinto. Durante muitos anos a solidão foi minha mola propulsora. Concluo essa reflexão citando o escritor português José Saramago (1922-2010) que diz: “ser escritor não é apenas escrever textos ou livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigência e uma intervenção”. A minha exigência é o amor que trago no meu coração e a intervenção, é essa paixão louca que me leva feito vento sem direção.

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