10 de maio de 2022

O MUNDO VISTO DE DENTRO

O conceito de “vontade de potência” foi criado por Friedrich Nietzsche (1844-1900), como base para o desenvolvimento de outras ideias. Trata-se de uma proposição ontológica que sustenta toda sua teoria, inclusive sua genealogia da moral é retirada das relações entre a vontade de potência.

Nietzsche toma inicialmente este conceito de Schopenhauer. A vontade é cega e insaciável, uma força que estaria para além dos nossos sentidos. Una, ela representa tudo que vemos, é o substrato que constitui a existência. Mas para Nietzsche, a vontade não está fora do mundo, ela se dá na relação, ou seja, é múltipla e se mostra como efetivação real. É impossível uma só força, uma força única e indivisível, a vontade de potência se diz sempre no plural. Sendo assim, o mundo seria esta luta constante, sem equilíbrio possível, apenas tensão que se prova pelo movimento, às vezes delicado, outras vezes violento.

A vida é vontade de potência, mas não se pode restringi-la apenas à vida orgânica; ela está presente em tudo, desde as reações químicas mais simples até à complexidade da psiquê humana (e é no ser vivo que a vontade de potência pode se expressar com mais força). Ela é aquela que procura expandir-se, superar-se, juntar-se a outras e se tornar maior. Tudo no mundo é vontade de potência porque todas as forças procuram a sua própria expansão. Neste campo de instabilidade e luta, jogo constante de forças instáveis, a permanência é banida junto com a identidade: neste mundo reina a diferença. Força como superação, como constante ir para além dos próprios limites.

A vontade se mostra como sede de dominar, fazer-se mais forte, constranger outras forças mais fracas e assimilá-las. Quanto pode uma força? A onda sonora que se expande, o ímã que atrai, a célula que se divide formando o tecido orgânico, o animal que subjuga o outro são exemplos desta vontade que não encontra um ponto de repouso, mas procura sempre conquistar mais. Cada força, quando dominante, abre novos horizontes, encontra novas passagens, cria novos caminhos.

Se, em física, potência é a capacidade de realizar trabalho; na filosofia, vontade de potência é a capacidade que a vontade tem de efetivar-se. Contra uma interpretação rasa de Darwin, Nietzsche argumenta que o homem não pode e não quer apenas conservar-se ou adaptar-se para sobreviver, só um homem doente desejaria isso; ele quer expandir-se, dominar, criar valores, dar sentidos próprios. Isto significa ser ativo no mundo, criar suas próprias condições de potência. É um efetivar-se no encontro com outras forças.

A vontade de potência não é a vontade querendo potência, não significa que a vontade deseja uma potência que não tem. A potência não é algo que possa ser representado. Para Nietzsche é exatamente o contrário: a potência é aquilo que quer na vontade. E o que é a potência? É um eterno dizer-sim. A potência se afirma na vontade quando diz “Sim” ao devir. É a afirmação pura de sua própria efetivação, a alegria provém da afirmação. E o sentido é o resultado destas forças.

E apenas através de Nietzsche, sendo completa e plena de si, a vontade de potência pode ser aquilo que dá sentido e cria valores. Ela cresce e se ultrapassa. Não há falta a ser preenchida, é excesso que transborda. Ela não busca, ela dá; não procura, cria; não aspira, compõe; não exige, inventa; não interpreta, fabrica. E este é o dever e direito do filósofo: criar valores.

Desta forma, estabelece-se uma hierarquia onde algumas forças são capazes de mandar e outras levadas a obedecer, a saúde do corpo depende disso. É com esta concepção de forças ativas e passivas que Nietzsche cria seu método genealógico e tenciona realizar a trans-valoração de todos os valores. Sua filosofia assume que é necessário ao homem moderno apropriar-se de sua vontade de potência para poder voltar a criar valores. Fazer experimentações, estabelecer novas hierarquias, ultrapassar os valores de seu tempo. Só assim poderá superar a si mesmo e livrar-se da camisa de força que a sociedade colocou em si há séculos. Só a vontade de potência permite uma análise imanente capaz de entender o mundo sem ceder a explicações metafísicas e é capaz de dar novos sentidos, superando os atuais.

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