27 de março de 2015

O GUARDADOR DE REBANHOS

Minha convivência com a natureza trouxe-me outra realidade, que passei a vivenciar com profundidade, ou seja, enxergar a natureza como a maior pedagogia da vida, porque ela é sábia. A natureza tem muito a nos ensinar. Por exemplo, veja esse poema: “Da minha aldeia vejo o quanto da terra se pode ver no universo. Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer, porque sou do tamanho do que vejo não do tamanho da minha altura. Nas cidades a vida é mais pequena que na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave. Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu. Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar e tornam-nos pobres, porque a única riqueza é ver.” (extraído do poema “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro).

O Guardador de Rebanhos” é uma obra composta de 49 poemas ou partes, que começaram a ser datados em 08 de março de 1914. O livro é assinado por Alberto Caeiro, um dos “heterônimos” do poeta Fernando Pessoa (1888-1935). (heterônimo é um personagem fictício criado pelo escritor com caráter próprio). Alberto Caeiro possui a mansidão e a sabedoria que nos comove. Aproxima-se da postura do Zen Budismo. Para Caeiro, o importante é ver e ouvir: “A sensação é tudo, e o pensamento é uma doença”. No entanto, dizia Caeiro no poema O Guardador de Rebanhos: “nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor. Conhece o vento e o sol e anda pela mão das estações a seguir e a olhar. Toda a paz da natureza sem gente”.

Por que escolhi este poema? Ocorreu-me que o mês de março é muito especial para mim. Pois lembra o aniversário de duas grandes mulheres da minha vida. Uma é a minha saudosa mãezinha, que hoje alimento das suas lembranças e a saudade que ela deixou. A outra grande mulher. Bem! Esta continua ao meu lado e também é aniversariante do mês. Para falar dela em particular, permita-me usar como ponto de partida o poema escolhido “O Guardador de Rebanhos”. Talvez por ser o guardador do seu coração. Neste momento que escrevo em versos simples e direto, próximo do livre andamento da nossa conversa, tenho a sensação das coisas tais como são. Como seu guardador faço o seguinte convite: “vem sentar-se ao meu lado nessa viagem imaginária, como nas nossas caminhadas e longas conversas noites adentro”. “Venha ver comigo o findar do pôr do sol”. Lembro o quanto isto tem de significado para nós. “A minha alma é o seu pastor”. Olhando para o meu rebanho e ouvindo as minhas ideias, sem pestanejar aparece ela no meio deste turbilhão de pensamentos. Sou impulsionado imperativamente por esse sentimento que move na sua direção. Já não sei mais andar a sós por este caminho.

Aprendi que o amor é aquele companheiro que gosta de conversar. Talvez um pensamento visível faz-me andar mais depressa na direção dessa deusa grega. Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. Gosto tanto que não sei mais desejá-la, sinto-me encarnado no seu ser. Se não a vejo, imagino-a e sou forte como as árvores que encontro pelo caminho. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. Como diz o poeta: “toda a realidade olha para mim como um girassol com o rosto dela no meio”. Minha alma quer ser seu guardião, para cuidar desse rebanho de emoções. O espaço entre a cama e o nossos corpos onde deposita certa porção de silêncio, no aconchego de conchinha que nos leva ao paraíso e insiste que assim ficamos. Aqui o tempo não existe. O espaço é transformado pela nossa experiência, assim como o espaço transforma a nossa experiência. Nós não habitamos o nosso corpo, nós somos o nosso corpo.

Portanto, na vida só conhecemos o valor da felicidade quando a temos e o valor de um amor quando o perdemos. De coração agradeço o dom da minha vida e junto agradeço a presença de tantas pessoas que fizeram e fazem viver com alegria a vida. Na verdade, o viver é uma graça que temos que cultivar todos os dias. A consciência do existir faz com que a gente assuma a responsabilidade de amar a todos os momentos e muito mais, amar todas as pessoas. Contudo, a vida não consiste em fazer anos, mas viver através de todos os anos a vocação que Deus deu a cada um de nós. Pois da vida nada se leva a não ser a vida que se leva. Desejo o melhor em saúde, sabedoria, serenidade, alegria, coragem e paz. O tempo não existe quando a gente sabe o que quer da vida.

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