24 de agosto de 2015

A ORIGEM, EDUCAÇÃO E TRABALHO

Um dia o homem por acaso descobriu que poderia colher do que plantasse. Iniciou-se a era da agricultura, que foi a atividade principal por mais ou menos sete mil anos. Foi um período que prevalecia o modo de produção comum a todos, que o filósofo e educador Dermeval Saviani (1943), chama de “comunismo primitivo”. Não havia divisão de classes. Tudo era feito em comum: os homens produziam sua existência em comum e se educavam neste processo. Lidando com a terra, lidando com a natureza, se relacionando uns com os outros, os homens se educavam e educavam as novas gerações. Na medida em que ele se fixa na terra, que era considerado o principal meio de produção, de repente surge à propriedade privada. A apropriação privada da terra divide os homens em classes.  

Temos então a classe dos proprietários e a classe dos não proprietários. O fato de uma parte dos homens se apropriarem privativamente da terra, da a eles a condição de poder sobreviver sem trabalhar. Com efeito, os não proprietários que trabalhavam a terra assumem o encargo de manter a si próprios e aos senhores. Nesse sentido, surge uma classe ociosa, ou seja, uma classe que não precisa trabalhar para viver: ela vive do trabalho alheio. No comunismo primitivo, a educação coincidia inteiramente com o próprio processo de trabalho, a partir do advento da sociedade de classes, com o aparecimento de uma classe que não precisava trabalhar para viver, surge à educação diferenciada. É aqui que está localizada a origem da escola. A palavra escola em grego significa o lugar do “ócio”. Portanto, a escola era o lugar a que tinham acesso as classes ociosas. A classe dominante, a classe dos proprietários, tinha uma educação diferenciada que era a educação escolar.

Por contraposição, a educação geral, isto é, a educação da maioria era o próprio trabalho. O povo se educava no próprio processo de trabalho. Era o aprender fazendo. Aprendia lidando com a realidade, aprendia agindo sobre a matéria, transformando-a. Já a forma como a classe proprietária ocupava o seu ócio é que constituía seu tipo especifico de educação. Não só a palavra escola tem origem grega, como também a palavra ginásio, que era o local dos jogos que eram praticados pelos que dispunham de ócio. A origem da palavra ginástica é a mesma da palavra ginásio: exercícios físicos como lazer. A ginástica dos que tinham que trabalhar era o próprio trabalho, isto é, o trabalho manual, o manuseio físico da matéria, dos objetos, da realidade, e da natureza.

Entretanto, essa situação tendeu a se alterar a partir da década de 60 com o surgimento da “teoria do capital humano”, segundo Dermeval Saviani. A educação passa a ser entendida como algo não meramente ornamental, mas decisivo para o desenvolvimento econômico. Postula-se, assim, uma estreita ligação entre educação e trabalho; isto é, considera-se que a educação potencializa trabalho. Essa perspectiva está presente também nos críticos da “teoria do capital humano”, uma vez que consideram que a educação é funcional ao sistema capitalista, não apenas ideologicamente, mas também economicamente, enquanto qualificadora da mão de obra, ou seja, força de trabalho. Na Idade Média as escolas eram destinadas à educação da classe dominante. Ocupar o ócio com os estudos significava não precisar trabalhar. Ocupar o ócio com dignidade, segundo os princípios da época, é ocupá-lo com atividades consideradas nobres e não com atividades consideradas indignas. Essa expressão deriva da influência da igreja.

Em termos gerais, a concepção difusa parece ser aquela que contrapõe de modo excludente a ideia de educação e trabalho. Considerando a relação entre educação e escola. No entanto, a tendência dominante é a de situar a educação no âmbito do não ter que trabalhar. Como argumenta Dermeval Saviani, “daí o caráter improdutivo da educação, isto é, o seu entendimento como um bem de consumo, objeto de fruição”. No entanto, ao mesmo tempo em que a escola é desvalorizada, ela é hipertrofiada. Essa contradição atravessa o próprio interior da escola; pode-se dizer que existe essa tendência de se dar com uma mão e tirar com a outra. Ela amplia e se esvazia ao mesmo tempo. Estende-se, mas perde em substância. Coloca-se dentro da escola toda uma série de atividades que acabam descaracterizando-a.

Portanto, já que a forma escolar é a forma dominante e a escola vive este paradoxo, como situar o papel que a educação deve assumir na nossa época, na história presente, na história que, de algum modo, estamos fazendo? Por que há uma grande dificuldade da gestão escolar na hora de propor um projeto pedagógico junto ao seu corpo docente? Por que o professor não consegue assimilar a sua importância na formação do aluno e na pratica do seu trabalho, sem sair do efêmero? Por conseguinte, esse profissional da educação fala e reproduz o modelo vigente do momento. No entanto, para uma classe política, o trabalho intelectual do professor não tem valor. Hoje se coloca dentro da escola toda uma série de atividades que acabam minimizando o seu trabalho. Parece que a escola cuida de tudo, menos de ensinar, instruir. É tanta burocracia que envolve o professor, que acaba esvaziando o conteúdo específico que ele deveria trabalhar. Contudo, descaracteriza o seu real papel de mestre. É triste constatar que na sociedade o trabalho intelectual não é valorizado, somente o trabalho escravo.    

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