26 de maio de 2016

OS OLHARES DE DESPREZO AO PROFESSOR

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) disse que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver - vou um pouco além, não só a ver como também enxergar o que se ve. Esta é a primeira tarefa porque é através dos olhos que as crianças, pela primeira vez, tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo. Os olhos têm que ser educados para que a nossa alegria aumente. Porém, o olhar de um professor tem o poder de fazer a inteligência de uma criança florescer ou murchar. Ela continua lá, mas recusa-se a partir para a aventura de aprender. A criança de olhar amedrontado e vazio, de olhar distraído e perdido. Ela não aprende. Um professor habilidoso sabe que o olhar tem o poder de despertar ou, pelo contrário, de intimidar a inteligência. É desse olhar de desprezo que vem sofrendo o professor. Nem o seu dia é mais comemorado como antigamente, de tão desgastada que está a imagem desse profissional da educação. O dia 12 de outubro é lembrado como o dia da criança e de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, mas, poucos sabem o que se comemora no dia 15 de outubro.

Durante o ano letivo na educação, o calendário escolar já reserva no inicio do ano as comemorações significativas como, por exemplo, só para citar algumas datas importantes: “o dia do trabalho, o dia das mães, as festas juninas, o dia dos pais, sete de setembro, o dia da criança e dia de finados”, aqui já terminou o ano letivo. Ainda que não citei o aniversário do município, que também se comemora. Aproveito para puxar um dado curioso da história do dia do professor. No dia 15 de outubro de 1827, que é um dia consagrado à educadora Santa Tereza D’Ávila (1515-1582). Dom Pedro I baixou um Decreto Imperial que criou o ensino elementar no Brasil. Pelo decreto, “todas as cidades, vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras”. Esse decreto falava de bastante coisa: “descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender e até como os professores deveriam ser contratados”. A ideia, inovadora e revolucionária, seria ótima para a educação, caso tivesse sido cumprida. Mas somente em 1947, após 120 anos do referido decreto, que ocorreu a primeira comemoração de um dia dedicado ao professor.

O que na verdade se comemora no dia do professor? O melhor é não pensarmos nele, uma vez que seu aspecto não é nada festivo. Digo como professor, nós falhamos, fracassamos, perdemos a guerra contra o analfabetismo, a ignorância, a falsa cultura, a selvageria e a demagogia. Para justificar podemos usar a metáfora da vitória de Pirro, que reuniu em meio às fragorosas derrotas. Pirro de Élis (360-270ª.C) foi um filósofo grego nascido na cidade de Élis, considerado o primeiro filósofo cético e fundador da escola que veio a ser conhecida como pirronismo. A vitória de Pirro de tão sacrificada, desgastada e violentamente conquistada que não valeu a pena alcançar. Ou seja, uma vitória inútil e não tanto uma vitória difícil. Portanto, desprezado professor se quiser continuar nessa trincheira, entre na fila e posicione-se diante do pelotão de fuzilamento.

Falo do sentido primeiro de comemorar antes de tudo, a palavra significa lembrar, resgatar e compartilhar lembranças comuns. E porque a vida repassa antes os olhos dos que estão para morrer e diante de nós estende-se a perspectiva de nossa extinção, este é o momento certo de comemorarmos, de empreendermos uma rememoração coletiva. Que nossa alma coletiva, assim lavada, tornada mais leve, possa então ascender a umbrais mais elevados. Ver nas entrelinhas o que fazem os burocratas conosco. Somos obrigados a  preencher papéis cobertos de perguntas absurdamente óbvias e infantis, cuja a finalidade são invariavelmente uma incógnita e cujo resultado prático é sempre, absolutamente nenhum.

Podemos comemorar também as autoridades deseducacionais de todos os governos que praticam contra o professor. A anti pedagogia da punição vingativa, a mesma que condena e proíbem veementemente se ela é eventualmente imposta na educação de alguma criança ou algum adolescente. Aproveitemos para comemorar também as classes de estudantes que não estudam, que menosprezam ou ignoram nossa presença na sala de aula, que passam o tempo juntando comentários desairosos a nosso respeito e, no final do ano, queixam-se de que não lhes ensinamos nada. Assim como aqueles alunos que, com uma agressividade descabida, vêm nos ameaçar com retaliações por causa da nota recebida, tratando-nos como não se tratam os animais, e diante dos quais temos de nos valer de uma energia descompensadora, pois do contrário perdemos a nossa humanidade.

Portanto, já que não temos pelo o que comemorar, vamos apreveitar para homenagear aos chamados papas da educação ou pedagogos acadêmicos que exigem de nós uma competência que não possuem e querem nos impingir “ex-cathedra” teorias e métodos que eles próprios não dominam e jamais foram capazes de por em prática. Comemoremos, enfim, todos aquelas pessoas que nos desqualificam e ridicularizam, tomando nossa profissão como matéria para seu humor estereotipado e avacalhado, e depois de tudo ainda esperam que o mundo lhes ofereça, urbanidade, civilidade, respeito, em suma, tudo quanto uma boa educação pode propiciar. Contudo, esse desrespeito e desprezo ao professor começa nos altos escalões do Estado, onde atende pelo nome paradoxal de racionalização ou otimização. É sob esse eufemismo que o governo superlota as salas de aulas. E isto não é falta de respeito e desprezo pelo professor? Será que estamos dispostos a abandonar tudo o que conquistamos? Até onde conseguiremos ir quando o caminho exige priorizar coisas tão esquecidas no mundo atual, como a beleza dos rios, os encantos da natureza, a poesia, a arte e a capacidade de aprender com olhos de criança?       

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