14 de julho de 2017

CATIVAR É CRIAR LAÇOS

Afetividade vem de afetar alguém, porém, quem tem o dom do afeto, cativa e cria vínculo duradouro. Guimarães Rosa (1908-1967) diz que as pessoas não morrem, ficam encantadas. Nós humanos somos felizes por termos essa possibilidade de nos maravilharmos pelas pessoas e pelo criador. Muitas vezes, temos medo de uma relação mais profunda, por saber que tudo na vida é efêmero. Segundo o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), somos seres voltados para a morte, e essa certeza torna angustiante, os nossos projetos e relacionamentos. É difícil uma atitude de desapego. Para o outro filósofo alemão Schopenhauer (1788-1860), viver é sofrer. Posso afirmar essa premissa.

Entretanto, mesmo que não consideremos a presença de Deus, parto em busca de uma atitude que eternize os seres ao meu redor. No filme de Hal Ashby: “Ensina-me a Viver”, o rapaz de vinte anos apaixona-se por uma senhora de setenta e nove anos. Quando o jovem a presenteia com um colar de prata, ela fica vislumbrada com o presente, beija, aperta junto ao peito, beija de novo e depois lança ao rio. Sem entender, o jovem pergunta se ela não tinha gostado do presente. Ela diz que, ao contrário, gostou muito, mas se ficasse com ele guardado, com o tempo perderia. Agora daquele jeito nunca mais ficaria sem ele, pois sempre saberia que estava naquele rio.

Não precisamos explicar o que é uma rosa, ela simplesmente é. Assim acontece com o amor, não se explica ele é. Alguns filósofos tentam explicar o amor, outros se convenceram de que o amor se intui. Que o amor é a medida de todas as coisas. É bem na verdade, que o plano do sentimento não se contrapõe à realidade, não nos remete, necessariamente, ao mundo da lua. Mostra que, diferente dos outros animais, só a nós o criador deu o poder de amar. Para ilustrar trago a fábula do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), que no Pequeno Príncipe e a Raposa. Ele conta que quando apareceu à raposa, começa um diálogo com o principezinho:

Bom dia, disse a raposa. Bom dia, respondeu palidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada. Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira. Quem és tu? Perguntou o principezinho. Tu és bem bonita. Sou uma raposa. Então propôs o principezinho; vem brincar comigo, estou tão triste. Não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda. Ah! Desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, perguntou: O que quer dizer cativar? É uma coisa muito esquecida, que significa criar laços, disse a raposa. Criar laços? Exatamente, tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Será para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo.

Disse a raposa: minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram de coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo. Depois deste argumento, a raposa calou-se e considerou por algum momento o príncipe. Dizendo: por favor, cative-me! Bem quisera disse o príncipe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.

A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. E continua argumentando a raposa: os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me! E então conclui a raposa: os homens esqueceram o valor de um amigo, mas tu não o deves esquecer. E lembre-se: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Portanto, com a minha experiência e a consciência que tenho da vida, hoje entendo que somos instantes e num instante não somos mais nada.

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