5 de abril de 2022

PORQUE ERA ELA E PORQUE ERA EU

Como dizia o grande escritor brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967), no livro: “Grande Sertão Vereda”: “O que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme”. O cantor Roberto Carlos diz na música “Outra Vez”, que: “No amor, ninguém na verdade foi, porque quando se ama verdadeiramente, quem foi é, e sempre será”. Mas, afinal, o que faz nascer uma amizade duradoura? O que move uma paixão desmedidamente extraordinária em nossos humanos corações? O que nos leva a gostarmos tão intensamente de uma pessoa, por vezes tão diversa de nós? No entanto, o amor é uma amizade constituída. Mas por que, depois de amar tanto, com a separação vem à inimizade? Quando amamos perdidamente uma determinada pessoa e mantemos com ela um relacionamento amoroso que, no dizer do poeta Vinícius de Moraes: “Que seja infinito enquanto dure”. Ou seja, para sempre, até que a morte nos separe. Será mesmo verdade, que o amor morre junto com o fim das relações, como acontece com frequência nas amizades? Se realmente morre, podemos afirmar que era amor?   

No entanto, nossos amigos e parentes veem essa relação vivida com olhos de quem assiste a algo em que a lógica se volatiliza e se lhes escapa, como algo improvável, indefinível, pleno de estranheza, difícil de ser decodificado, entendido, assimilado. Muitos não entendem esse tipo de amor, que aos seus olhos, esses dois apaixonados, nada têm haver um com o outro. Para desvendar esse mistério, buscando uma compreensão satisfatória desse entendimento, o compositor, cantor, dramaturgo e escritor Chico Buarque (1944), foi buscar a melhor definição nos ensaios do célebre filósofo, escritor e humanista francês Michel de Montaigne (1533-1592).

Chico conta numa entrevista que Montaigne, por ser insistentemente questionado sobre o porquê de sua mais que imensa e eterna amizade por outro humanista e filósofo francês Étienne de La Boétie (1530-1563), cuja morte precoce o levou a escrever o ensaio “Sobre Amizade”, aonde faz uma homenagem a La Boétie. No ensaio Montaigne disse apenas que gostava dele e ponto. Quinze anos mais tarde, revendo o que escrevera, o escritor acrescentou que gostava do grande amigo “porque era ele”. Outros quinze anos depois fez mais um acréscimo à frase, completando-a definitivamente: “porque era ele, porque era eu”. O compositor e cantor Chico Buarque entendeu como simples, porém, perfeita a definição dada por Montaigne. De modo que, essa frase também era perfeita para definir a paixão, o amor que sentimos por alguém. No entanto, Chico se valeu dessa frase para compor uma música feita para a trilha sonora do filme brasileiro: “A Maquina”, do diretor, roteirista e compositor João Falcão (1958).

Portanto, a essência do que definiu Montaigne está no nome da música: “Porque era ela, Porque era eu”. Coisa do coração não se explica: “Amamos e não explicamos o porquê desse amor por uma determinada pessoa”. Maravilhoso essa definição da amizade de Montaigne. Formidável a sacada do Chico em compor essa música: “Porque era ela, porque era eu”. Sensibilidade com esta magnitude não é para qualquer um. Só os poetas compreendem para além das explicações do amor. Contudo, encerro essa reflexão com a letra da música de Chico Buarque; porque era ela, porque era eu: “Eu não sabia explicar nós dois, ela mais eu. Porque eu e ela não conhecíamos poemas e nem muitas palavras belas. Mas ela foi me levando pelas mãos, íamos tontos os dois, assim ao léo. Ríamos, chorávamos sem razão. Hoje lembrando-me dela, me vendo nos olhos dela, sei que o que tinha de ser se deu. Porque era ela, Porque era eu”.

Um comentário:

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