31 de outubro de 2015

DIZER SIM A VIDA POR AMOR AO DESTINO

As implicações do “eterno retorno” levarão inevitavelmente a outro conceito muito importante que Friedrich Nietzsche (1844-1900) chamou de amor-fati, isto é, amor ao destino. Para ele a formula da grandeza do homem está no amor ao destino. Não querer nada de outro modo, nem para adiante e nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo, mas amá-lo. Se tudo retorna eternamente, e exatamente como é agora, então é imprescindível ao homem seu destino. Se não existe nada além desta existência, há de se concluir que apenas ela merece nosso amor.

A grande lição de Nietzsche já no fim de sua produção intelectual, era a gente aprender a amar nosso destino, encontrar beleza no necessário, encaixar o nosso desejo no desejo do tempo. Talvez seu último grande ensinamento. Dizer sim à vida, porque só ela que existe e somente ela traz valor em si mesma. Esta lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” da um sentido próprio ao que aconteceu na sua trajetória existencial.

O controle do passado implica aceitar o que lhe foi dado e tirado. Todos os acontecimentos se inserem numa ordem causal da natureza, assim como cada um de nós, portanto, nada poderia ter acontecido de outra forma, nada poderia ter sido diferente, não adianta lamentar-se. É preciso afirma até mesmo o erro, afinal de contas, nosso passado não é um erro, não somos um erro! Era absolutamente necessário naquele momento e só pode ser interpretado como um erro se tomarmos formas superiores para nos guiar (mas Deus está morto).

A exortação de apropriar-se do que nos aconteceu torna capaz de seguir adiante. O bom e o ruim, a dor e o prazer, são inerentes à vida, amar o que lhe acontece e acontecerá é o primeiro passo para tornar-se quem é você. Nietzsche argumenta: “Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tem de dar sentido à própria vida; em vez de aguardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é”.

O homem é algo que deve ser superado” (Nietzsche em Zaratustra, prólogo). A forma homem é velha e caduca, ela vai errar sempre porque ainda está presa em ídolos metafísicos, presa à forma. É preciso deixar a forma-homem para trás para afirmar aquilo que passou e mais, amar aquilo que passou, porque assim deveria ser por toda a eternidade. Redimir o passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência. Sendo assim, para que mais serviria o amor ao destino?

Devemos afirmar a vida, negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser feita contra ela. Mas este ensinamento foi muito mal compreendido. O amor ao destino não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito menos acovardar-se. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar, muito menos virar a outra face (Mt 5,39). O amor ao destino diz para o indivíduo amar a vida, porque só ela existe e fora dela não há mais nada. Significa afirmar o que tinha que ser sem deixar de afirmar a vontade de potência, em si e no mundo.

E negar os negadores é uma forma de afirmar! Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los. Devemos amar a luta, a revolta, a insubmissão. E que dizer “não” seja apenas um passo para se disser “sim” cada vez mais alto! Porque temos cada vez mais vontade de dizer sim! Vontade de estar no mundo. Vontade de amar. Amor ao destino. Isto é, amor à vida.

Portanto, a partir da minha leitura em Nietzsche, quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor ao destino: seja este, doravante, o meu amor. Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores, que minha única negação seja desviar o olhar. E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim à Vida!  

25 de outubro de 2015

DESAFIOS LÍQUIDOS E MODERNOS PARA A EDUCAÇÃO

A educação deve ser pensada durante a vida inteira, diz Zygmunt Bauman (1925). De acordo com o sociólogo a educação reproduz privilégios em vez de aperfeiçoar a sociedade. O atual sistema universitário só aprofunda as desigualdades sociais. A educação de hoje é vitima da modernidade líquida. Existe uma grave crise de atenção da qual os jovens não conseguem se concentrar. Empurrando o tempo numa mesma questão, tudo é rápido e superficial. Por outro lado, a internet dificulta a lida diária com realidade. Na opinião de Bauman a internet trouxe benefícios e um grande desafio. Como compreender todas as informações que conseguimos acessar de forma instantânea em sites de pesquisa?

A cultura é um campo de batalha e um parque de diversões ao mesmo tempo. A era digital produziu um novo ser humano. Praticamente todas as invenções apenas satisfizeram um desejo humano que já preexistia. Por exemplo, para andar mais depressa, inventaram o carro, voar o avião. As redes sociais e os desdobramentos mais recentes da internet mudam o foco, porque aí passa a ter invenções que precede o desejo das pessoas. Não havia um desejo de algo que viesse chamar “Facebook”. Este algo chamado Facebook surge, e ele próprio vai modulando comportamentos humanos diferentes, que a gente tenta depois entender quais são. De modo, que são uma novidade muito grande as redes sociais.

Neste sentido a rede social modula não só as mensagens, como também as próprias relações das pessoas. Com o advento do Facebook, tudo isso que Bauman fala da fragilidade do lado social, realmente escorre pelo ralo. Nas redes sociais é muito mais fácil estabelecer um contato e desfazê-lo no dia seguinte. O compromisso praticamente é neutro, some. Há um traço no Facebook, que não existe Lei e nem fronteiras para se postar alguma coisa. As pessoas leem algo e digita rapidamente, manda em tempo real, porém, quem ler e curtir essa postagem vai ter uma reação de fígado. Que às vezes é muito agressiva e pode ter efeitos complicados na vida de muitos.

Bauman faz uma descrição do mundo atual baseada na ideia de liquidez. Tudo que é sólido se desmancha porque nada persiste. Sobretudo, os laços afetivos e sociais que estão cada vez mais tênues e ele nos da como grande exemplo disso, o que acontece nas redes sociais. Há uma disponibilidade sem procedente na história de opções amorosas, de consumo e de programas de viagens, que faz com que nós estejamos o tempo todo seduzidos. E o pior, relações sem compromisso, sem construir vínculos. Vivemos a metáfora da liquidez. Parece que o mundo está se desfazendo ao nosso redor.

Bauman no seu livro: “Amor líquido” analisa as relações nos tempos modernos. Na avaliação do polonês, elas se tornaram mais flexíveis, o que faz com que as pessoas não saibam mais como manter laços de longa duração, e muitas vezes acabam se relacionando apenas em ambiente virtual o que acaba aumentando a solidão. Esse comportamento é definido por Bauman como modernidade líquida, onde nada é feito para durar. Os relacionamentos escorrem por entre os dedos feito água. Vivemos o fim do futuro.

Essa ideia de que o mundo está se desfazendo, que perdeu suas interações, sua estrutura e sua organicidade. Está abrindo espaço para um mundo muito mais aleatório, onde o sentido da vida desaparece. Como a modernidade deu passagem a formas sociais dissipadas? Enquanto que a crença que a gente tinha da sociedade civilizada até um século atrás, era da sociedade integrada.

Efetivamente, está muito fácil desfazer uma relação amorosa ou um casamento. Não é nada fácil começar um relacionamento, mas desfazê-lo é simples. Antigamente o casamento era indissolúvel, muito difícil de desfazer. Hoje desritualizamos a separação e criamos espaço para encontros casuais. Banalizamos a dissolução dos laços afetivos. Cria-se um laço afetivo, fortalece esse laço e de um momento para outro a pessoa acaba com ele. Essa é uma experiência muito dolorosa para nós humanos.

Por conseguinte, nas relações sólidas, segundo os princípios budistas, há uma elevação da espiritualidade, ao contrário das relações líquidas que há uma predisposição muito mais propensa em destruir do que construir o outro. Trilhar por esse caminho da existência é fazer o melhor que puder para viver de acordo com nossa dignidade. Saber que podemos fracassar, pois somos humanos, não somos o máximo e muito menos os donos da verdade. Esta práxis vale para a educação, assim como para as relações afetivas.

Portanto, a maioria das pessoas que estão utilizando internet, tenta criar para si o que Bauman chamou de zona de conforto. É o único espaço onde posso coloco minhas fantasias e ser o que quiser. Esta zona de conforto não se pode criar no offline, somente online. Por ser muito simples. É só parar de ler e responder mensagens grosseiras. Deixar de visitar sites ofensivos. O mesmo não pode fazer quando encontramos alguém que não gostamos. Às vezes precisamos conviver com a pessoa. Por isso penso no Facebook como um tranquilizante que cria espaço para a solidão, além de disseminar informações pejorativas e muitas vezes distorcidas da realidade, que só contribui para mecanização das relações humanas. Enfim, a boa relação é quando alguém aceita o seu passado, apoia o seu presente e motiva o seu futuro. Contudo, vamos construir pontes que liga ao amor sólido ao invés de muros que nos separam.

20 de outubro de 2015

A CARA DO MUNDO É FEITA DE MUITAS CARAS

Quem melhor representa a cara do mundo são as crianças. Porque nelas encontramos a alegria de viver. A esperança é renovada a cada momento como uma linda flor que acabou de desabrochar. Nelas não existem maldades, só vontade de brincar. A maldade está no coração insano dos adultos que se esqueceu do que é ser criança. O rosto do mundo interroga o meu ser. Como diz o filósofo e educador Régis de Morais, em seu poema: “Todas as divindades das águas, das florestas, das montanhas, estremecem-me a vida, seja no erotismo dos bailados do alvorecer ou nas cores das preces do acaso”.

O espetáculo de maravilhas que penetra a alma de uma criança tem a musicalidade do silêncio das coisas espirituais. Minha alma é como de uma criança, que abriga a sensualidade das coisas, filtrando os sonhos que desenham nas paredes alvas do mundo. Imagine se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo, tentam ensinar para as crianças? Desespera-me não poder mostrar os brilhos e cores da emoção de uma criança quando a gente conta uma historinha a ela. Essa experiência eu vivi.

Através da fantasia e do olhar que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo. Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente. Sem a educação da sensibilidade, todas as habilidades são tolas e sem sentido. Os conhecimentos nos dão meios para ler e interpretar o mundo. A sabedoria nos da razão para viver dignamente. Para compreender as varias faces do mundo, precisamos aprender com as crianças, elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal.

Entretanto, para as crianças tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o voo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, um peixinho pulando no rio, uma casa de João de barro. Coisas que os eruditos não veem. Nunca vi um professor chamar a atenção da criança para observar a beleza das árvores e dos pássaros voando. A palavra “encanto” está no olhar da criança. Como diz o Evangelho (Lucas 6: 45): “Vossa boca fala do que está cheio o vosso coração”. Pois ao aplicarmos esta sabedoria para avaliar o mundo, deparamo-nos com problemas e dilemas nada fáceis.

A vida é uma jornada através de vales e montanhas. Não seria nenhum exagero, afirmar que a vida é uma intensa luta contra o sofrimento. Então, o que da ao ser humano a verdadeira magnitude e dignidade? Não é a fama, nem poder e muito menos fortuna. Acredito que o valor de uma pessoa é determinado pelo fato dela viver ou não em completa satisfação como ser humano. Isto representa uma mudança completa na concepção convencional de nascimento, envelhecimento, doença e morte. Espero que cada um de nós, que persistimos corajosamente na fé pela vida inteira, possa continuar a viver sem nenhum arrependimento.

Portanto, o mundo é feito de muitas caras e a vida põe delicadezas e elegâncias nesta cara, põe suspiros de felicidade no rosto da criança. As flores são suaves pensamentos da divindade, que seguem pintando nos campos o passeio do espírito que ilumina e sopra onde quer. Põem na manhã o perfume e a beleza que antes dormiram no ventre da terra. Todas essas almas coloridas do campo, nenhum rei atinge sua emocionada elegância. Elegância do nada, como as miudezas que envolvem o mundo. Todos os dias o mundo recomeça do nada. Eternizar esse nada é tudo que nos resta.

17 de outubro de 2015

LER NAS FOTOGRAFIAS O QUE DIZ A ALMA

Nasci num lugarejo onde o tempo passa devagar. O passado não quer partir, teima em querer ficar. Faz exatamente quatro anos e meio que nasceu esse espaço de leitura, para dialogar com pessoas que amo e as respeito. Diante da circunstância dos fatos, não poderia deixar de registrar esse momento histórico. Ao longo desses quatro anos e meio, postei aqui trezentos textos e tenho um acervo fotográfico com mais de novecentas fotos e trinta horas de vídeos gravados ao lado de pessoas queridas e especiais. São registros que contam a história desse homem que tem um caso de amor com a vida, que teve o privilégio de conviver com pessoas que marcaram profundamente a minha história. Algumas ainda continuam ao meu lado, outras já partiram para sempre. Fotografamos esse passado que hoje não quer partir. É comum dizer, vamos tirar uma foto! Mas, está errado. O olhar do fotografo não tira nada, ele põe. Descansando os meus olhos pelas fotos das inúmeras viagens que fiz, lembrei-me de um verso que a Cecília Meireles escreveu para seu avô, encantada: “Tudo em ti era uma ausência que se demorava. Uma despedida pronta a cumprir-se”.

Foi o que eu disse baixinho para as fotografias em quanto olhava: “tudo em ti é ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se”. Talvez quem fotografa não saiba, pensa estar fotografando uma árvore, um rio ou uma paisagem qualquer, pode estar fotografando um casal apaixonado ou uma igrejinha no alto do morro. Não sabe que está fotografando a sua própria alma. Não fotografamos o que vemos, mas, o que somos. Toda fotografia é autorretrato, pedaço do corpo do fotógrafo: “é assim que eu sou”, a foto está dizendo. Ver fotografias é antropofagia, é eucaristia, é escutar o que diz a alma. Os olhos fotografam o tempo que não quer partir, esses olhos que sofrem a despedida. Olhos sobre os quais falou o poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926): “Quem assim nos fascinou para que tivéssemos um olhar de despedida em tudo o que fazemos?” Fotografias de um mundo que se despede. Fotografias para quem sabe adiar a partida. Fotografias são como feitiçaria, usamos para enganar o tempo, para imobilizar o tempo, para impedir que ele passe, para que o momento se torne eternidade.

Entretanto, é impossível não fazer pose sabendo-se objeto de uma câmara fotográfica. Sorri inocentemente. Pensa que está sendo fotografado. Não sabe que ele é apenas um foco em torno do qual gira o mundo invisível, um universo que se despede. O fotógrafo fotografa a despedida. Em cada foto vejo a despedida. Há aqueles que veem o casal sorrindo e feliz, assim como também vê o mundo invisível que gira em torno deles. Olho e sei, porque já vi, quem sabe entende. Mas aqueles que nunca viram, vê sem entender. Para ver o invisível é preciso ser poeta. Mas nem todos o são. Poetas são fotógrafos do invisível. Fotografam o tempo que passa, para que não passe. Poemas são encantações para agarrar o eterno que mora no tempo que passa.

Na fotografia o que se vê não se pode comparar aquilo que não se vê. O poeta invoca fantasmas. Esse espaço de leitura está cheio de fantasmas, existe até um guardador de rebanhos. O cheiro do mato, o barulho do vento soprando a mata, o cantar de um galo no quintal, a musicalidade do canto dos passarinhos entre as árvores. O poeta fala no silêncio do visível. Põe palavras nos seus interstícios. Faz o silêncio cantar: para salvar do silêncio aqueles que nunca haviam visto, e para criar comunhão entre aqueles que viram. As palavras do poeta fazem os que viram e os que não viram cantar juntos, porque toda poesia produz música. O poeta disse: “As flores são sonhos do chão”. Quem diria que na terra infértil vivem pétalas coloridas? Tanto Botucatu como em Marília, o chão sonha. Como diz a música “O Sol” (banda Jota Quest): “E se quiser saber pra onde eu vou. Pra onde tenha sol. É pra lá que eu vou”.

Portanto, poeta é aquela pessoa que ouve o que as coisas dizem. Sua fala é a voz das coisas. E as coisas se transformam em poesia. Entram em mim, fazem amor comigo, entram em minha carne, e um novo evangelho se anuncia: e a fotografia se faz carne. Agora elas não mais estão coladas às paginas do acervo. Estão vivas, moram dentro de mim. E a prova de que se fizeram carne é que sinto saudade. Ah! Como eu gostaria de voltar pra lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz, antigas e ao mesmo tempo acabada de nascer. Sinto que sou de lá. Estou encantado. Adivinho que sou de um outro mundo. E a vida anterior que retoma. O homem que sorri como tudo, vai passar. O sorriso na foto não é mais real. Verdadeiros só as árvores de ipês que continuam florescendo. Contudo, só ficaram as fotografias como lembranças de um passado que não passou. Ler nas fotografias o que diz a alma é escutar o coração e ficar feliz por estar lá. Gente nasceu para brilhar. A luz vem de fora, mais o brilho vem de dentro.      

15 de outubro de 2015

LER É O MELHOR EXERCÍCIO

Defendo a tese de que a ausência de cultura básica afasta o aluno da leitura e sem esta, as crianças e jovens serão incapazes de escrever até a sua própria história. É com preocupação que venho percebendo o distanciamento dos alunos diante desse universo estimulante que é a leitura. Quero acreditar na conciliação dos dois. O encontro entre o aluno e a leitura deve ser promovido pelas mãos precisa e eficaz do professor que tem o papel fundamental nessa aproximação. Nesse desafio, o professor conta com uma segura parceria entre leitura e a escrita, estabelecendo um vínculo capaz de desatar o nó que impede a aprendizagem da língua.

Há uma procura dos estudantes pelos cursos de redação, talvez pelo peso que a redação demanda nos concurso e nas provas dos vestibulares. Fica claro que essa parceria leitura e escrita não está sendo explorada no sistema tradicional de ensino da língua nas nossas escolas, daí a corrida em busca do tempo perdido. Como diz a educadora e escritora Iara Vieira: “roteiro nenhum de redação será eficaz se não tiver respeito pelo livro, se não se cultivar a intimidade com a leitura”. Afinal, ler e escrever são gestos que se completam, permitindo uma articulação crítica com o mundo.

Mas ler exatamente o que? De preferência livros que façam crescer, que ampliem a visão de mundo, que façam pensar ou até divertir. Muitas vezes o estudante não sabe o que fazer com um romance ou com um poema que acabou de ler. Fica esmiuçando quem é quem e deixa passar o essencial: o aproveitamento do tema. Lembro-me de um livro lido na minha juventude que praticamente transformou minha vida: “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévsky (1821-1881). Um pedaço da minha inocência foi embora em contato com o mundo sombrio que o escritor descrevia. O que antes me parecia uma perda, era na verdade uma revelação das sombras do mundo que iria encontrar lá fora.   

Além de preparar para a vida, os temas podem ser aproveitados nas redações escolares ou nas dissertações para mestrados. Como escrever um texto sobre a miséria, por exemplo, sem dialogar com “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, ou sem conhecer “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto? O aluno, no entanto, tem dificuldade de fazer a conexão. Criou-se no ambiente escolar uma divisão perniciosa que só faz prejudicar o ensino: a redação fica aqui, a gramática ali e a literatura acolá. O resultado, todos sabemos: textos mal costurados, sem nenhum sentido.

Por outro lado, a leitura não deve se restringir a livros. Jornais e revistas estão aí a serem vasculhados. O estudante não ficar impassível diante do seu conteúdo, tem que se posicionar. Pode ser que a versão de um fato não seja convincente. É nessa hora que ele se pronunciará, contestando a notícia. Tudo se lê: filmes, quadros, charges. Amplio aqui o conceito de leitura, percorrendo outros sítios, longe ou perto da linguagem verbal. Diante de um tema como a guerra, por exemplo, o aluno poderá extrair de “Guernica”, que é um painel pintado por Pablo Picasso em 1937 por ocasião da exposição internacional de Paris, é uma boa argumentação para sua escrita. O mesmo acontece com outras artes. Agindo assim, ele terá mais segurança na hora de escrever.

Portanto, ampliando o repertório, o estudante terá capacidade de interferir na realidade e exercer plenamente a crítica, cuja ausência nos faz tanto mal. De modo que, reconciliados com a leitura, os nossos alunos terão acesso aos instrumentos necessários para o resgate crítico da sua história.  

6 de outubro de 2015

COMO RECUPERAR-SE DO FRACASSO?

O fracasso é sempre uma experiência dramática porque mexe com a nossa vaidade e também com a autoestima. A vaidade porque é comum o fracasso entre as pessoas e sempre vai ter alguém por perto observando, o que é pior, assistindo e às vezes por inveja torcendo contra. Por outro lado, a autoestima da qual todos nós fazemos um julgamento de nós mesmos, onde esperávamos um resultado positivo e muitas vezes isso não acontece. Por exemplo, é comum assistir na mídia o fracasso de alguns clubes de futebol, nos campeonatos nacionais. Tanto nos clubes grandes como nos pequenos é inevitável o fracasso. O atleta que foi ídolo no seu clube e continua jogando, porém, agora não apresenta mais o mesmo futebol arte, por conta do desgaste físico e emocional. Perante a opinião pública ele é considerado um fracasso para o seu time.

Entretanto, no caso dos clubes, é comum culpar o técnico pelo fracasso dos seus jogadores. Ninguém pode jogar bem todos os dias, ser campeão sempre. Os clubes têm os seus percalços, assim como todos nós os temos. A questão maior é a vaidade de cada um exposta ao público. A situação fica ainda mais dramática para o clube, aos olhos da sua torcida que não vão aos estádios. E o mais grave, que tem como regra esmagar o fracassado, agredindo seus atletas. Assim também acontece com a política, quando um governo fracassa, neste caso é a população que sofre as consequências. Em cada seguimento social o fracasso mexe com a autoestima das pessoas. São experiências muito difíceis de recuperar, por conta das críticas que o fracassado recebe. De modo que não é nada fácil resolver esse tipo de problema. Na vida profissional de cada um o dilema é ainda pior, sobretudo, por comprometer a relação afetiva do casal e dos demais familiares. Falo com conhecimento de causa.  

Por outro lado, se pensarmos na questão da educação é complicado e igualmente dramático como no caso da família. Uma política educacional mal planejada pode trazer grandes consequências para os jovens no futuro e traduzir o esforço do professor num fracasso absoluto. Simplesmente porque o governo não assume os seus erros na práxis educacional. A nossa cultura não é necessariamente um saber fazer, mas, um saber transitar por esses conhecimentos. Para que cada pessoa possa lidar melhor com o seu fracasso, quando ele bater a sua porta. Lembrando-se que quando falamos do conhecimento, estamos falando de um saber compreender para melhor fazer. No caso da cultura ela é incorporada nesses saberes, isto não quer dizer total ausência de fracasso, mas, caminhar com prudência.

O educador mesmo usando da firmeza, da ousadia e a necessária coragem de interferir, ele sabe que tem a chance de fracassar, que essa possibilidade existe. Quando se fala do bom professor não é porque ele é melhor que o outro, mas, porque erra menos. Outro exemplo para ilustrar: aquela pessoa que monta a cavalo e nunca caiu. Principalmente, quando usa de arrogância e garbo, achando que é muito competente e boa em montaria. Quando ela cai pela primeira vez do cavalo, toma um susto terrível e isto mexe dramaticamente com a sua autoestima, além de mexer também com o orgulho e a sua vaidade. Ao montar novamente, não pode mais achar que nunca vai cair do cavalo. Agora ela monta ciente que pode cair. Aprendeu a lição.

Portanto, talvez esse seja o momento, comparado com a nossa vida, deixar o egoísmo de lado, para tornar-se um adulto mais consciente da realidade. Ou seja, caminhar pela vida, fazer o que é preciso, viver de acordo com nossa dignidade, sabendo que podemos fracassar a qualquer momento, que não somos o máximo. Temos que aprender a superar o fracasso. De modo que algumas pessoas ainda não aprenderam atualizar a sua vida, presas ao passado vivem com sentimento de culpa e a dor do fracasso. Enfim, acreditar faz a gente inventar um mundo novo. Ser feliz é viver de acordo com sua natureza. Deixa o rio andar e siga o seu curso natural. Qual o pano de fundo da vida, senão vivê-la?    

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...