3 de fevereiro de 2015

DIALOGANDO COM O AMOR

No diálogo de Platão (427-347 a.C.) “O Banquete”, os convidados discursam sobre o amor. Sócrates (469-399 a.C.) o último dos oradores do referido diálogo do amor, começa dizendo que Eros representa um anelo de qualquer coisa que não se tem e se deseja ter. Para Sócrates o amor é o desejo, em primeiro lugar, de alguma coisa; em segundo, só de coisas que estejam faltando. O amor é capaz de desabrochar e de viver, morrer e ressuscitar no mesmo dia. Come e bebe, dá e se derrama, sem nunca estar rico ou pobre. A partir desta discussão pela boca de Sócrates, Platão explica a relação entre Eros e a filosofia. Assim como os deuses não filosofam nem aprendem, por já possuírem a sabedoria, os tolos e os ignorantes não aspiram adquirir conhecimento, porque, embora nada saibam, julgam saber. Só o filósofo deseja conhecer, pois sabe que não sabe e sente necessidade de conhecer.

Dessa forma, Platão não reduz a busca apenas à procura de outra metade do nosso ser que nos completa como explica no mito da origem do amor. Pare ele, Eros é ânsia de ajudar o eu autêntico a se realizar, na medida em que a vontade humana tende para o Bem e para o Belo, quando subordina a beleza física à beleza espiritual e desliga-se da paixão por determinado indivíduo ou atividade, ocupando-se com a pura contemplação da beleza. É uma concepção que deve ser compreendida de acordo com a relação corpo e alma, segundo a qual Platão subordina Eros a Logos, ou seja, subjuga as paixões à razão. Sendo assim, tudo que está no mundo sensível diz respeito às paixões e o que está no mundo das ideias é contemplado pela razão.

Nas relações afetivas, o desejo não nos impulsiona apenas para alcançar o outro como objeto. Mais que isso, o desejo exige a relação em que se busca, sobretudo, o reconhecimento do outro. O amante não deseja se apropriar de uma coisa e sim, deseja capturar a consciência do outro. A relação amorosa se funda na reciprocidade, ou seja, desejamos o outro como ser consciente que também nos deseje. O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1881), compreende a consciência de si como desejo de reconhecimento. Isso significa que no amor, quando um corpo se estende em direção a outro corpo, exige que esse corpo, que ele deseja também se estenda; porque amar é desejar o desejo do outro. Todavia, o amor é o convite para sair de si. Se a pessoa estiver muito centrada nela mesma, não será capaz de ouvir o apelo do outro. No entanto, se uma criança procura com naturalidade quem melhor preencha suas necessidades, se esse procedimento persistir na vida adulta, torna-se impedimento para encontros verdadeiros. Esta pessoa ira viver um amor idealizado, em parte fruto do medo de lançar-se nas contradições do exercício efetivo do amor.

O temido risco de amar para muitos é a separação. Mergulhar na relação amorosa supõe a possibilidade da perda. Para o psicanalista austríaco Igor Caruso (1914-1981), a separação é a vivência da morte numa situação vital. A morte do outro em minha consciência e a vivência de minha morte na consciência do outro. Quando deixamos de amar ou não somos mais amados; ou, ainda se as circunstâncias nos obrigam à separação, mesmo assim o amor recíproco permanece. Se a perda é sentida de forma intensa, a pessoa precisará de um tempo para se reestruturar, porque, mesmo quando conseguiu manter a individualidade, o tecido do seu ser passa inevitavelmente pelo ser do outro. Há um período de luto a ser superado após a separação, quando ambos estão buscando novo equilíbrio. Uma das características mais evidente do individuo maduro é saber integrar a possibilidade da morte no cotidiano da sua vida. Porém, ao falarmos em morte, não nos referimos no sentido literal da palavra, mas, nas diversas mortes ou perdas que permeiam nossas vidas. Mesmo nas relações duradouras, as pessoas mudam, e a modificação do tipo de relação significa consequentemente a perda da forma antiga de dialogar com esse sentimento chamado amor. A moda antiga de expressar o amor também está se despedindo do nosso meio romântico. O chamado amor cortez está fora de moda.

Portanto, com o afrouxamento dos laços familiares e aqui não estamos analisando as causas e muito menos procurando uma justificativa. O chamado clássico encontro amoroso está ficando de fora, não é mais prioridade nas relações afetivas. Com o advento da comunicação, que em tese deveria melhorar as relações afetivas, lançou as pessoas em um mundo onde elas contam apenas consigo mesmas. Hoje vivemos um mundo da satisfação imediata, do prazer aqui e agora, o desejo de emoções fortes substitui os amores ternos cuja intensidade passional certamente se atenua com o tempo, pois a paixão é fugaz por natureza. Contudo, é bem verdade que se o amor se funda no compromisso e se as pessoas cada vez mais tem medo da dor, do sofrimento, do risco de perda, o que resulta são as relações superficiais, os amores breves. Relações sem diálogo, sem colorido e sem vida. Na era da comunicação e da informação rápida, existe um contingente enorme de pessoas alimentando-se do amor descartável. Um amontoado de seres robóticos. E junto as relações humanas estão indo para o abismo.      

Um comentário:

POEMA INSTANTE DO POETA JORGE LUÍS BORGES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria ...