27 de novembro de 2012

ACEITAMOS, MAS NÃO DEVERÍAMOS

Quero nessa reflexão pegar um gancho da escritora Marina Colasanti (1937), que escreveu um belo texto em que dizia: “eu sei que a gente se acostuma, mas não deveria. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora de levantar para mais um dia de trabalho. A gente se acostuma tomar o café correndo porque está atrasado. Ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A gente se acostuma a deitar cedo e dormir pesado sem se dar conta de ter vivido mais um dia. E cada dia que passa é um dia a menos que temos para viver

Acordamos logo de manhã no dia seguinte e funcionamos o dia inteiro, como se fôssemos um robô, andamos pelas ruas parecendo cadáveres ambulantes, trombando com quem vai à frente e nem sabemos qual foi o nosso prato no almoço. Vivemos uma vida automatizada e achamos que isso nos basta como princípio de qualidade de vida.

Ao estudar a história da humanidade, percebemos que todos os grupos humanos em diferentes épocas cultivaram esperanças em relação ao futuro, sonhando com a liberdade, com um mundo de justiça, de respeito à vida, enfim, esperança de uma vida melhor tanto na esfera pessoal como na coletiva. Com a rapidez do mundo moderno, e também com a facilidade e a velocidade da era da informática, sentimos o tempo passar rápido demais, não paramos para pensar e assimilar os acontecimentos diários a nossa volta. Assimilamos uma ideologia que não tem a ver conosco e aceitamos naturalmente. Pouco ou quase nada é o nosso poder de decisão, mesmo em família.

Constata-se que é na esperança que encontramos coragem para lutar contra os grandes horrores e barbáries presentes na história humana. Todavia, nosso tempo vive uma escassez de esperança. As pessoas não se entendem mais, fala-se na morte das utopias, no fim do mundo. Assistimos diariamente a intolerância da humanidade na qual estamos inseridos. Paira no ar uma apatia, uma angústia constante, uma depressão nos ameaçando a todo o momento, desencanto amoroso, vazio existencial, o tédio da vida sem graça, desertos da alma e a necessidade de fuga do mundo. As pessoas não acreditam mais no futuro e nem nelas mesmas. Até parece que os horizontes de esperança foram deletados. Quem cultiva a esperança é considerado um ingênuo frente à dureza dos fatos apresentados pela realidade cotidiana. Não confiamos mais nas pessoas e nem nas instituições. Mas aceitamos.

Certa vez li do escritor suíço Olivier Clerc (1961) uma anedota sobre a rã que não sabia que estava sendo cozida. Na verdade, não é bem uma anedota, porque põem em evidência as funestas consequências da não consciência da mudança que afeta nossa saúde, nossas relações afetivas, a evolução social e o ambiente em geral. “Imagine uma panela cheia de água fria, na qual nada, tranquilamente, uma pequena rã. Um pequeno fogo é aceso embaixo da panela, e a água se esquenta muito lentamente. Pouco a pouco a água fica morna e a rã, achando isso bastante agradável, continua a nadar. A temperatura da água continua subindo. Agora a água está quente mais do que a rã pode apreciar, ela se sente um pouco cansada, mas não se amedronta. Agora a água está realmente quente e a rã começa a se incomodar e achar desagradável, mas está muito debilitada, então, suporta e não faz nada. A temperatura continua a subir até quando a rã acaba simplesmente cozida e morta”.

Se a mesma rã tivesse sido lançada diretamente na água a cinquenta graus, com um golpe de pernas ela teria pulado imediatamente para fora da panela. Isto mostra que, quando uma mudança acontece de um modo suficientemente lento, isso escapa da nossa consciência e não desperta a nossa atenção para uma ação efetiva. Na maior parte dos casos, não desperta reação alguma, oposição alguma ou algum tipo de revolta.

Portanto, se  olharmos para o que tem acontecido em nossa sociedade desde há algumas décadas, poderemos ver que nós estamos sofrendo uma lenta mudança no modo de viver e o pior é que estamos nos acostumando a tudo isso. Por conseguinte, uma quantidade de coisas que nos teriam feito a se horrorizar a vinte, trinta ou quarenta anos atrás, foram pouco a pouco banalizadas e, hoje, apenas nos incomodam ou nos deixam completamente indiferentes à maior parte das pessoas. Contudo, as previsões para o nosso futuro, em vez de despertarem reações e medidas preventivas, ela não fazem outra coisa a não ser a de preparar psicologicamente as pessoas a aceitarem algumas condições de vida decadentes, ou melhor, dramáticas. Acostumamos, mas não deveríamos. Vamos ter o destino que merecemos por conta da nossa indiferença.      


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