11 de março de 2018

VOCAÇÃO É UM ATO DE AMOR


Pois a vocação é alguma coisa muito semelhante ao amor. As pessoas vêm a este mundo, convivem com muitas situações diferentes, com vasto número de pessoas diversas, passam por momentos variados dos mais alegres aos mais conflitantes. Descobrem, porém, um dia que a vida só terá sentido e beleza, caso se dedique a algum tipo de atividade que exerce sobre elas a mais definitiva e agradável atração. Naturalmente é uma força, uma irresistível voz interior, que impulsiona vidas na direção de uma profissão, de um ideal ou de uma tarefa específica. Isto porque somos vocacionados: somos chamados. E a vocação não está só no chamado que vem do mundo exterior, nem só na nossa interioridade. No passar da vida, alguma coisa do mundo desperta em nosso mundo interior uma força, uma energia, uma certeza de que estamos sendo chamados, para realizarmo-nos numa dada atividade.

No mundo ácido e desrespeitoso do industrialismo consumista, costuma-se dizer que “não há ninguém que seja insubstituível”. Pois nesta frase está uma impostura. Basta que nos lembremos do fato de que inexistem no mundo duas pessoas que sejam iguais, basta nos lembrar de que cada ser humano é um fato único e irrepetível em toda história da humanidade, para termos certeza de que toda pessoa é insubstituível. Claro que, quando se perde um trabalhador, sempre é possível remediar com o auxílio de outro. Mas, o trabalho deste outro nunca será idêntico ao que faria o primeiro. Esta a razão porque precisamos nos situar em nossa sociedade de uma forma responsável. Responsável significa: aquilo que dá a resposta adequada e necessária. Que tragédia quando os cidadãos de um país procuram cargos e benefícios em lugar de vocações!

Não somos pedras, ou ervilhas ou moscas. Somos seres humanos com um caminho a caminhar e com realizações a cumprir. Na verdade, caminhamos no incerto e idolatramos a dúvida. O sábio chinês Lao Tse (viveu entre o século VI e V a.C.), dizia que todo homem tem um caminho: a sua vida; ninguém poderá caminhar seu caminho por ele, da mesma maneira que ninguém poderá morrer a sua morte por ele. Será possível caminhar com ele, partilhando a estrada como um companheiro, mas ninguém está dispensado das suas tarefas. Só o amor constrói as pessoas, caso contrário não pode dizer que amor faz morada neste coração. Em algum momento, no convívio com tantos humanos, nos defrontamos com alguém, e de repente, temos a mais profunda certeza de que precisamos inteiramente dessa pessoa, para estar sempre conosco.

Somos chamados a ir até o final de nós mesmos, a cumprirmo-nos. Na verdade, parece que todas as pessoas principiam a vida querendo descobrir sua vocação; e toda sociedade tem a obrigação moral de proporcionar aos seus filhos, oportunidades para eles descobrirem suas aptidões e cumprirem sua vocação. Mas o que vemos em nosso tipo de sociedade é a criação de uma trama, que desnorteia o jovem que busca saber qual a sua vocação. Quando ouvimos isto, percebemos que aquela vida promissora, está tristemente caindo na armadilha terrível do nosso tempo: trocando sua oportunidade de "Ser" pela fome do "Ter". Isto porque toda uma sociedade está desnorteada pelos valores imediatistas, do chamado industrialismo e se volta para algo como uma produção industrial de personalidades, que pode levar ao desastre.

É verdade que nem todos estão vocacionados para o estudo e as famílias forçam, às vezes, a barra. Mas os que podem buscar seu caminho têm a responsabilidade de buscá-lo. Isto é: quantos tantos e tantos não podem escolher e são obrigados a fazer trabalhos que o tornam infelizes, fica maior a responsabilidade daqueles que podem procurar sua vocação e dedicar-se a atividades que os realizem. A sociedade precisa de bons profissionais que façam com amor seu trabalho, e não há qualquer razão para que um bom profissional seja tido como inferior a um médico medíocre ou um advogado duvidoso. Toda pessoa está chamada a ir até o limite de si mesma, a realizar-se. E, quando uma pessoa vai-se realizando, seus atos se dirigem aos seus semelhantes, levando a estes benefícios imediatos (contribuições objetivas) e benefícios latentes, como a coisa agradável e enriquecedora de conviver com os que sabem quem são e os que desejam da vida.

Portanto, não é preciso ser religioso para acreditar em vocação. Se assim fosse, Karl Marx, Sigmund Freud, Graciliano Ramos, José Saramago ou Pablo Neruda, nunca teriam ouvido o chamamento que fez deles luminares, acendendo em seus corações o fogo de um ideal que vem modificando a humanidade. Basta que esteja atento à vida para, cedo ou tarde, defrontar-se com algo que fascina definitivamente. Assim como na descoberta do amor, a descoberta da vocação é a hora em que nascemos socialmente. Nossa vocação nos liga ao nosso tempo e faz crescer em nós capacidades das quais nem suspeitávamos. Sentimo-nos fortalecidos como pessoas. Por esta razão há enorme sabedoria em Dom Quixote de La Mancha, quanto este velho retorna a sua casa faminto e maltrapilho. Porém, com um olhar misteriosamente alegre, diz a um amigo: “Eu sei quem sou caro Eduardo. E sei o que posso ser”. Manifestava alegria de um velho que descobriu a sua vocação e o caminho para evoluir com amor. 

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